Antonio e Olimpia: romance (e canibalismo) platônico.
Lançado em 2013, o filme espanhol Canibal de Manuel Martín Guenca concorreu a oito prêmios Goya (o Oscar espanhol) depois de virar sensação em festivais europeus. Guenca foi muito esperto em divulgar a característica de seu protagonista logo no título, mas apresentar ao espectador uma história em que o canibalismo é quase um detalhe. Carlos (Antonio de la Torre) é um requisitado alfaiate da cidade de Granada. Solitário em sua vida pessoal, mostra-se meticuloso em seu trabalho, assim como nos momentos em que precisa encontrar seu alimento favorito entre as pessoas que cruzam seu caminho. O personagem expressa uma rigidez tão grande na vida pessoal que até seus desejos mais íntimos parecem sufocados. O roteiro não perde tempo buscando explicações para seu comportamento - seu pai é citado algumas vezes na história, não vemos amigos ou parentes durante a narrativa, apenas uma senhora que nunca deixa clara a sua relação com o alfaiate. Toda a sua rotina vai por água abaixo com a chegada de uma vizinha massagista, Alexandra (Olimpia Melinte), que tenta se aproximar do vizinho sem muito sucesso. De vez em quando, Carlos escuta discussões de Alexandra com outra pessoa numa língua estrangeira e não demora muito para que ela desapareça. É nesse momento que entra em cena a irmã de Alexandra, Nina (a mesma Olimpia Melinte que impressiona ao interpretar os dois papéis de forma completamente diferente), que considera que Carlos saiba do paradeiro de sua irmã.. Aos poucos Carlos e Nina se aproximam e o espectador passa a especular qual o interesse que existe por trás daquele relacionamento que ganha cada vez mais força. Guenca constrói um filme de detalhes, poucos diálogos, longos silêncios, muitos olhares e gestos contidos na construção de uma atmosfera de mistério que funciona de forma surpreendente. O filme ganha, aos poucos, substância entre o suspense e o romance platônico entre os dois personagens defendidos por um casal inspirado de atores. Olimpia constrói sua Nina de forma tão humanizada que é impossível não arrepiar-se a cada encontro com Carlos - que por sua vez, é fruto de uma criação minuciosa do ator Antonio de la Torre. O porte de galã, ajuda na construção do tipo polido e contido em excesso, que revela seus tormentos com o olhar sempre a espreita, como se fosse um predador domesticado. Mesmo em seu momento catártico, o personagem parece utilizar uma camisa de força imaginária que evita uma expressão maior de suas emoções. Educado e elegante, ele até parece inspirado em Hannibal Lecter, que revolucionou o canibalismo no cinema com O Silêncio dos Inocentes (1991), mas seus segredos parecem ainda mais bem guardados que do clássico personagem de Thomas Harris. Canibal também se distancia da versão quase folclórica da temática exibida no mexicano Somos o que Somos (2010) que recebeu uma ignorada versão americana no mesmo ano que Guenca lançou seu filme. Canibal possui climas muito próprios e envolventes, o que propicia uma narrativa quase hipnótica para a plateia.
Canibal (Caníbal/Espanha-2013) de Manuel Martín Guenca, com Antonio de la Torre, Olimpia Melinte, Maria Alfonsa Rosso e Delphine Tempels. ☻☻☻☻
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