Lançado na reta final da temporada de premiações, Judas e o Messias Negro ousou adotar uma estratégia bastante arriscada. Sem exibições em grandes festivais ou divulgações antecipadas para os críticos, o filme contou apena com seus próprios méritos para chamar atenção do público. Houve quem dissesse que tanta precaução na verdade era a dúvida de lançar o filme para esta temporada ou guardar o lançamento para quando a pandemia fosse coisa do passado. A sorte do longa é que ele possui méritos suficientes para figurar entre as melhores produções do ano, assim, depois de uma indicação ao Globo de Ouro (melhor ator coadjuvante para o premiado Daniel Kaluuya) ele chega ao Oscar potencializado com seis indicações (Melhor Filme, roteiro original, roteiro original, fotografia, canção e a confusa indicação à melhor ator coadjuvante para Daniel e Lakeith Stanfield). Esta rivalidade entre os dois na categoria de coadjuvante pode comprometer o favoritismo de Daniel e envolve diretamente os meandros do Oscar, já que os produtores propuseram que Lakeith concorresse toda a temporada como ator principal e parte dos votantes do Oscar decidiram que ele era o verdadeiro coadjuvante da história. Este aspecto fala bastante sobre a estrutura narrativa do filme em si, já que ambos compõem a alma do filme e faz a narrativa avançar entre a simbologia que o título destaca. Desde a primeira cena, Bill O'Neal (Lakeith) é apresentado como um mentiroso profissional, capaz de andar com um distintivo falso por aí até que um dia é descoberto e convidado pelo FBI para se infiltrar no partido dos Panteras Negras. O plano faz parte da estratégia para silenciar o carismático líder do grupo, Fred Hampton (Daniel Kaluuya). Enquanto se infiltra no grupo, Bill começa a ter seus próprios conflitos diante dos ideais representados por Fred e seus companheiros de militância. Sendo um traidor, por vezes nem mesmo ele sabe de que lado está numa trama que sabemos como terminará. O roteiro não chega a apresentar os dois personagens como amigos, mas os revela com uma proximidade suficiente para que a relação gere confiança proporcional aos estragos consideráveis que virão. Se Daniel está bastante expansivo e convincente como um líder da militância afro-americana, Lakeith vai para o caminho oposto, mais contido, inseguro e com olhos que revelam todo o desconforto de ser uma fraude. Se Fred tem a doce Deborah (Dominique Fishback lembrada no BAFTA de coadjuvante) para revelar seu lado mais intimista, Bill tem o agente Roy Mitchell (o sempre estranho Jesse Plemons) para atazanar cada vez mais suas ideias. É interessante como diretor estrante Shaka King demonstra não apenas segurança em sua narrativa, mas como apresenta seus personagens principais como peças de uma história muito maior e que revela algo que por muito tempo estava escondido em torno dos Panteras Negras. Existe aqui um jogo político entre uma população marginalizada e um governo capaz de tudo para detê-la, o que torna a violência uma constante. Com cenas impressionantes de tão realistas que nos coloca no meio daqueles espaços, o diretor subverte aquela impressão inicial de “mais um filme politizado”, ele amplia o filme quando se ancora em camuflar a mentira em contato com a verdade (seja identitária ou política, se bem que ambas são bastante mescladas no roteiro). Esta sensação fica ainda mais presente quando vemos a antológica entrevista do verdadeiro Bill O'Neal em que ele parece contar uma outra versão da história para si mesmo e esta se torna seu maior tormento.
Judas e o Messias Negro (Judas and the Black Messiah / EUA - 2021) de Shaka King com Daniel Kaluuya, Lakeith Stanfield, Dominique Fishback, Jesse Plemons, Martin Sheen e Algee Smith. ☻☻☻☻
Nenhum comentário:
Postar um comentário