quarta-feira, 3 de março de 2021

CICLO DIRETORAS: Saint Maud

 
Morfydd: a fé enquanto camisa de força. 

Maud (Morfydd Clark) é uma jovem enfermeira que após um incidente traumático passa a se dedicar à Amanda (Jennifer Ehle), uma dançarina profissional que sofre de câncer terminal. Maud é bastante solitária e muito apegada à religião e percebe sua profissão mais do que como um trabalho, mas como uma espécie de missão - o que se intensifica ainda mais ao descobrir maiores detalhes sobre a vida pessoal de sua paciente. Diante do estilo de vida de Amanda, a jovem começa a encarar aquele trabalho como mais do que cuidar do corpo enfermo de alguém, mas uma espécie de missão divina no resgate da alma daquela mulher enferma. Este é o ponto de partida de Saint Maud, impressionante estreia da diretora britânica Rose Glass, a ideia poderia servir de premissa para um drama sobre fé e redenção, mas trata-se de um dos filmes de terror mais falados no exterior no conturbado ano passado. Um dos grandes méritos do filme é não contar muito sobre Maud, deixando que o espectador passe a especular sobre sua história particular, seja com a estranha cena inicial, as lembranças (ou alucinações?) que são apresentadas em flashes rápidos ou as pessoas que encontra pelo caminho. O fato é que debaixo de toda fé da personagem existe um bocado de desejos reprimidos e tendências à loucura - e o filme abraça este fator com louvor, deixando que o olhar da protagonista sobre o mundo dite os rumos da narrativa, especialmente em sua segunda metade. É uma experiência bastante estranha, ao mesmo tempo sutil e assustadora emoldurada pelos cenários sombrios, fotografia soturna e uma trilha sonora arrepiante. A atriz Morfydd Clark está assustadora no papel do título e consegue passar a exata medida de como alguma coisa está fora do eixo na personagem, sendo capaz de revelar suas emoções mais secretas com olhares, movimentos e sons estranhos rumo ao final aterrador. Jennifer Ehle também está ótima (como sempre e cada vez mais parecida com a Meryl Streep), a atriz consegue ser o contraponto ideal para desestabilizar a cuidadora - as cenas entre as duas possuem uma tensão absurda. No entanto, o maior mérito do filme é mesmo de Rose Glass, uma diretora que sabe exatamente a história que quer contar e como deseja fazer o serviço, apresentando uma contenção severa no início da história, ela não decepciona quando solta as rédeas e deixa a loucura de sua personagem incendiar o filme de vez. Se a crítica gosta de ressaltar que Robert "A Bruxa" Eggers e Ari "Hereditário" Aster revolucionaram o conceito de terror em Hollywood, agora, atrevo-me a dizer que terão que incluir Rose Glass nesta santíssima trindade do gênero. O único problema de Saint Maud foi ter o azar de ter sua distribuição nas salas de cinema comprometida pela pandemia. Fosse um ano normal, o filme poderia até figurar em algumas premiações da temporada de ouro que se inicia. Ao menos o British Independent Film Awards reconheceu todos os méritos do filme e o indicou à dezessete categorias (levando para casa o de melhor fotografia e de cineasta revelação). De quebra, Saint Maud ainda tem um subtexto bastante atual com os extremismos que vemos hoje em dia. 

Rose Glass: terror psicológico na medida certa.

Saint Maud (Reino Unido / 2019) de Rose Glass com Morfydd Clark, Jennifer Ehle, Lily Knight e Lily Fraser. ☻☻☻

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