Ana Carolina Teixeira Soares, ou simplesmente, Ana Carolina está entre os maiores nomes do cinema brasileiro. Infelizmente ela filma pouco e ao longo de quarenta e oito anos como cineasta, lançou apenas oito filmes. A primeira vez em que tive contato com sua obra foi com Sonho de Valsa (1987), filme que por acaso encerra sua trilogia feminina iniciada com este Mar de Rosas (1977). Exibido no Festival de Cinema de Paris e no Festival de Berlim, o filme foi bastante elogiado e ao chegar nos cinemas brasileiros se tornou um verdadeiro acontecimento com seu discurso de independência emocional da mulher. Além disso, Ana realiza uma obra que rompe com vários parâmetros da época ainda muito marcada pelo cinema novo. Em vários momentos Mar de Rosas é pura provocação, a começar pela ironia do título, afinal não existe nada de muito tranquilo ou agradável na vida da personagem de Norma Bengell, a Dona Felicidade (outra ironia). Ela está há horas dentro de um carro viajando com o marido (Hugo Carvana) e a filha (Cristina Pereira estreando no cinema) e desde o início vemos que aquele família vai de mal a pior. Vemos que o diálogo inexiste e não demora muito para que as discussões comecem. A viagem que é anunciada como uma tentativa de salvar o casamento, logo se mostra uma verdadeira provação para aquela família e não demora muito para que gritos e agressões físicas explodam, culminando no momento em que Felicidade acredita ter matado o esposo e foge com a filha. O relacionamento entre as duas também não é dos melhores, já que a filha começa a realizar uma série de tentativas de ferir a mãe (com direito até a um caminhão que quase soterra a mãe dentro de um consultório médico) e a presença de um misterioso novo homem por perto (Otávio Augusto) apenas faz com que a tensão de um casal maduro volte a cena. Existe muita histeria, desentendimentos e uma certa bagunçada lavagem de roupa suja durante o filme que flerta constantemente com o absurdo. Ana Carolina apresenta aqui seu fluxo de ideias bastante particular, que volta-se para as figuras de autoridade (o esposo, o policial, o médico...), diálogos com frases feitas e mulheres insatisfeitas que não se conformam com o lugar que ocupam nesta estrutura. A forma como a protagonista revela com certo pesar o seu nome, diz muito sobre a mistura de drama e comédia que o filme realiza, não por acaso, Felicidade come o pão que o diabo amassou (que seria um nome mais coerente com o filme). Durante a sessão, vivendo algumas situações bastante desagradáveis até o momento o golpe derradeiro de sua filha revela que a mãe ainda está presa àquelas convenções (seu único momento realmente prazeroso é aquele autossuficiente na banheira). Existe muitas simbologias no cinema de Ana Carolina e várias delas rendem análises psicanalíticas até hoje, o mais interessante é que o gosto pelo absurdo ajuda a manter o filme atual em suas questões sobre o horror da banalidade e a inquietação feminina perante a realidade. Dentro da trilogia pensada pela diretora, Mar de Rosas seria a infância, enquanto o seguinte (Das Tripas Coração/1982) volta-se para a adolescência e Sonho de Valsa representa a maturidade. Os três trabalhos ajudaram a consolidar um estilo autoral bastante específico que foge do convencional e da linearidade narrativa, aspectos que se tornaram marca da cineasta ao lado de seu humor peculiar.
Mar de Rosas (Brasil/1977) de Ana Carolina com Norma Bengell, Cristina Pereira, Hugo Carvana, Otávio Augusto, Ary Fontoura e Myrian Muniz. ☻☻☻☻
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