Cinco filmes assistidos no mês que merecem destaque:
segunda-feira, 31 de julho de 2023
domingo, 30 de julho de 2023
PL►Y: Veja como Eles Correm
PL►Y: O Acontecimento
PL►Y: O Sonho de Greta
Bethany: quando Wes Anderson encontra David Lynch. |
sábado, 29 de julho de 2023
PL►Y: Medéia
Feito para televisão dinamarquesa em 1988, Medéia é o terceiro longa-metragem de Lars von Trier. Depois de dividir opiniões com seus projetos para o cinema (Elemento de um Crime/1984 e Epidemia/1987) e não alcançar boas bilheterias, Trier resolveu fazer uma adaptação da clássica tragédia de Eurípedes baseado no texto de Carl Theodor Dreyer. Aqui existem algumas mudanças na clássica trama da mulher desesperada ao ser abandonada pelo marido com seus dois filhos. Acho que muita gente já sabe como essa história termina, mas não vou contar o desfecho da trama, apenas dizer que mesmo que o final da obra seja uma das mais conhecidas da História, Trier ainda consegue nos surpreender ao expor toda a dor daquela situação. Medeia (ótima atuação de Kirsten Olesen) tem dois filhos em seu casamento com Jazão (Udo Kier num papel bem diferente do que acostumamos vê-lo). Eis que após as vitórias em uma batalha, ele recebe a mão da princesa (Solbjørg Højfeldt), filha do Rei Creonte (Henning Jensen) em casamento. Medéia nao aceita a decisão do esposo de abandoná-la com os meninos, mas aos poucos começa a tecer sua vingança contra o ex-esposo, para que este perca tudo. No entanto, para que a espiral de acontecimentos se concretize, a própria Medeia irá realizar o maior sacrifício de sua vida. Diante do destino dos personagens que se traça lentamente, Lars von Trier esbanja distanciamento, numa narrativa que pode ser vista como fria por alguns, mas tanta contenção acaba ampliando toda a dor da mulher que se desfaz diante da arquitetura de seu plano. Particularmente adoro a concepção que apresenta Medéia como um ser quase mítico, com a cabeleira negra censurada por um tecido, com as vestes escuras lhe cobrindo a pele quase que por completo e o semblante sempre dolorido pelas armadilhas que lhe foram reservadas. Sua figura encaixa com perfeição nos cenários valorizados pela tonalidade sépia da fotografia. Existe muita terra, muita água, pântanos, galhos secos e campos amarelados, criando ambientações externas para uma encenação de marcações quase teatrais. Trier costuma ser acusado de ser misógino pela forma como trata suas personagens femininas. Ele mesmo já disse em entrevistas que conta histórias sobre mulheres sofrendo por "ninguém se importar com homens sofrendo". Não sei muito bem o que ele quis dizer com isso, mas o fato é que em Medéia ele constrói uma personagem feminina que não se quebra diante dos arranjos dos homens que a cerca e, por isso mesmo torna-se tão assustadora aos outros personagens. Obviamente que a cena do derradeiro sacrifício da inocência é de partir o coração, mas fiquei surpreso pelo tom impresso, que a torna ainda mais emocional e dolorosa para a clássica personagem. Embora não tenha sido aclamado em sua época de lançamento, Medéia pode ser reconhecido hoje como o primeiro grande filme do diretor dinamarquês. Mais interessante ainda é perceber os momentos desta produção que ecoaram em outros filmes do cineasta (mas não vou citar quais para não estragar a surpresa).
Medéia (Medea / Dinamarca - 1988) de Lars Von Trier com Kirsten Olesen, Udo Kier, Henning Jensen, Solbjørg Højfeldt, Ludmilla Glinska e Baard Owe. ☻☻☻☻
PL►Y: Babilônia
Com La La Land (2016) o cineasta Damien Chazelle se tornou a pessoa mais jovem a receber o Oscar de melhor direção. Ali ele declara um pouco do seu amor pela cidade de Los Angeles ancorado na história de amor de um atriz e um pianista que tentavam a sorte nos arredores de Hollywood. O filme era todo colorido e adocicado fazendo com que as premiações caíssem de amores por ele. Era um passo um tanto surpreendente para quem havia estreado com o raivoso Whiplash (2014), que também havia caído nas graças do Oscar. Em nome da não obviedade o diretor fez algo ainda mais inusitado para quem acompanhava sua carreira, fez O Primeiro Homem (2018) sobre o primeiro astronauta a ir para o espaço. O filme foi considerado frio e sem graça por muita gente. Ele então resolve revisitar personagens que tentam a sorte na capital do cinema, só que desta vez vira tudo do avesso. Babilônia é o quarto filme de Chazelle e era um dos títulos mais aguardados para o Oscar desse ano, mas acabou indicado somente aos prêmios de figurino, trilha sonora e direção de arte - o que no fim das contas é o que realmente pode ser visto como unanimidade perante a trama que se expande por três horas de duração. Muitos alardearam que a visão do diretor para a transição do cinema mudo para o falado como algo caótico. Mas acho que isso não incomoda o diretor, já que considero que esta sensação era justamente o que o diretor queria. O problema é que no meio de tudo isso o que poderia ser uma comédia ácida se torna um novo subgênero: a comédia azeda. Não como um abacaxi ou um limão, mas como uma laranja que passou do ponto. Dizem que para construir o roteiro, Chazelle pesquisou muito material sobre o cinema dos anos 1920 que são considerados os mais loucos de Hollywood. Afinal, a indústria cinematográfica estava em seus primórdios e atraía todo tipo de gente para lá, geralmente pessoas cheias de sonhos e histórias de vida complicadas. Embora o elenco seja cheio de rostos conhecidos, a trama gira mais em torno daquele período do que das histórias de cada personagem, de forma que eles terminam carecendo de um pouco mais de desenvolvimento. A sorte é que o diretor conta com Margot Robbie (indicada ao Critic's Choice e Globo de Ouro pelo papel) para dar vida a Nelle LaRoy, uma aspirante à atriz que consegue alguma fama ao final da era do cinema mudo, mas que logo encontra dificuldade na transição para o cinema falado. O mesmo acontece com o astro Jack Conrad (Brad Pitt também indicado ao Critic's Choice e Globo de Ouro) que sabe ter chegado no auge e o fato que agora resta apenas descer. Outros personagens que merecem destaque são Manny Torres (Diego Calva), um faz tudo do estúdio que cobiça um lugar de respeito e Sidney Palmer (Jovan Adepo) que tem a cor da pele como um obstáculo ainda maior para ganhar respeito em uma indústria majoritariamente branca. Existem ainda mais dezenas de personagens que por vezes falam ao mesmo tempo (o que por vezes me fez lembrar alguns filmes de Robert Altman) e curtem festas, muitas festas. O mais interessante do filme é a reconstrução dos bastidores do cinema mudo em sua transição para o cinema falado, criando uma mudança na sonoridade do próprio filme, que é muito mais barulhento quando se está no cinema mudo (afinal, não havia captação de som). Chazelle constrói sua narrativa oscilando entre o glamouroso e o grotesco, mas não demonstra o amparo de um roteiro sólido para dar conta de tudo que aponta. O filme tropeça aqui e ali, perde o foco, mata um personagem, emociona em alguns momentos, aborrece em outros, se estica demais, mata mais alguns personagens e resulta um tanto desengonçado diante da história que quer contar. Não é o desastre que muita gente apontou, mas também não é a obra-prima que o diretor almejava. É um filme caro, exuberante e azedo - não como o destino de alguns de seus personagens, para estes o desfecho é amargo mesmo.
Babilônia (Babylon/EUA-2022) de Damien Chazelle com Margot Robbie, Brad Pitt, Diego Calva, Jovan Adeppo, Jean Smart, Flea, Olivia Wilde, Lukas Haas, Eric Roberts, Max Minghella e Katherine Waterston. ☻☻☻
MOMENTO ROB GORDON: As Barbies de Margot Robbie
Na Tela: Barbie
Faz tempo que não vejo um filme provocar tanta comoção como Barbie. Não digo isso pelo discurso antipatriarcado do filme e a legião de pessoas que se doeram com isso, falo pelo grupo de pessoas que foram ver o filme conforme manda o figurino: de rosa. As lojas foram tomadas pela cor que tempos atrás causava urticária ao ser associada ao sexo feminino, agora Barbie reverteu o jogo no imaginário pop. Acho que não precisa nem dizer que muitos meninos também foram ver o filme de rosa (na sessão que eu assisti havia três de vestido rosa) e uma menina sentada ao meu lado que pedia para mãe para ir embora e tomar milkshake, mas a matrona se irritava dizendo que queria ver o filme até o final. A criança tinha uns cinco anos e não estava nem aí para Barbie e suas desventuras, afinal, conforme bem explica a classificação do filme, ele não é para os miúdos (caso ainda resta dúvida a classificação é de doze anos). A diretora Greta Gerwig ao lado de sua estrela produtora, Margot Robbie, criaram um verdadeiro fenômeno e (espertas do jeito que sempre foram) sabiam que um filme para criar tanto alarde precisava quebrar o nicho de um público e se expandir para todos os demais. Por isso, Barbie tem aquele estilo arrebatador baseado nos acessórios da boneca, os visuais clássicos do brinquedo e versões de carne e osso de várias versões da personagem. Todas são Barbies, mas o protagonismo fica por conta da Barbie Estereotipada (Margot Robbie), aquela que você imagina sempre que se fala a palavra que dá título ao filme. Foi ela quem rompeu o paradigma das meninas brincarem com as bonecas que pareciam bebês e se relacionavam com a maternidade e fez com que as meninas olhassem para o futuro e se vissem como mulheres adultas e não somente mães. Muito já foi discutido ao longo da história sobre o papel da boneca da Mattel no imaginário cultural de várias gerações. Sorte que na Barbielândia tudo isso já está muito bem resolvido com a Barbie presidente , a Barbie ganhadora do Nobel, a Barbie doutora, a Barbie com corpo fora dos padrões, a Barbie cadeirante, a Barbie grávida... todas são bem resolvidas e ocupam o topo da pirâmide local, enquanto os Kens estão no mesmo lugar de sempre: o de acessório da Barbie. Muita gente parece chocada em descobrir que o Ken não tem casa e carro feito a Barbie (mas se tem gente que polemizaram o fato de ambos não terem genitais - em que planeta esta gente vive? Oops, desculpa, será que isso é um SPOILER?). No entanto, começa a acontecer coisas estranhas com Barbie Estereotipada. Ela começa a ter pensamentos diferentes das outras, seu pé perde aquele formato próprio para usar salto alto (e ela mesma cita que se tivesse pés planos jamais usaria salto) e até aparece celulite em suas pernas. Horrorizada, ela conversa com a Barbie Estranha (KAte McKinnon) e descobre que a forma de resolver estes problemas é ir para o mundo real e encontrar sua dona. Assustada ela topa o desafio e acaba sendo acompanhada por Ken (Ryan Gosling), que faz de tudo para chamar a atenção da loura, mas não recebe muito mais do que pouca atenção. No mundo real Barbie vai descobrir que as coisas são muito diferentes e Ken também, especialmente no que diz respeito às relações de gêneros e de poder. Greta Gerwig constrói uma sátira esperta, com piadas bem sacadas sobre o choque entre um mundo de fantasia e o mundo real com verniz adequado de crítica social. O problema é que após a primeira hora de filme a narrativa perde ritmo e precisa de algumas quebras na narrativa (a dancinha dos Kens, a hilariante propaganda da Barbie Depressiva) para voltar a fazer rir, é engraçado que quando o Ken assume a posição de líder de Barbielândia o filme se torna menos divertido, talvez por tornar aquele lugar uma paródia de um mundo real que conhecemos tão bem. O filme acaba se tornando mais previsível com o plano de fazer voltar tudo ao normal e a execução do plano se torna um tanto repetitiva até o desfecho com ares de Pinóquio. Com uma cenografia impressionante e um elenco radiante (com destaque óbvios para Margot e Ryan Gosling), o filme também conta com uma trilha sonora esperta, com destaque para a canção animada de Dua Lipa e a (belíssima) música introspectiva de Billie Eilish. Prevejo um duelo das duas no Oscar do ano que vem e não me surpreendo se Barbie for lembrado em várias categorias com sua graça entre o realismo e surrealismo.
Barbie (EUA - 2023) de Greta Gerwig com Margo Robbie, Ryan Gosling, America Ferrera, Ariana Greenblat, Kate McKinnon, Issa Rae, Emma Mackey, Alexandra Shipp, Simu Liu, Kingsley Ben-Adir, Ncuti Gatwa, Scott Evans, Will Ferrell, Connor Swindels e Helen Mirren. ☻☻☻☻
domingo, 23 de julho de 2023
4EVER: Sinéad O'Connor
#FDS Para Maiores: Théo & Hugo
A cena de abertura de Théo & Hugo é uma verdadeira afronta: um grupo de homens se entregando aos prazeres da carne em uma legítima black room localizada abaixo de um bar gay na França. A cena de estende por longos minutos e dá a impressão que estamos diante de mais um filme pornográfico que tem aos montes em sites da Internet. Quase vinte minutos depois, quando você imagina que o filme vai ficar só nisso, o filme muda de tom e passa a se dedicar a dois rapazes presentes naquela ocasião. No caso, os dois personagens do título que sentiram algo diferente um pelo outro perante a multiplicidade de parceiros presentes ali. Os dois resolvem continuar a noite em outro lugar, engatam uma longa conversa pelas ruas vazias de Paris que se transforma em uma crise quando Hugo (François Nambout)al descobre que Théo (Geoffrey Couët) não usou preservativo durante a transa que tiveram. Se você é um daqueles que consideram a atitude de Hugo um exagero (vale lembrar os riscos do lugar em que estavam durante a noite), a situação logo recebe maiores explicações quando Hugo revela ser soropositivo. O que prometia ser apenas o início de um romance logo se torna uma reflexão sobre o fantasma da AIDS consciência frente à doença no século XXI. Entre uma conversa e outra a atração entre os dois personagens oscila. Eles discutem, se afastam, se atraem, trocam acusações, questionam a postura de um e de outro, mas existe uma preocupação legítima de um com o outro que não consegue ser disfarçada. Em alguns momentos o filme lembra a trilogia do Before de Richard Linklater com as longas caminhadas embaladas pela conversa dos personagens que se revelam aos poucos, de forma que podemos perceber como Hugo é calejado e Théo ainda é um bocado ingênuo perante a vida sexual que pretende levar. O filme da dupla Olivier Ducastel e Jacques Martineau foi premiado com o Teddy Bear no Festival de Berlim e ganhou alguma repercussão pela forma como retrata a AIDS nos dias de hoje, uma doença que pode parecer sob controle quando devidamente diagnosticada e medicada, mas que ainda necessita muito da prevenção e conscientização. Estes elementos complementares aparecem muito na vida aparentemente normal que Hugo consegue levar tendo com o uso de medicamentos e cuidados pessoais e encontra um contraponto na postura um tanto inconsequente de Théo. O filme por vezes se torna cansativo por ser palavroso demais, algo que tenta contornar com uma certa tensão sobre o resultado do exame de Theo, aspectos que preenchem o filme até que volte a investir na desinibição de seus atores no último ato. Mas não se engane, apesar de toda ousadia, o filme tem uma alma romântica que busca retratar de forma mais natural possível a atração entre os personagens. Inicialmente assisti ao filme na Filmmica para escrever sobre no CICLO DIVERSIDADESXL no mês passado, mas ele acabou ficando de fora, mas cai como uma luva para encerrar esse #FimDeSemana dedicado a produções ambiciosas e ousadas dedicadas ao público maior de dezoito anos.
Théo & Hugo (Théo et Hugo Dans le Même Bateau / França - 2016) de Olivier Ducastel e Jacques Martineau com Geoffrey Couët, François Nambot, Bastien Gabriel e Miguel Ferreira. ☻☻
sábado, 22 de julho de 2023
#FDS Para Maiores: Os Frutos da Paixão
sexta-feira, 21 de julho de 2023
#FDS Para Maiores: O Império dos Sentidos
Resolvi dedicar este #FimDeSemana a alguns filmes que assisti nos últimos meses e que por algum motivo deixei de comentar por aqui. Em comum, os três filmes listados aqui tem cenas de sexo bastante explícitas e pretensões artísticas que as retiram do nicho dos filmes pornográficos. Obviamente que os os próximos três filmes citados por aqui podem ser considerados ofensivos por parte do público, mesmo para aqueles que estão acima de sua classificação a partir de 18 anos, mas lembro que ninguém é obrigado a ler as postagens, assistir os filmes, concordar comigo ou gostar do que eles apresentam. Como qualquer crítica, trata-se da forma como eu me relaciono com as obras e como realizo minhas considerações meramente subjetivas sobre elas. Escolhi começar por O Império dos Sentidos de Nagisa Ôgima, não apenas por ter se tornado um clássico, mas também por conta da ordem cronológica que o tornou numa referência para os filmes que utilizam o sexo como elemento narrativo em obras autorais. Acredito que este seja um dos filmes mais famosos de todos os tempos, despertando a curiosidade de várias gerações desde o seu lançamento. O ponto de partida é bastante simples: Abe (Eiko Matsuda) é uma ex-prostituta que se apaixona por seu patrão casado Ishida (Tatusuya Fuji), dono de uma hospedaria. O que começa de forma até singela, a cada encontro dos personagens a obsessão de um pelo outro se torna crescente, rendendo cenas tórridas perpassadas por uma atmosfera pesada e acontecimentos que revelam cada vez mais a sensação de incompletude que os dois sentem. Vez por outra os dois fazem sexo com outros personagens, mas suas angústias aparecem mesmo quando estão juntos, criando um verdadeiro mundo a parte para ambos. Ainda que em primeiro plano seja a relação carnal que possa chamar mais atenção do espectador, os diálogos fortes provocam incômodo em quem espera um filme erótico convencional, construindo um clima de suspense até o seu desfecho. O longa é baseado em uma história real ocorrida no Japão em 1936 e torna-se o pretexto ideal para o diretor apresentar a relação da cultura japonesa com o sexo (seja na relação com o pudor, com as gueixas, mangás eróticos...). Amparado por fetiches variados, o filme avança com cenas que causaram escândalo na época pela forma natural com que apresenta o entrosamento entre o casal protagonista. Eiko Matsuda consegue imprimir várias camadas à sua personagem, a tornando em uma figura por vezes assustadora, enquanto Tatusuya Fuji consegue ser extremamente sedutor e atraente, mesmo que seu porte de galã não evite que as ações de seu personagem sejam questionadas (o que não o impede de se assustar com as fantasias de sua amante). Os enquadramentos bem realizados, a fotografia escura em ambientes fechados e toques sonoros quase macabros colaboram bastante para a densidade entre os personagens e ajudam a romper os limites entre o pornográfico e o artístico, território em que vários cineastas autorais explorariam mais tarde (o dinamarquês mergulhou no mesmo território com o gélido Ninfomaníaca/2013 mas é em Anticristo/2009 que vemos sua inspiração mais explícita na obra de Ôshima e o indie Kelly+Victor/2012 também bebeu diretamente na mesma fonte). Entre cenas que hoje podem ser consideradas degradantes e abusivas, existe de fato um tom de crônica sobre a relação entre os gêneros ao longo do filme que extrapolou a tela, enquanto Tatusuya Fuji ganhou prêmios pelo papel e permaneceu em atividade até hoje, Eiko Matsuda sofreu muito preconceito pelo papel, realizando poucos filmes nos anos seguintes. Rompendo tabus, ainda acho que uma tradução mais literal do título (Ai no Korïda, algo como "tourada do amor") faria mais sentido no alto dos créditos. Vale lembrar que o diretor lidou com um ponto de partida semelhante em O Império da Paixão (1978) que lhe rendeu o prêmio de Melhor Diretor no Festival de Cannes ao mudar um pouquinho a perspectiva do casal protagonista (mas o filme não fez um décimo do sucesso de seu clássico cult). Por aqui, O Império dos Sentidos o filme foi eleito o Melhor Filme Estrangeiro pelo Festival SESC de Cinema em 1981!
O Império dos Sentidos (Ai no Korïda / Japão - 1976) de Nagisa Ôgima com Eiko Matsuda, Tatusuya Fuji, Aoi Nakagima, Yasuko Matsui e Meika Seri. ☻☻☻
PL►Y: Tetris
4EVER: Tony Bennett
03 de agosto de 1926✰21 de julho de 2023 |
domingo, 16 de julho de 2023
4EVER: Jane Birkin
domingo, 9 de julho de 2023
PL►Y: Em Trânsito
Georg (Franz Rogowski) tinha a missão de guiar um escritor para fora da França após a ocupação fascista por lá. O escritor planeja ir para o México com sua esposa e devido a um imprevisto, Georg acaba assumindo a identidade do escritor perante a embaixada. O que era uma missão, acaba se tornando um plano para fugir do continente europeu antes que o regime totalitário impeça de vez a saída de países em que chega ao poder. Nem tudo sai como o planejado para Georg. Além de ter que convencer que é de fato o tal escritor, Georg ainda precisa provar que não representa uma ameaça para o regime a sua saída de Marselha. Como se isso não bastasse, uma mulher vive cruzando o seu caminho, Marie (Paula Beer). Embora esteja acompanhada de seu amante, Richard (Godehard Giese), ela está desesperada na busca por seu esposo, que estava sumido, mas agora ela recebeu a notícia de que ele está na cidade em busca de sua autorização para sair da Europa. Em Trânsito foi considerado o Melhor Filme do Festival de Berlim em 2018, levando o Urso de Ouro para casa com uma história sem época definida, que remete ao passado, mas que, infelizmente, também pode apontar para o futuro. O diretor Cristian Petzold embaralha a história de seus personagens que estão em rota de fuga, mas que por algum motivo sempre ficam presos no lugar em que estão, a sensação é que estão prestes a testemunhar o pior que está por vir. Obviamente que o filme remete diretamente a ascensão de Hitler na Alemanha e a sensação de desespero de quem desejava estar bem longe dali enquanto a escalada totalitária só crescia, mas Petzold faz questão de não localizar sua trama no tempo, denotando que aquela situação ainda é uma ameaça em qualquer período. Franz Rogowski está ótimo mais uma vez em cena, assim como Paula Beer, numa química sutil que repetiriam em Undine (2020) do mesmo diretor, e aqui também paira sobre os dois a sensação de que toda a história de amor que poderiam viver está fadada ao fracasso desde o início. No entanto, conforme caminha para o desfecho, Petzold acentua isso quando acreditamos estar próximos de um final feliz e o destino revela algo que só aumenta a culpa do protagonista. Não por acaso, Petzold apresenta o filme como a última parte de uma trilogia chamada Amor em Tempo de Sistemas Opressores, que é formado por Barbara (2012) e Phoenix (2014). Em Trânsito, com sua estética contemporânea e seus romances perdidos atemporais, prende a atenção ao reconstruir um pesadelo histórico que desejamos que seja algo preso somente ao campo da ficção.
Em Trânsito (Transit - Alemanha/2018) de Christian Petzold com Franz Rogowski, Paula Beer, Godehard Giese, Maryam Zaree, Lilien Batman, Sebastian Hülk e Alex Brendemühl. ☻☻☻☻
.Doc: Wham! / Tina / Love to Love you, Donna Summer / Moonage Daydream
sábado, 8 de julho de 2023
PL►Y: Armageddon Time
Filme após filme, o novaiorquino James Gray conquistou fãs e admiradores entre os críticos. Sua carreira começou em filmes independentes como Fuga para Odessa (1994) e Caminho sem Volta (2000), ganhou cores de mainstream com Os Donos da Noite (2007) e Amantes (2008), ganhou ambição com Era Uma Vez em Nova York (2013), tons épicos com Z: A Cidade Perdida (2016) e de sci-fi com Ad Astra (2019), revelando um diretor cada vez mais ambicioso e diverso, no entanto, sua carreira sempre teve algo em comum: nenhuma indicação ao Oscar. Mesmo os atores que foram cotados ao prêmio, sempre ficaram de fora na reta final. Essa história parecia que mudaria com Armageddon Time, seu oitavo longa-metragem, e também o mais pessoal de todos: um registro de suas lembranças de infância. No entanto, quando o filme foi lançado nem os fãs e nem a crítica se empolgou, imagina o Oscar. Sem indicações mais uma vez, o filme está disponível no TelecinePlay para que você tire suas próprias conclusões. As minhas não são muito empolgantes. Parece que o diretor ao se ver diante de sua própria história (e considero que o que vemos aqui seja os momentos mais relevantes de suas memórias de menino), o cineasta não consegue empolgar a plateia com uma série de situações que não chegam a ser desastrosas, mas que soam um tanto desinteressantes. Seria maldade atribuir ao pequeno Banks Repeta a falta de empolgação gerada pelo filme, na pele do protagonista Paul Graff ele faz o que pode com as travessuras que tem em mãos. No geral ele fantasia e apronta o tempo inteiro durante o filme e quem paga o pato é seu amigo Johnny (Jaylin Webb), um menino negro e repetente que não é visto com bons olhos por nenhum outro personagem do filme. Johnny mora com a avó e já está bastante saturado de todo o preconceito ao seu redor, que cresce ainda mais com o discurso conservador pré-era Reagan nos Estados Unidos. Na casa de Graff, de origem judia, todos temem a eleição de Reagan para a presidência e se consideram perseguidos e excluídos, mas são incapazes de ver a perseguição e exclusão dos negros que estavam na mesma escola que seu filho caçula. Essa cegueira poderia ser o ponto mais interessante do filme, mas ela fica de lado, assim como qualquer outro resquício de boa história para contar. No fim das contas, o filme vira do avesso a ideia de "branco salvador" tão criticada no cinema e investe no oposto com a situação de Johnny piorando com as ideias mirabolantes de Paul. Em torno dos meninos estão Anne Hathaway como a mãe e Jeremy Strong como o pai da família Graff, mas a ternura ficaria por conta de Anthony Hopkins na pele do vovô confidente do protagonista. O trio se esforça, mas tem pouco a fazer em personagens sem muitas camadas a serem apresentadas. A fotografia sem vida também não ajuda, deixando a produção toda ainda mais cansativa. Talvez eu já esteja um tanto cansado de histórias de diretores lembrando de suas infâncias, mas a de Gray parece dizer que suas memórias são apenas sem sal.
Armageddon Time (EUA-2022) de James Gray com Banks Repeta, Anne Hathaway, Jerey Strong, Anthony Hopkins, Jaylin Webb, Andrew Polk, Ryan Sell e Jessica Chastain. ☻☻
NªTV: Os Outros
Fenômeno de audiência na GloboPlay, Os Outros alcançou a difícil tarefa de alcançar elogios de público e crítica com sua história repleta de suspense e pesadelos urbanos. Tudo parte da briga entre dois adolescentes na quadra de um condomínio da Barra da Tijuca no Rio de Janeiro. Aparentemente o que poderia ser resolvido com um pedido de desculpas (e alguma punição por parte da família do agressor), se torna uma verdadeira guerra entre as duas famílias, só que depois piora. Afinal de contas, a mãe de Marcinho (Antonio Haddad), o menino agredido é Cibele (Adriana Esteves), contadora disposta a defender seu filho com unhas e dentes. Do outro lado do ringue, ops, do condomínio, temos Vando (Milhem Cortaz) que talvez não se dê conta de como incentiva a agressividade do filho agressor Rogério (Paulo Mendes) em vários momentos do dia. Ao lado destes dois pesos pesados estão respectivamente o passivo Amâncio (Thomás Aquino), que parece tentar resolver as coisas da forma mais harmoniosa possível, pelo menos até conhecer Mila (Maeve Jinkins) que lhe desperta... algo diferente. Do ponto de partida aparentemente simples, a série ganha fôlego nos dois primeiros episódios e amplia a tom de paranoia e raiva nos episódios seguintes com ajuda de Sérgio (Eduardo Steiblich), um ex-policial expulso por corrupção que ironicamente se torna a salvação dos morados com seu discurso de tudo por segurança auxiliado pela síndica Dona Lúcia (Drica Moraes), que assim como ele tem segundas e terceiras intenções a cada taxa extra que é cobrada dos moradores. No entanto, se antes a briga entre dois adolescentes se torna a batalha entre Cibele e Vando, logo ela se torna um imenso buraco caótico que começa a dragar todos que chegam perto com consequências inesperadas. Criado por Lucas Paraizo, responsável pelos textos de Sob Pressão (iniciada em 2017) e por sua colaboração em Justiça (2016), dois outros sucessos da Globo, a crítica social em tom de guerra em um lugar que deveria inspirar segurança, fala nitidamente da agressividade que tomou conta de nossas relações, fala dos impulsos que poderiam ser evitados se os personagens fizessem aquilo que sempre inicia cada episódio (um respiro longo para oxigenar o cérebro e fazer pensar melhor), no entanto, como todo mundo parece estar no limite, acaba tomando atitudes desesperadas e complicando ainda mais a situação e, pior ainda, abrindo espaço para personagens perigosos que vendem o discurso de "segurança" quando na verdade seus interesses são outros. Para além do texto de Paraizo, a direção de Luisa Lima é um primor, oscilnado entre o tenso e o terno nas horas certas. A diretora consegue imprimir uma escalada de emoções sempre envolvente e que contorna alguns momentos complicados. A série se perde um pouco quando o destino de Vando é traçado, dali em diante tudo se torna um tanto fácil demais para Sérgio enquanto Rogério pende para lá e para cá tomando atitudes pouco críveis, porém, nada atrapalha a atmosfera de pesadelo urbano de que a série necessita. Além disso, o elenco está espetacular, com destaque para Adriana Esteves (que parece sempre com o coração prestes a explodir a cada cena) e Maeve Jinkins numa relação complicada entre duas mulheres em busca de um sentido para tudo aquilo. O final deixa uma brecha para uma segunda temporada, mas eu preferia que a produção parasse por aqui, gosto da sensação que o título faz alusão de que os outros são desconhecidos, quando a última cena deixa a sensação de que até quem está próximo pode ser um outro desconhecido.
Os Outros (Brasil-2023) de Lucas Paraizo e Luisa Lima com Adriana Esteves, Milhem Cortaz, Maeve Jinkins, Eduardo Sterblitch, Drica Moraes, Thomás Aquino, Antonio Haddad, Paulo Mendes, Guilherme Fontes e Rodrigo Garcia. ☻☻☻☻