segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

CATÁLOGO: Focus

Macy e Dern: romance e antissemitismo.

Focus é um desses filmes independentes que se perdem quando não conseguem espaço nas telas brasileiras e acabam sendo lançados silenciosamente nas locadoras. Meu interesse por ele brotou de outros aspectos. Primeiro que é a adaptação de um livro consagrado de Arthur Miller e segundo porque é protagonizado por William H. Macy e Laura Dern, dois dos atores mais versáteis e subestimados de Hollywood - e que parecem que não estão nem aí para isso, já que sempre estão filmando e com prestígio entre produtores, diretores e estúdios. Na história de Lawrence Newman (Macy) os EUA começam a sentir as pressões da Segunda Guerra Mundial - especialmente com relação ao antissemitismo. Newman ganha a vida como administrador de recursos humanos num escritório, mas seu sossego fica abalado desde que a janela de sua confortável casa suburbana de Nova York serviu para ver uma mulher latina ser violentada. Ele finge que não viu nada e segue com a sua rotina normalmente. As coisas mudam drasticamente quando recebe o conselho do chefe para usar óculos e, desde então, começa a ser confundido com um judeu - até pela mãe com quem divide o teto desde sempre. Os comentários antissemitas crescem no trabalho e na vizinhança, mas Lawrence prefere ficar quieto no seu canto, não se junta a eles e nem os confronta - pelo menos não até conhecer Gertrude Hart (Laura Dern) que por conta do nome e dos traços físicos é confundida com judia e acaba perdendo a vaga de secretária após ser atendida pelo próprio Lawrence. Os dois irão se encontrar novamente quando ele procurar um lugar melhor para trabalhar e irão engatar um romance que irá aumentar ainda mais as suspeitas de que formam um casal judeu. A trama conduzida pelo diretor estreante Neal Slavin cresce vagarosamente na criação de uma ambiente sufocante para seus personagens (apesar da direção de arte e figurinos multicoloridos), de forma que a indiferença torna-se insustentável diante do preconceito e das atitudes cada vez mais agressivas na vizinhança - que tem como alvo preferencial o pacífico dono da banca de jornal, Finkelstein (o ótimo David Paymer). Assim como já fizera em As Bruxas de Salém (que virou filme em 1996), Miller expõe as entranhas de uma sociedade que se diz democrática mas que não consegue aceitar a diferença. Se em Salém a bruxaria servia como metáfora para a caça aos comunistas em Focus o assunto é o antissemitismo envolto num discurso pró-Cristão. Em ambos os casos o mais gritante é como a intolerância ganha corpo e força na ignorância de quem não percebe que a diferença é inerente ao ser humano apesar de alimentar o preconceito necessário para as maiores atrocidades. O assustador é que existe um Lawrence Newman em cada um de nós e ele não pode pensar que está seguro com o silenciamento. Ele precisa reagir e nessa ação não importa se ele é católico, judeu,  caucasiano, negro, deficiente ou homossexual. Importa que ele é humano como qualquer outro. 

Focus (EUA-2001) de Neal Slavin com William H. Macy, Laura Dern, Meat Loaf eDavid Paymer. ☻☻☻☻

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