Theodore: o amor carregado no bolso.
O último filme de Spike Jonze poderia se contentar em ser apenas mais um filme sobre nossa dependência da tecnologia, poderia colecionar piadas cínicas sobre a forma como os apetrechos moderninhos e as redes sociais distanciam o homem da vida em sociedade e uma série de outros pontos que se tornaram clichês até nos comentários do próprio Facebook. Sorte que Jonze nunca foi um artista convencional, desde a época em que se consagrou como o melhor diretor de clipes dos anos 1990. Ela conta a história de um futuro não específico (de visual deliciosamente retrô, com vidros coloridos e calças de cintura alta) onde acompanhamos Theodore (Joaquin Phoenix, em um momento bastante diferente de sua carreira), um sujeito que tenta digerir o divórcio recente com Catherine (Rooney Mara) e trabalha em uma empresa que escreve cartas por encomenda (e as escritas por ele são as mais românticas). Theodore vive sozinho, ainda que tenha alguns amigos, mas ao adquirir um revolucionário Sistema Operacional dotado de Inteligência Artificial, a vida do personagem irá mudar. Após responder algumas perguntas ele configura Samantha (espetacular atuação vocal de Scarlett Johansson), um sistema operacional "feminino", inteligente, espirituoso e bem humorado que lhe ajudará a administrar os afazeres e ainda fazer a companhia quando a única opção de diversão era jogar games (cujo personagem Alien desbocado é dublado por Jonze)! Aos poucos, Theodore se apaixona por Samantha e vice-versa. Jonze contempla esse romance virtual sem deboches ou moralismos, tanto que a primeira noite de amor entre os personagens poderia ser surreal, mas surge romântica e bastante crível. É verdade que o roteiro aborda alguns pudores do personagem em embarcar nessa relação, ao mesmo tempo em que Samantha entra em conflito se o que sente é realmente um sentimento ou parte de sua programação. Enquanto alguns demonstram estranhamento com o romance que se constrói, outros o percebem como algo natural - e alimentam indiretamente os sentimentos do casal. O filme evolui de forma bastante fluente, na construção de um universo bastante particular, com doses de romantismo e certa melancolia. No entanto, a partir do momento que Catherine se encontra com o ex-marido, existe uma mudança no olhar do espectador sobre Theodore, uma vez que passamos a pensar até que ponto a relação com Samantha reflete as suas dificuldades de compreender seus próprios sentimentos e estabelecer um romance (afinal, as personagens de Olivia Wilde e Amy Adams cruzam seu caminho de forma bastante peculiar) e o relacionamento com Samantha começa a enfrentar problemas devido suas inseguranças. É verdade que o tom cômico em algumas situações é inevitável, como a necessidade de Samantha ter algo físico com seu namorado ou quando ele começa a ter ciúme de sua namorada, no entanto, o roteiro não demora para abordar o lado dramático desses aspectos. Joaquin Phoenix está bastante convincente como Theodore, anulando qualquer traço de esquisitice que o personagem poderia ter: surge como um homem apaixonado e ponto. Por outro lado, Scarlett Johansson tem momentos excepcionais como o software com sede de conhecer o mundo em tudo que ele tem de físico e abstrato. Me incomoda um pouco a forma como algumas piadinhas sexuais são utilizadas para "descontrair" quando o filme ambiciona tornar-se sério, mas nada que ofusque as qualidades do roteiro que ganhou o prêmio de roteiro original na última edição do Oscar (além de conquistar outras quatro indicações - melhor filme, trilha sonora, direção de arte e canção para a meiga "The Moon Song" de Karen O.). Há quem enxergue em todo o filme o fantasma do casamento do diretor com Sofia Coppola (que durou de 1999 - ano em que estreou como diretor com Quero Ser John Malkovich - até 2003), pode ser, afinal, além do original ensaio sobre a solidão e relações amorosas, o filme ainda tem um visual que lembra bastante o tom contemplativo de Sofia. Ela é na verdade uma espécie de filho híbrido cinematográfico do talento dos dois cineastas.
Ela (Her/EUA-2013) de Spike Jonze com Joaquin Phoenix, Scarlett Johansson, Amy Adams, Chris Pratt e Rooney Mara. ☻☻☻☻
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