Keri (ao centro): o lado pouco agradável do universo de Jane Austen.
Embora a obra de Jane Austen (1775-1817) sempre gozasse de popularidade, pode-se dizer que foi o cinema que ampliou seu público de forma exponencial. Suas histórias repletas de mocinhas românticas, pretendentes e ironias são admiradas no mundo todo. Sua escrita pode até ser considerada conservadora, mas é indiscutível que sua obra proporciona uma visão bastante rica sobre a situação social da época que retrata - especialmente nas questões pertinentes à situação das mulheres na virada do século XVIII para o XIX (razão pela qual a escritora é exaltada por algumas feministas). No entanto, o cinema percebeu que não basta adaptar as obras da escritora, mas criar tramas românticas sobre personagens que admiram seu legado. Esse recurso já foi utilizado no desequilibrado Clube de Leitura de Jane Austen (2007) e agora aparece no divertido Austenland na estreia da produtora da roteirista Jerusha Hess como cineasta. Baseado no livro de Shannon Hale (que colaborou com Hess na execução do roteiro) ela conta a história de Jane Heyes (Keri Russell), uma mulher obcecada pela escritora (especialmente por Orgulho e Preconceito). Ela resolve investir suas economias na temporada em um parque temático onde pode viver como uma personagem dos livros de sua escritora favorita. Só que ao chegar lá, terá algumas surpresas. Seja por só ter dinheiro para pagar o pacote de viagem mais barato (e por isso mesmo, ser tratada como uma pessoa de classe inferior) ou por saber que a brincadeira lhe dá o direito de ter um romance com um dos personagens masculinos do parque, Jane irá se sentir um tanto incomodada com aquele universo que antes lhe parecia tão romântico. Embora seja cortejada por dois pretendentes, Jane encontra alguma dificuldade para descobrir se o que vive é real ou apenas atuação dos homens em questão. Embora essa pareça ser a ideia principal do filme, ela mostra-se menos interessante quando Austenland ressalta, em tom de sátira, aspectos desagradáveis muito retratados na obra de Austen (os quais suas heroínas deveriam lidar com a classe exigida à época em que viviam), ou seja, parecem os preconceitos sociais, as limitações impostas à boa conduta das moças de família durante o interesse dos rapazes (nunca ficar sozinha com um homem, se ficar, será mal vista e expulsa do parque) e o tédio de não ter muita coisa para fazer naquele ambiente. Nas intrigas presente no filme, Hess retrata que viver na época de Austen não era moleza, mas que o romantismo nostálgico despertado pelos seus romances, ofusca essas questões para a grande maioria das suas leitoras suspirantes. Nas piadas do filme (e não me refiro aos celulares e churrascos em contraste com trajes de época) sobram referências às obras da escritora, seja o segredo de uma personagem (que remete à Razão e Sensibilidade), a semelhança de Mr. Henry Nobley (vivido por JJ Feild, que é a cara de Tom Hiddleston) com o adorado Mark Darcy (de Orgulho e Preconceito) ou as megeras endinheiradas que atrapalham as pretensões das mocinhas (presente em todas as obras de Austen). Keri Russell (a eterna Felicity e, agora, espiã russa de The Americans) está bem como a mocinha de Austen, embora exagere algumas vezes nos trejeitos, ela consegue transmitir as indagações de sua personagem perante a reprodução de um universo que antes parecia conhecer tão bem. Suas companheiras de jornada (vividas pela divertida Jennifer Coolidge e Georgia King) garantem um humor mais escrachado e os rapazes garantem variados arquétipos da escritora e de livros românticos em geral (clássicos ou de bolso). Lançado direto em DVD no Brasil, Austenland diverte, mas poderia ser menos previsível se não houvesse a necessidade de apresentar um final feliz para sua Jane e seu Darcy, mesmo assim é um bom passatempo enquanto não chega aos cinemas obras mais badaladas como a versão moderna de Persuasão e a sempre adiada releitura Orgulho, Preconceito e Zumbis (agora prevista para 2015).
Austenland (EUA/Reino Unido - 2014) de Jerusha Hess com Keri Russell, JJ Feild, Jane Seymour, Jennifer Coolidge, Georgia King, James Callis e Parker Sawyers. ☻☻☻
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