Dench e Coogan: química (e sucesso) surpreendente.
Stephen Frears é o tipo de diretor que corre pelas beiradas do cinema mundial. Embora sete de suas produções tenham entrado no radar do Oscar (entre eles o clássico supremo Ligações Perigosas/1988), faz tempo que Frears filma o que bem entende, transitando entre produções Hollywoodianas e obras inglesas. Alguns caem na graça da mídia e do público (como Alta Fidelidade/2000) outros parecem somente aos fãs do diretor e ele mesmo (Chéri/2009 e O Retorno de Tamara/2010), embora seu currículo impressione (ele conta com duas indicações ao Oscar de direção pelos trabalhos em Os Imorais/1990 e A Rainha/2006), Frears continua pensando como um cineasta independente. Essa visão de cinema a partir dos seus personagens é o que garante sua conexão com público e crítica - que de vez em quando volta sua atenção para o que ele está fazendo. Isso aconteceu no ano passado quando ele exibiu Philomena em Veneza e levou para casa nove prêmios (faltou somente o Leão de Ouro, prêmio máximo do Festival para completar), além da admiração plena de quem o assistiu. O filme ainda foi escolhido como um dos melhores do Festival de Toronto (o segundo melhor, para ser exato), além de cravar quatro indicações ao Oscar - todas merecidas e ainda faltaram algumas. Acho sempre uma bobagem começar a falar de um filme dizendo que ele é baseado numa história real, mas Philomena merece ser explicado a partir desse ponto, já que o decorrer de sua trama revela uma colagem de situações que beiram o absurdo. A personagem que dá o nome ao filme era uma jovem que engravidou precocemente após uma noite com um desconhecido conquistador. Ela tem o filho num convento e passa a trabalhar para a instituição para pagar suas dívidas. No entanto, ela nem suspeitava que as freiras dariam seu filho para adoção antes que ela pudesse sair de lá. Contando assim, parece um desses filmes sobre "os horrores da Igreja Católica", sorte que Frears não se contenta a ser uma obra polêmica, para levantar discussões e blábláblá, seu filme é sobretudo sobre histórias pessoais que quase desaparecem num contexto maior. Muitas décadas depois, a filha da protagonista, fruto de um casamento posterior, descobre o segredo que sua mãe carregou por tantos anos e decide pedir ajuda ao jornalista (um tanto arrogante) Martin Sixmith (o comediante Steve Coogan numa atuação surpreendente) que considera essas história pessoais "coisa de gente ignorante, sobre gente ignorante para leitores ignorantes". Ele considera muito mais importante escrever outra obra sobre a História da Rússia. O roteiro (belamente escrito por Coogan ao lado de Jeff Pope baseado no livro do verdadeiro Sixmith) deixa claro que, já que a carreira de Sixmith não andava bem, não custava nada ver o que havia por baixo daquela história. É assim que ele conhece Philomena Lee (uma espetacular Judi Dench) que nunca parou de pensar no seu filho e visita, secretamente, o tal convento para saber se alguém tinha informações sobre o filho. O texto se debruça sobre a diferença de seus personagens, já que Philomena é pura resignação diante de sua história sofrida e Sixmith oferece um olhar bastante crítico sobre a cadência dos fatos que observamos durante a sessão. Embora exista uma certa arrogância em sua postura, Sixmith, aos poucos, começa a mudar seu sentimento sobre aquela história, especialmente quando a busca daquela senhora parece chegar ao fim. Diante de uma revelação devastadora (que costuma tirar lágrimas da plateia), a jornada de Philomena continua seu rumo, agora com a admiração de seu parceiro. Aos poucos vemos como uma história bastante particular, funciona como elemento revelador de uma história muito maior que precisa ser contada. Frears evita o escândalo, não crítica seus personagens (principalmente a resignação da protagonista que continua a ter fé, por mais que sua dor jamais seja curada) e entrega um filme com uma história difícil, mas magistralmente conduzida. É verdade que o texto e as atuações ajudam bastante a transformar o filme numa história de amor e esperança menos clichê do que esse comentário! Prova disso é que após seis décadas lidando com as dores do seu passado, a verdadeira Philomena Lee foi recebida pelo Papa Francisco no Vaticano após o sucesso do filme e de sua instituição (Philomena Project) que auxilia no encontro de famílias separadas por adoções forçadas. Transformar a dor em um motivo para mudar a história só ressalta o quanto a personagem merece ser conhecida. O filme foi indicado aos Oscars de atriz (Dench), trilha sonora, Melhor Filme e roteiro adaptado (que segundo Philomena Lee mostra mais sua relação com Steve Coogan do que com o verdadeiro Sixmith!).
Coogan e a verdadeira Philomena: relação presente no roteiro.
Philomena (Reino Unido - EUA - França/2013) de Stephen Frears com Judi Dench, Steve Coogan, Sophie Kennedy Clark, Sean Mahon, Peter Hermann e Mare Winninghan. ☻☻☻☻
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