Fassbender: a verdade nua e crua de um viciado em sexo.
Quando o diretor inglês Steve McQueen exibiu sua segunda parceria com o ator alemão Michael Fassbender (a primeira foi o cultuado Hunger/2008) no Festival de Veneza, todo mundo esperava que Shame garantisse ao ator uma vaga entre os concorrentes ao Oscar. Pela empreitada, Fassbender coroou seu ano de ouro de serviços prestados ao cinema ganhando o prêmio de melhor ator do Festival. Foi bastante merecido, já que seu desempenho na pele de Brandon Sullivan é milimétricamente construído para dar conta de um homem que sofre de erotomania - um distúrbio psicológico que gera compulsão sexual. Se nas mãos da maioria dos diretores o personagem serviria de desculpa para cenas de sexo desenfreado e - no máximo - uma pose intelecutalóide, McQueen opta pelo caminho oposto. Obviamente que existem cenas eróticas no filme (na verdade, são três - o que pode decepcionar muita gente), algumas bem ousadas para o circuito comercial (sem falar nas cenas de nudez que renderam a esnobada da Academia para Fassbender), mas elas servem menos para excitar e mais para ressaltar a degradação vivenciada pelo personagem. No decorrer do filme, fica claro que para Brandon sexo já se tornou menos prazer e mais compulsão. Ele persegue orgasmos seja sozinho na privacidade do banheiro ou usando seus dotes conquistadores com a mulherada em restaurantes, - ou contratando prostitutas, frequentando chats eróticos ou indo a enferninhos. Brandon é maduro, bem sucedido profissionalmente e, essencialmente, solitário. No filme, as suas investidas mais emotivas acabam gerando mais decepção do que realização. Mas afinal de contas, por que para Brandon envolver-se emocionalmente é tão frustrante? Um dos méritos do filme é não perder tempo buscando explicações para o comportamento do personagem, apenas recebemos pistas - e a maioria delas aparecem quando sua irmã, Sissy (uma espetaculosa Carey Mulligan) aparece para passar um tempo em seu apartamento compulsivamente organizado. A presença de Sissy faz com que Brandon tenha que lidar com sentimentos os quais não gosta - e gera conflitos que expõe o que o personagem tem de mais frágil. Devido a falta de explicação sobre os dois irmãos, inúmeras especulações devem aparecer na mente do expectador e o efeito deixa o longa ainda mais interessante, especialmente quando Sissy canta a versão mais tristonha da música New York, New York que já ouvimos na vida ou quando ela diz para o irmão que não são pessoas ruins, que apenas vieram de um lugar ruim (e a trilha de hits antigos ressalta ainda mais essa espécie de 'nostalgia' pelo avesso). Shame (que pode ser traduzido por vergonha, desonra ou rubor) ousa ao esgarçar as lacunas de seu roteiro, permitindo que a plateia as preencha construindo um filme subjetivo a partir das belíssimas cenas urbanas construídas pelo diretor. Próximo ao fim da sessão, estamos tão imersos na relação entre Brandon e Sissy que podemos sentir as emoções de ambos e prever o que está por vir. Dramaticamente estimulante e eroticamente angustiante, o filme consegue ser emocionalmente cru, especialmente depois da noite em que Brandon sai com algumas cicatrizes após sua descida ao inferno e, ao retornar para seu reino particular, enfrenta o risco de perder seu único vínculo afetivo com o mundo. Fassbender tem um trabalho de primeira ao compor um sujeito gélido (basta ver a antológica cena inicial para perceber tudo sobre ele) imerso numa bolha que tem a casca desafiada pela temperatura de Carey Mulligan. Trata-se de um belo dueto em cena e que constrói um dos filme mais interessantes que chegaram por aqui neste ano.
Shame (Reino Unido/2011) de Steve McQueen com Michael Fassbender, Carey Mulligan, James Badge Dale, Nicole Beharie e Lucy Walters. ☻☻☻☻
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