Allen e Weide: Quem tem medo de Woody Allen?
O documentarista Robert B. Weide tem uma admiração especial por gênios da comédia. Entre seus trabalhos merecem destaque o roteiro sobre a vida dos irmãos Marx (1998) e o oscarizado documentário sobre Lenny Bruce (1999). Penso que depois de colaborar com Woody Allen na feitura de Tudo Pode dar Certo/2009 (um dos mais divertidos e subestimados filmes do diretor), Weide resolveu desbravar a carreira deste senhor que tem 41 filmes no currículo, quatro Oscars, três de roteiro original na estante (Meia Noite em Paris/2011, Hannah e Suas Irmãs/1986; Noivo Neurótico, Noiva Nervosa/1977 que lhe rendeu ainda o prêmio de direção) - e outras impressionantes 19 indicações ao prêmio da Academia. É irresistível para qualquer cinéfilo assistir a um documentário que aborda, desde o início da carreira, um dos diretores de cinema mais importantes de todos os tempos! Além de contar o início da carreira de Allen como escritor em jornais novaiorquinos, o filme conta com vasto material sobre os filmes do cineasta (da estreia como roteirista em O que que há, Gatinha? de 1965 até o recente Para Roma com Amor/2012), entrevistas com o elenco dos filmes, amigos, familiares e os momentos mais espontâneos em que Allen aparece diante de uma câmera. Acho que muitas pessoas irão se surpreender com a serenidade deste senhor que aparece bem humorado, mas bem distante do tipo que consagrou em seus filmes. Trata-se de um filme que tenta ser o mais completo possível sobre o diretor - que consegue dar destaque aos triunfos do diretor, mas não hesita em comentar o momento em que seus filmes não empolgavam mais como antes (de Trapaceiros/2000 à Melinda e Melinda/2005), o escandaloso relacionamento com a enteada Soon-Yi, seu inusitado trabalho com os atores e a proposital "irregularidade" em suas obras. Além disso, explora detalhes do relacionamento com suas musas e o efeito que tiveram em sua carreira - sobretudo o salutar envolvimento com Diane Keaton. Ele atribui à atriz o amadurecimento de seus roteiros e desenho dos personagens, afinal foi graças à ela que ele desenvolveu Noivo Neurótico, Noiva Nervosa um verdadeiro corte epistemológico em sua carreira, onde a comédia começou a ser conjugada com elementos dramáticos e as personagens femininas receberam nuances mais profundas. Outro destaque é Mia Farrow, com quem teve um relacionamento amoroso que se refletia em filmes mais densos e que apresentou uma versatilidade que poucos julgavam que a atriz era capaz de alcançar (isso até o desastroso rompimento por conta de Soon-Yi) , além delas aparecem depoimentos de Penélope Cruz, Mira Sorvino, Scarlett Johansson e Diane Wiest - todas oscarizadas ao longo da obra do diretor. Além da criatividade latente, o filme deixa claro que Woody, ao contrário do que muitos pensam, não se acomoda - pelo contrário, sempre busca uma forma diferente de contar suas histórias. Entre comédias físicas, cínicas, românticas, dramáticas e até trágicas, o diretor sempre surpreende o público que imagina que irá repetir o ímpeto de um filme no ano seguinte. A impressão é que este autêntico autor cinematográfico faz filmes para satisfazer mais a si do que qualquer outra pessoa (exemplo disso é Manhattan/1979, um sucesso que ele detesta). Em pensar que toda sua carreira começa ao ver o que fizeram com o seu texto de O que que Há Gatinha? e aí resolveu que só se envolveria em cinema se tivesse controle total sobre a obra.
Gushenko e Interiores: carreira que vai da leveza à densidade absoluta.
Assim, seria não apenas roteirista, mas também diretor de sucessos como Um Assaltante bem Trapalhão/1969 (o primeiro filme de Woody que assisti!) - com sua hilariante cena de assalto em destaque -, Bananas (1971), Tudo o que Você queria Saber Sobre Sexo e Tinha Medo de Perguntar (1972), O Dorminhoco (1973) e a ambiciosa paródia A Última Noite de Bóris Gushenko (1975). Depois que Noivo Neurótico ganhou 4 Oscars - e o diretor não apareceu pela primeira vez para receber o prêmio - Allen, começou a desafiar cada vez mais o público, seja pela densidade dramática inspirada em Bergman (Interiores/1978) ou acidez (Memórias/1980, que desagradou público e crítica, mas que recentemente foi redescoberto). Algumas vezes chegava a agradar o público (Manhattan/1979), em outras, nem tanto (como na brincadeira com o expressionismo alemão Neblinas e Sombras/1991 que tem um elenco que vai de Jodie Foster à Madonna!). Além de abordar o novo fôlego que filmar na Europa injetou em sua carreira (alardeada com o suspense Match Point/2005, mas que já fora ensaiada no levíssimo musical Todos Dizem em Te Amo/1996), o diretor é elogiado pelo tom modernamente sexy que conseguiu injetar em suas parcerias com Scarlett Johansson. Outro ponto interessante do filme é a abordagem do processo de trabalho de Allen como escritor (inclusive a alardeada rapidez com que escreve uma história até hoje em sua máquina de escrever, ao ponto que consegue ser um dos poucos cineastas que conseguem lançar um filme por ano), ator (desde o início ele deixa claro que não era um ator - e talvez por isso as pessoas o confundam com seu tipo mais recorrente) e, especialmente, diretor. Pode causar estranhamento o processo com que Allen convida os atores para trabalharem com ele (uma carta convite sem agentes mediando o processo, enviando-lhes o roteiro pelo correio), porém, parece totalmente coerente com um diretor que acredita na espontaneidade e improvisação (típico de quem começou fazendo comédia Stand Up) além do talento dos atores com quem trabalha. Essa confiança fica evidente nas entrevistas com Diane Wiest e Penélope Cruz - que deixa claro que ele dirige os atores sim, mas ao modo dele (como qualquer outro cineasta o faz). Se existe um defeito no filme é a ambição de abordar em três horas de duração os mais de quarenta anos de carreira do diretor (vale lembrar que o filme foi produzido pela rede de TV pública dos EUA). É evidente que alguns aspectos poderiam ser mais explorados (e devem ter sido, já que o diretor coletou material por quase dois anos para fazer o filme), mas isso me parece papo de fã que gostaria de passar o resto da vida assistindo a obra de seu ídolo. Woody Allen: Um Documentário é um filme que tenta não exaltar um gênio que insiste em dizer que não o é - e por isso mesmo, torna-se uma delícia de assistir - nem que seja pela entrevista de mamãe Allen evitando falar mal do filhote. Freud explica...
Com o elenco de Vicky Christina Barcelona: triunfo sexy.
Woody Allen: Um Documentário (Woody Allen: A Documentary/ 2012) de Robert B. Weide com Woody Allen, Diane Keaton, Penélope Cruz, Diane Wiest, Naomi Watts, Josh Brolin, Douglas McGrath, Scarlett Johansson, Mira Sorvino, Antonio Banderas e Martin Landau. ☻☻☻☻
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