domingo, 21 de março de 2021

#FDS Ana Carolina: Gregório de Mattos

 
Marília e Waly: recital cinematográfico. 

Fechando este Final de Semana com a cineasta Ana Carolina está aquele que poderia ser considerado seu filme mais simples e também o mais difícil. Depois de fechar a trilogia feminina (Mar de Rosas, Das Tripas Coração e Sonho de Valsa), a diretora ficou treze anos sem lançar filme algum até retornar com o ótimo Amélia (2000). Para delírio dos fãs, dois anos depois ela lançou Gregório de Mattos, média metragem dedicado ao poeta. O filme se constrói de forma bastante particular a partir do nascimento do artista sob a narrativa de uma freira vivida por Marília Gabriela, pouco depois é a vez de Waly Salomão já aparecer recitando a obra do artista. Nascido na Bahia em 1636, os textos de Gregório sempre incomodaram os poderosos da época por conta de seu jogo de palavras, humor jocoso e crítica social, o que o levou a ser apelidado de O Boca do Inferno. Filmado com locações em Niterói no estado do Rio de Janeiro, utilizando fotografia sépia, direção de arte que remete diretamente ao barroco e quase todo falado em português seiscentista o filme pode se tornar um programa árido para boa parte do público por não ser propriamente um documentário sobre a vida de Gregório ou uma dramatização sobre a sua vida. Fã da obra do escritor, Ana deixa a poesia do escritor falar por si só, dando a perceber sua afinidade com as provocações do autor. A opção por utilizar freiras como coadjuvantes para o protagonista também faz pleno sentido não apenas pelo contexto histórico da época, mas também como uma marca de uma cineasta que sempre lançou um olhar crítico sobre arquétipos conservadores (o filme também conta com atores interpretando escravos, mas de forma descontextualizada). Seria um equívoco dizer que Waly Salomão interpreta Gregório, já que ele é um poeta recitando a obra de outro poeta. Ainda que utilize muito as mãos e as entonações para enfatizar a obra, o que temos aqui está longe de ser um personagem. A profusão de poesias apresentadas pelos atores deve agradar os fãs do homenageado, mas o grande público terá a impressão de estar presente num recital dramatizado. Melhor rendimento tem Marília Gabriela que na época estava empenhada para ter uma carreira de atriz, deixando um pouco a imagem de jornalista de lado e trabalhando em novelas, peças de teatro e filmes. Ela compõe uma personagem bastante carismática, ainda que tenha certo didatismo, ela faz a presença de sua freira ser muito bem vinda com expressões que emprestam certo humor para a produção. Apesar de todos os riscos que assume, Gregório de Mattos é o filme mais simples da cineasta e ao mesmo tempo um tanto árduo de assistir. Se você entrar no clima, verá suas qualidades, caso contrário, a duração curta (70 minutos) poderá parecer uma eternidade.  

Gregório de Mattos (Brasil/2002) de Ana Carolina com Waly Salomão, Marília Gabriela, Elisa Lucinda, Ruth Escobar e Xuxa Lopes. ☻☻ 

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