Jean e Xavier: as sombrias engrenagens do proibido.
Depois de três filmes com histórias criadas por ele mesmo, o canadense Xavier Dolan resolveu adaptar uma peça de outro autor para o cinema. Sua escolha foi a densa obra de Jean Marc-Bouchard, que caiu como uma luva nas mãos do jovem cineasta considerado por muitos um prodígio. Tom na Fazenda é o veículo ideal para provar que Dolan consegue explorar uma história mais sombria, com nuances psicológicas ainda mais densas do que a exibida em seus filmes anteriores. A tensão sexual, sempre presente nas obras de Dolan, aqui ganha tons ainda mais densos na história de Tom (vivido pelo próprio Dolan), que vai até a fazenda da família de seu companheiro, Guillaume, para participar do funeral dele. Lá, ele é acolhido por Agathe (Lise Roy), que fica muito feliz em receber a visita de um amigo próximo do filho, o problema está no truculento irmão do falecido, Francis (Pierre-Yves Cardinal). Desde o seu primeiro encontro com Tom, ele deixa claro que está disposto a fazer de tudo para manter a homossexualidade do irmão em segredo, para isso, conta com a ajuda de Tom, que irá sofrer torturas físicas e psicológicas praticadas por Francis para manter o segredo. O texto de Bouchard (adaptado de forma mais que eficiente por Dolan), tempera a relação entre os três personagens com alguns segredos revelados aos poucos (como a existência de uma namorada inventada por Guillaume ou o motivo de ninguém na cidade conversar com Francis) e um bocado de sadomasoquismo. É estranhamente envolvente o jogo que se instaura entre os dois personagens masculinos, deixando nas entrelinhas muitas interpretações psicológicas. O protagonista quando tem chance de fugir daquele tormento é capaz de retorna para pegar a mala (que depois ele nem dá mais tanta importância), sem falar da necessidade de um ter o outro por perto, como se carregassem um espectro do falecido tão necessário para aguentar a rotina árdua da fazenda. No fundo, o trio de personagens soa coerente no desequilíbrio emocional que apresentam ao longo do filme e, acho muito difícil, que outro cineasta conseguisse explorar com tanta elegância e coesão uma engrenagem tão complicada - o que torna ainda mais notável o trabalho do cineasta (que tinha apenas vinte e quatro anos quando o filme foi lançado no Festival de Berlim). Dolan (que é ator desde os cinco anos) está irrepreensível como Tom, equilibrando certo desleixo, fragilidade e um bocado de masoquismo (bastante diferente do jovem topetudo que interpreta em seus filmes anteriores), apresentando aqui o seu trabalho mais impressionante como ator (e o mais redondo como diretor). Ele conta ainda com as belas atuações de Lise Roy (como a matriarca que aos poucos percebe que as peças em cena não se encaixam) e Pierre-Yves Cardinal que consegue expressar um sex-appeal psicótico difícil de descrever (e que gera atração e repulsa na trama). Em Tom na Fazenda, o diretor faz um trabalho mais contido, sombrio, claustrofóbico chegando à uma atmosfera inédita em seus trabalhos. Existem cenas memoráveis, como a reveladora cena em que os personagens dançam tango e Francis faz revelações desagradáveis a cada passo, ou a abertura da caixa de Pandora de Guillaume. (que mostra que a verdade sempre estava ali, mas nunca quis ser descoberta). Acho interessante que depois de criar filmes tão urbanos, Xavier utilize o clima bucólico da fazenda para criar um universo a parte, pesadelesco, separado de suas outras obras - ainda que coerente com elas. Considero o último ato um primor de realização - e a cena em que sobem os créditos deixa claro o quanto foi estafante para o diretor lidar com o lado mais obscuro do desejo dos personagens adotados para seu filme. A última cena de Tom, após os créditos, fica ainda melhor quando percebemos que Dolan deixou aquele mundo e voltou para o seu universo tão peculiar (que gerou o premiado Mommy/2014), sendo que ele pode voltar àquela outra atmosfera sempre que questionarem sua versatilidade na sétima arte. Densamente sensacional.
Tom na Fazenda (Tom à La Ferme/Canadá-França/2013) de Xavier Dolan com Xavier Dolan, Pierre-Yves Cardinal, Lise Roy, Evelyne Brochu e Olivier Morin. ☻☻☻☻
Nenhum comentário:
Postar um comentário