Holden e Swanson: a dura vida no esquecimento.
No meio de toda a euforia que cercou a chegada de O Artista aos cinemas, me senti um bocado estranho por não sentir grande interesse pelo filme que acabou ganhando o Oscar. Ainda não sei bem qual é o lugar do filme de Michel Hazanavicius na história dos filmes que retratam as feridas da transição do cinema mudo para o falado. Ainda hoje, O Artista, mesmo com toda sua qualidade técnica e prêmios me desperta apenas simpatia, até por que o considero um filme mais de forma do que de conteúdo - não haveria grande problema nisso se as pessoas não insistissem em me convencer de que foi a melhor produção de 2011. Sobre as mudanças geradas pela chegada do cinema falado eu conhecia um grande filme: Cantando na Chuva (1952) de Stanley Donen, a ele soma-se outro que até esse fim de semana natalino eu conhecia somente a fama: Crepúsculo dos Deuses de Billy Wilder. O filme de Wilder é um verdadeiro exemplo de como um filme pode ser provocador sem perder a elegância ao contar os últimos dias de sanidade de Norma Desmond (Gloria Swanson em atuação inesquecível), uma ex-estrela de filmes mudos que vive esquecida ao lado do mordomo num casarão na famosa Sunset Boulevard. Ela acaba redescoberta por acaso por um roteirista fracassado chamado Joe Gillis (William Holden) que precisava de um lugar para esconder o carro. Ele acaba recebendo abrigo de Norma, que pede em troca que a ajude a lapidar o roteiro que marcará o seu retorno triunfal ao cinema. Trata-se de uma versão de Salomé, onde ela interpretará o papel título (em total descompasso com sua idade avançada). O texto e a mansão de Norma revelam mais do que ela imagina sobre a sua decadência e Joe percebe rapidamente que existe algo de estranho no estilo de vida da ex-estrela (especialmente quando ela irá desenvolver uma espécie de obsessão por Gillis). Vivendo de ilusões sobre o passado, Norma revela-se cada vez mais perturbada por viver no ostracismo e, nesse processo, seu fiel mordomo tem um papel crucial. Billy Wilder mostra aqui toda a sua genialidade ao tratar um tema complicado com toques inovadores para seu tempo. Se lembrarmos que o filme foi produzido em 1950, chama ainda mais a atenção que o filme seja narrado por um morto, que conta passo a passo os acontecimentos que fizeram com que seu corpo fosse encontrado com um tiro nas costas dentro da piscina do casarão de Desmond - além disso, o filme coloca celebridades como Buster Keaton, Cecil B. DeMille e Hedda Hopper nos papéis deles mesmos. Com toques de humor, suspense e romance, Crepúsculo dos Deuses não tem nada de arrastado ou inofensivo, trata-se de uma crítica a forma como a fama devora suas estrelas e os prejuízos que isso pode acarretar quando ela chega ao fim. Encarnando esse processo de doloroso esquecimento, Gloria Swanson tem um performance espetacular. Suas expressões exageradas servem como uma luva para alguém que se consagrou no cinema mudo, assim como enriquece a composição de uma personagem que vive à beira do colapso. Nascida em 1899, Swanson estreou nos cinema ainda em produções mudas no ano de 1914 e em 1932 deixou a carreira de atriz em segundo plano para se dedicar à vida de empresária. No entanto, Swanson conseguiu manter sua popularidade com o advento do filme falado e aceitava somente os papéis que considerava relevantes. Crepúsculo dos Deuses rendeu sua terceira indicação ao Oscar de atriz. Só pela sua atuação o filme já valeria a pena, mas ele ainda é um retrato contundente de uma época e merece ser considerado um dos melhores filmes americanos de todos os tempos - tendo concorrido a oito Oscars (dos quais ganhou três: roteiro, direção de arte e trilha sonora).
Crepúsculo dos Deuses (Sunset Boulevard/EUA-1950) de Billy Wilder com Gloria Swanson, William Holden, Erich von Stroheim, Nancy Olsom e Cecil B. DeMille. ☻☻☻☻☻
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