O solteiro, os maridos e as esposas: o amargo bem feito. |
Ontem ficaram disponíveis os dois últimos episódios da minissérie Fim na Globoplay. O programa foi feito com base no primeiro romance escrito por Fernanda Torres, que surgiu a partir da ideia da proposta de outra produção para a TV, no caso um episódio de Os Experientes/2015, mas a mente de Fernandinha continuou em seu processo criativo e imaginou o grupo de personagens que gravitava em torno do protagonista apresentado em seu episódio. O resultado virou um livro que tentei ler durante a pandemia, mas como meu estado de espírito não estava muito bom, acabei o deixando antes do final. O motivo? Achei o livro bastante amargo e deprimente em proporções que nem mesmo o seu humor cortante conseguia apaziguar. Já pensei em retornar a ele várias vezes, mas confesso que me deixa apreensivo (haja terapia!). No entanto, vale ressaltar, nada disso é demérito à escrita de sua autora, pelo contrário, a forma como Torres conta a história de cinco amigos e as mulheres, que dividem a vida com eles ao longo de décadas, é bastante particular (e densa). Há quem compare com as tramas de Nelson Rodrigues, mas não vejo tanta semelhança assim (afinal tudo que envolve casamento e infidelidade acham que parece com Nelson), o interesse da escritora está em outros pontos e o principal deles está anunciado logo no título: o Fim. É uma trama sobre a finitude. A morte. Portanto, por mais que a assinatura de Fernanda Torres (largamente anunciada no material promocional) evoque na mente do espectador as produções bem humoradas que já protagonizou, a atmosfera daqui é outra. É uma reflexão sobre a existência, as amizades, os amores, os vícios, os arrependimentos, a solidão, os segredos... é o trajeto da vida de um grupo de personagens colocado perante uma lente de aumento, no caso da minissérie, perante uma câmera. No primeiro episódio somos apresentados ao que mais se assemelha ao protagonista, Ciro (Fábio Assunção) que está em seu leito de morte. Em seu enterro, a ex-mulher, Rute (Marjorie Estiano, magnífica) sequer aparece. Naquele ambiente fúnebre somos apresentados aos seus amigos, o desgarrado Silvio (Bruno Mazzeo), o bom moço Álvaro (Thelmo Fernandes), o salva-vidas galã Ribeiro (Emílio Dantas) e o sereno Neto (David Júnior), mas também Norma (Laila Garin) que merece o céu por ter sido casada com Silvio, Irene (Débora Falabella) a divorciada de Álvaro e Célia (Heloísa Jorge) a esposa de Neto. Depois, assim, como no livro, a narrativa vai e volta por diversas fases da vida dos personagens, construindo um painel tragicômico (em alguns casos mais trágico do que cômico) em que os descobrimos jovens e cheios de expectativa até que a vida os deixa calejados e decepcionados com suas escolhas ao longo da vida. Se existe uma crítica que possa ser feita ao programa é o pessimismo perante a vida, perante o que vemos a ideia é que não importa o que você faça, o resultado é triste (seja pela eminência da morte ou da solidão inevitável). Fora isso, tudo é realizado de forma notável. A começar pela escolha do elenco, todos estão muito bem em cena, mas foi Marjorie Estiano que roubou meu coração com a transição brutal de sua personagem, devastada pelo peso de dois segredos (um de Rute e um de Ciro). Débora também está ótima como a mal-humorada Irene, que chega ao último episódio sem saber ao certo que quer da vida. Menos conhecidas, Laila Garin e Heloísa Jorge também acertam o tom de personagens com menos camadas, mas que cumprem sua cota de complexidade perante o material que tem em mãos. O mais interessante é que no livro as mulheres eram coadjuvantes dos personagens masculinos, mas aqui elas são elevadas a um patamar que as tornam até mais interessantes que seus parceiros de cena. Outros destaques do programa são a reconstituição de época (que inclui a ótima trilha sonora), a caracterização de envelhecimento dos personagens e a atmosfera precisa construída por Daniella Thomas e Andrucha Waddington (que faz bonito com o texto da patroa Fernandinha). O tratamento cinematográfico dado ao material faz toda a diferença para que o espectador consiga mergulhar nos dramas dos personagens que, por vezes, parece um pesadelo coletivo do qual se quer fugir. Fim entra fácil entre os meus destaques do ano e, ao lado de Os Outros, demonstra que a Globo (embora esteja errando feio em suas novelas que estão no ar) ainda é capaz de grandes acertos em suas produções, resta saber a direção que elas devem seguir.
Fim de Andrucha Waddington & Daniela Thomas com Fábio Assunção, Marjorie Estiano, Débora Falabella, Bruno Mazzero, Laila Garin, Heloísa Jorge, David Júnior, Emílio Dantas, Thelmo Fernandes e Fernanda Torres. ☻☻☻☻☻
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