Dujardin e Dupontel: um homem e seu câncer.
Muitas vezes a consagração de um ator vem por uma produção que outros dificilmente aceitariam o convite para estrelar. Foi assim com Anthony Hopkins que aceitou viver um canibal em O Silêncio dos Inocentes (1991), Sharon Stone em Instinto Selvagem (1992), Lázaro Ramos com Madame Satã (2001), Heath Ledger em Brokeback Mountain (2005) e inúmeros outros que devem estar passando por sua cabeça. Ano passado Jean Dujardin deixou de ser considerado mais um galã do cinema francês com fama de canastrão quando apareceu em Cannes protagonizando o filme mudo e em preto e branco O Artista (2011). Mesmo (os poucos) que não curtiram o filme eram unânimes em elogiar sua atuação, tanto que depois de se consagrar como o melhor ator do Festival, desbancou atores mais conhecidos em premiações como o Prêmio do Sindicato dos atores no EUA, Globo de Ouro e o Oscar. Ou seja, o ator chegou no auge de sua carreira aos 40 anos, nada mal se considerarmos que Dujardin apareceu para o público pela primeira vez em 1996 num show de talentos francês. Desde que foi consagrado como o melhor ator de cinema do ano passado, o grande público passou a ficar interessado em sua carreira, tanto que seu novo filme (o controverso Os Infiéis/2011) conseguiu espaço nos cinemas daqui - e filmes pouco conhecidos como Lucky Luke (2009) vivem sendo reprisados na TV por assinatura. Outro filme que merece espaço na lembrança dos fãs de Dujardin é este O Ruído do Gelo (2010), uma comédia com toques surreais de Bertrand Blier. Já vimos outras obras onde a morte aparece materializada para sua vítima, mas desta vez ela é diferente, já que o escritor em crise Charles Faulque (Dujardin) recebe a visita de seu câncer em pessoa (o sempre eficiente Albert Dupontel). Desde o início os dois estabelecem uma relação estranha. Faulque o destrata e pensa que pode se livrar do câncer sendo o menos cordial possível, mas não demora a perceber que terá de conviver com a ideia de que está doente e que precisa tomar algumas providências se quiser continuar vivo. Além da crise criativa que o carrega cada vez mais para o alcoolismo, ele ainda tenta se recuperar do divórcio, da ausência do filho, da crise de meia idade e até o amor platônico que sente pela criada, Louisa (a ótima Anne Alvaro que ganhou o seu segundo César de melhor atriz por sua atuação neste filme, o primeiro foi pelo excepcional O Gosto dos Outros/2001 que vale a pena ser garimpado por aí). Quando pensamos que o filme irá se concentrar na relação de Faulque com seu visitante indesejado, o roteiro começa a tecer algumas surpresas, como o fato de Louisa poder ver o homem misterioso que persegue o patrão e o fato de descobrirmos que Louisa também tem seu próprio câncer para cuidar. Enquanto o patrão adoece no cérebro, ela adoece no seio. É interessante como o roteiro deixa claro os pontos para o desenvolvimento da doença refletirem as angústias dos personagens e entre uma piadinha surreal e outra o filme caminha para o desfecho. Em outras épocas eu estranharia assistir a uma comédia sobre câncer, mas em 2010 houve uma onda de produções do gênero, além deste filme francês, houve o lançamento da série The Big C e o longa 50% que rendeu uma indicação ao Globo de Ouro para Joseph Gordon-Levitt. De todos os três, este é o mais radical em suas ambições. O protagonista é sempre mais inseguro do que um galã deveria ser, enquanto Louisa é mais interessante do que a maioria das heroínas românticas (embora não tenha cara de heroína romântica devido a maturidade que já está estampada em seu rosto), além disso existem um punhado de cenas picantes (algumas até sugestivas entre Faulque e seu câncer) e a forma como a imprensa é apresentada da mesma forma que as doenças numa cena hilariante. No entanto, o roteiro tem alguns despropósitos como a amante mais jovem de Faulque (que não tem muita serventia na trama) e uma equivocada cena de amor entre Louisa e um rapazinho muito mais jovem que ela. Embora perca o fôlego na metade da sessão, o filme investe num final inusitado que cai como uma luva na proposta de que a ameaça de seus personagens são pessoas muito esquisitas e desagradáveis.
O Ruído do Gelo (Le Bruit des Glaçons/França-2010) de Bertrand Blier com Jean Dujardin, Anne Alvaro, Albert Dupontel, Christa Theret, Emile Berling e Audrey Dana. ☻☻☻
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