Kirill, Daniil e Olivier: crônica de meninos perdidos. |
Muller (Olivier Rabourdin) é um homem maduro e bem empregado que em uma de suas andanças pela estação de trem Gare du Nord de Paris conhece Marek (Kirill Emelyanov), um jovem que anuncia não ter medo de fazer de tudo por cinquenta euros. Encontro marcado, Muller acaba caindo em um golpe orquestrado pelo grupo de jovens a que Marek pertence. Trata-se de um grupo de adolescentes imigrantes do Leste Europeu que aplicam golpes a quem demonstre algum interesse por seus corpos. No entanto, conforme o filme quer apresentar, estes meninos são muito mais do que a aparência. O diretor Robin Campillo (do posterior 120 Batimentos por Minuto/2017 e realizador de Les Revenants/2004 que inspirou a cultuada série) faz questão de esticar os dois primeiros atos ao infinito, como se estivesse com a câmera escondida esperando que algo importante aconteça, este ar quase documental emprega realismo às cenas, mas tornam o início um tanto árduo para o espectador. Os primeiros minutos se arrastam. A cena da invasão na casa de Muller também, mas consegue expressar a tensão necessária para que o espectador aguarde o que virá depois, algo que se assemelha ao começo de “Funny Games” (1997) de Michael Haneke. O que vem depois é Marek procurando por Muller para prestar seus “serviços” e voltando outras vezes até que algum sentimento maior surja entre os dois. Aos poucos Muller começa a se dar conta de toda a complexa realidade atravessada por aquele adolescente até que ele chegasse naquele ponto. A sebilidade empregada por Rabourdin (que lembra muito Kevin Spacey) deixa claro o desconforto perante toda a vulnerabilidade de Marek. Existe obviamente uma atração afetivo-sexual entre os dois, mas quando o filme chega em sua segunda parte, Campillo prefere deixar a atração entre os dois de lado e deixar que Muller se torne apenas uma figura paternal para virar uma espécie de herói a livrar Marek da dura realidade em que está preso. Embora cheia de boas intenções, acho essa guinada muito desengonçada, já que precisa de um bocado de boa vontade da plateia para acreditar na nova etapa do relacionamento dos personagens. Mas até a concretizar de vez, Campillo envereda até pelo suspense, apresentando uma realidade de submundo daquele grupo de jovens organizados feito uma verdadeira gangue. Cheio de crítica social à uma realidade mundial, que muitas vezes ignora ver aqueles personagens como seres de carne, osso e sentimentos, o filme de Campillo nunca se contenta em ser “mais um filme gay”, mas não precisava mudar radicalmente as emoções de Muller no meio do caminho. Obviamente que muitas pessoas irão classificar que é decorrência de “consciência social” ou de “vergonha” por se aproveitar de toda aquela situação, mas da forma apressada como tudo acontece, parece que Campillo preferiu ler a cartilha do bom moço e tirar o que o seu texto poderia ter de mais envolvente.
Garotos do Leste (Eastern Boys/França - 2013) de Robin Campillo com Olivier Rabourdin, Kirill Emelyanov, Daniil Vorobyov, Edéia Darcque e Bislan Yakhiaev ☻☻☻
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