Julia, Meryl e Julianne: lavando a roupa suja - sem anestesias.
Existem filmes que somente pelo elenco que reúne já merecia um Oscar. Nesses casos, muitas vezes o diretor peca por desperdiçar talentos e privilegiar um ou outro, mas quando consegue utilizar seus atores com simetria, o filme tem tudo para dar certo. Em seu segundo filme, John Wells (mais conhecido pelo seu trabalho como produtor de séries para a TV) escolheu adaptar para a telona mais um texto corrosivo do dramaturgo Tracy Letts (que fez questão de adaptar o seu texto teatral para o filme). Letts é conhecido nos cinemas pelas história do terror psicológico Possuídos (2006) e pelo marginal Killer Joe (2011), mas aqui, Letts quase engana que será mais leve ao abordar o encontro de uma família um tanto problemática. Quando o patriarca some (papel de Sam Shepard) - pouco depois de contratar Johnna (Misty Uphan) para ajudar sua esposa, Violet (Meryl Streep) no cuidado com a casa - está na hora de reunir a família e esperar pelo pior. Quando descobre-se que o patriarca morreu, sob suspeita de ter cometido suicídio, o filme poderia tornar-se uma obra pesarosa, mas investe numa lavagem de roupa suja das boas. Quando Violet precisa conviver com suas três filhas, a irmã, o cunhado, o sobrinho, os genros e a neta, a coisa caminha para um verdadeiro caos familiar. O fato da indomável Violet precisar lidar (ironicamente) com um câncer na boca, lhe dá a justificativa perfeita para utilizar medicamentos variados para driblar a dor. Quase sempre sobre o efeito dos remédios, Violet não poupa nenhum dos seus parentes das verdades que precisa dizer para aliviar a dor, o que gera desconforto, dramas e risos na plateia pelo exagero como John Wells lida com a história. Wells é esperto o suficiente para não colocar freios em seu elenco estelar em personagens fortes, sobretudo as femininas. Embora conte com os nomes estelares de Streep e Julia Roberts (merecidamente indicadas ao Oscar nas categorias de melhor atriz e atriz coadjuvante), existe um notável equilíbrio no uso dos atores durante o filme. Karen (Juliette Lewis, atriz que eu adoraria ver mais nas telas) é a filha que engata um relacionamento no outro sem admitir que o tempo passou e que suas expectativas se converteram em ilusões, enquanto Ivy (a ótima Julianne Nicholson) é a filha que largou suas expectativas para morar perto dos pais e ajudá-los quando preciso (mas mantém um relacionamento que prefere manter em segredo). Completa o trio de irmãs a amargurada Barbara (Julia Roberts), que tenta lidar com o fracasso do seu casamento com o professor universitário Bill (Ewan McGregor) e de seus pendores maternais com a filha adolescente - com a qual não consegue se comunicar (papel da crescidinha Pequena Miss Sunshine/2006, Abigail Breslin). Barbara é a que possui o relacionamento mais tempestuoso com Violet, talvez por não admitir suas semelhanças com a própria mãe - num processo de espelhamento e negação que Freud poderia explicar muito bem. Completa a família a tia Mattie (Margo Martindale), a implacável mãe do "pequeno" Charlie (o grande Benedict Cumberbatch) e esposa de Charles (Chris Cooper). Misturar todos esses personagens repletos de segredos, pílulas, frustrações, pílulas, ressentimentos e pílulas transforma a casa da família Weston num barril de pólvora. No entanto, Wells afasta seu drama familiar da fórmula xaroposa que faz naufragar tantos outros, investindo num tom quase caricatural além de comicamente ácido, mas que não inibe a catarse dos personagens que gravitam em torno de Violet, esta em atuação poderosa de Meryl Streep. Criando uma fortaleza sobre si mesma, Violet pode estar doente, solitária, triste, mas não aceita ser uma "coitada". Esse é o maior mérito do filme, subverter nossas impressões sobre a personagem e permitir que Meryl mostre (mais uma vez) que uma atriz não se faz com vaidades e melindres, mas com entrega total à personagem, ciente de que não importa o quão desagradável ela seja, ela precisa nos lembrar no momento certo que debaixo da armadura existe um ser humano. Wells pode não ter feito uma obra-prima, mas seu filme é um álbum repleto de fotos interessantes.
Álbum de Família (August: Osage County/EUA-2013) de John Wells, com Meryl Streep, Julia Roberts, Julianne Nicholson, Juliette Lewis, Ewan McGregor, Abigail Breslin, Chris Cooper, Benedict Cumberbatch, Margo Martindale e Dermot Mulroney. ☻☻☻☻
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