Srª e Sr. Belfort: alguém precisa ser punido...
Entre os grandes diretores que ganharam fama na década de 1970, Martin Scorsese é o que mostra-se o mais destemido. Daquela geração composta pelas inovações de Francis Ford Coppola, Brian DePalma, George Lucas e Steven Spielberg, posso dizer, sem medo, que é Scorsese que não tem medo de ousar. Enquanto os seus contemporâneos preferem investir num confortável feijão com arroz, repetindo formatos narrativos, gêneros e tramas, Scorsese mostra que está disposto a se reinventar a cada lançamento. Depois de flertar com o cinema infanto-juvenil com A Invenção de Hugo Cabret (2011) ele aceitou o convite de Leonardo DiCaprio (o ator dos seus olhos nos tempos atuais) para dirigir a versão para as telas da polêmica biografia de Jordan Belfort, um sujeito que ganhou muita grana às margens de Wall Street vendendo todo tipo de tralha acionista através de métodos pouco ortodoxos - até chamar a atenção do FBI pela fortuna que acumulou com seus serviços à frente de sua empresa e contas na Suíça. Quando o filme começa, Belfort (Leonardo DiCaprio, ganhador do Globo de Ouro de ator de comédia) tem 22 anos, ambição e o casamento com uma modesta cabeleireira. No entanto, embora tenha conquistado um (estranho) mentor em Wall Street, Mark Hanna (Matthew McConaughey) ele dá o azar de ver a renomada empresa em que trabalha quebrar em seu primeiro dia no batente. Diante disso, começa a trabalhar numa agência mais modesta no ramo de venda de ações, onde estas custam meros centavos (devido ao porte irrisório das empresas), mas Jordan enxerga além e começa a maximizar as expectativas dos clientes, chegando a vender 5 mil dólares em ações minúsculas para uma mesma pessoa (e o fato da agência ser gerenciada por Spike Jonze, em participação não creditada, só aumenta o absurdo da situação). Basta essa experiência para Jordan juntar vendedores de todas as procedências para construir seu próprio negócio e ganhar milhões com estratégias perigosas. A partir desse momento, o sonho americano de tornar-se bem sucedido vira chacota em meio à orgia de dólares, prostitutas, drogas e absurdos. O Lobo de Wall Street chega a ser exaustivo em suas três horas de duração de ascensão e queda de um sujeito movido à grana e drogas. Já que a história é baseada em suas memórias, tenho a impressão que em vários trechos o autor estava completamente chapado quando escreveu o filme - e Scorsese tem a ousadia de manter essa impressão por todo o filme. O resultado é alucinante, vertiginoso e hilário em seu tom politicamente incorreto ao lidar com um anti-herói polêmico, mas que recebe carismática personificação de DiCaprio (embora eu discorde que essa seja sua melhor atuação), afinal, mesmo em sua decadência somos capazes de torcer por ele. Se o personagem é condenável, é graças ao vigor impressionante de DiCaprio que simpatizamos com ele mesmo nas passagens mais absurdas (destaque para a cena em que durante uma paralisia cerebral provocada por um remédio ilegal ele dirige para casa de forma rastejante...). No entanto, vale ressaltar, Leo é acompanhado por um elenco de bons companheiros: Jonah Hill (indicado ao Oscar de coadjuvante) tem momentos de sublime non-sense ao lado do protagonista - e ele é seguido de perto pela novata Margot Robbie a segunda esposa (beldade) de Belfort (a atriz surge como um Oásis num filme com homens que transbordam testosterona e mulheres vulgarizadas). Apesar dos vários títulos ousados que tem no currículo, O Lobo de Wall Street é quase um surto na filmografia de Scorsese, uma comédia insana, extensa e perigosa que depende bastante do olhar do espectador para embarcar em três horas de suas loucuras variadas. Assim, é surpreendente que o Oscar tenha conferido cinco indicações ao longa (Melhor Filme, diretor, Ator/DiCaprio, ator coadjuvante/Hill e roteiro adaptado) que joga o sonho americano pelo ralo - especialmente na última cena irônica onde tipos comuns anseiam por ser Jordan Belfort.
O Lobo de Wall Street (The Wolf of Wall Street/EUA-2013) de Martin Scorsese com Leonardo DiCaprio, Jonah Hill, Margot Robbie, Kyle Chandler, Rob Reiner, Matthew McConaughey, Jon Favreau e Jean Dujardin. ☻☻☻☻
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