Bello e Sheen: atuações irrepreensíveis em tragédia familiar.
Kate (Maria Bello) e Bill (Michael Sheen) formam um casal comum aparentemente feliz que está planejando as férias ao lado do filho que se encontra em seu primeiro ano na Universidade. Kate é a mais animada para a organização para esse tempo em que a família estará junta novamente. Essa expectativa pode ser explicada pela paradisíaca cena de abertura em que o casal se encontra na praia com o filho ainda menino numa praia, ainda que a imagem de cores quentes e alegria latente contraste com a voz tímida do rapazinho que deixa claro que o primeiro ano na faculdade não está sendo fácil. Sammy (Kyle Gallner) está visivelmente deslocado e mesmo quando conversa com seus pais por telefone não tem coragem de contar as suas angústias para aquelas que parecem ser as pessoas mais próximas de seu mundo particular. Uma conversa pela metade no telefone à noite e um dia depois chega a notícia de que a universidade em que Sammy estuda foi palco de uma dessas tragédias que parecem se tornar comum nos EUA: uma chacina com mais de vinte feridos. Bill e Kate não conseguem entrar em contato com o filho e após receberem a notícia pela manhã, a verdade bate à porta na pele de dois policiais cuja presença já serve para que Kate adivinhe que seu filho está morto. A tristeza transborda da tela e recebe novos contornos quando a dor da perda vivida pela mãe recebe o acrescimo de que foi seu filho o aluno que assassinou seus colegas e professores naquela manhã, "Mentiroso! Mentiroso!" ela grita aos policiais. Seu marido observa a notícia a distância e seu ar quase catatônico denota do que se trata a história que veremos a seguir. Tarde Demais é a história da tragédia vista pelos olhos dos pais do assassino, são eles que nos conduzem numa jornada triste e íntima em busca de explicações e justificativas que tentam substituir a ausência do filho com um pouco de culpa. Depois do processo natural de negação e a fuga da imprensa que os assedia, o diretor Shawn Ku faz a gentileza de adotar um ritmo lento e silencioso que auxilia o expectador em sua tarefa árdua de acompanhar o casal por seus questionamentos amparados pelo roteiro que mais sugere do que aponta evidências. Os dois se refugiam na casa do irmão de Kate e nos deparamos não apenas com as diferenças do casal em lidar com a situação, mas também com a superproteção dela com o sobrinho e com as ausências de Bill que podem sugerir indícios da construção da identidade de Sammy - mas nada que alivie a sensação de ver a opinião pública tratá-los como péssimos pais ou sempre se referir ao rapaz como "o atirador". Redes sociais, televisão, internet todos os veículos servem para reforçar a incômoda sensação que o casal vivencia - e a ausência do filho sempre se sobrepõe ao que ele fez (com direito a vídeos de despedida e outro de ameaças exibidos em rede nacional). Trata-se de um doloroso processo de destruição de referências e torna-se curioso que o filme compartilhe o mesmo tema que o recente Precisamos Falar Sobre Kevin (2011) mas opte por um caminho radicalmente diferente, mas igualmente interessante e devastador. Vale ressaltar as atuações de Maria Bello e Michael Sheen que estão excepcionais e ampliam tudo que o filme tem de mais doloroso. A forma como conduzem as reações e tropeços de seus personagens são de extrema dignidade, sem nunca abandonar o que seus Kate e Bill possuem de mais humano. Diante da imagem tímida do vulnerável Sammy em contraste com a tragédia que provocou, as respostas para o ato cometido por ele nunca chegam - e o espectador pode até ficar tentado a procurar motivos, mas o que fica ao fim da sessão é a tristeza acachapante da tragédia de seus personagens.
Tarde Demais (Beautiful Boy/EUA-2010) de Shawn Ku com Maria Bello, Michael Sheen, Kyle Gallner, Bruce French e Austin Nichols. ☻☻☻☻
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