Chastain e Farrell: flerte com a tragédia.
Miss Julie é um daqueles papéis que toda atriz deseja interpretar. Além de dezenas de versões para os palcos, a peça escrita por August Strindberg (1849-1912), coleciona, pelo menos umas sete versões entre cinema e televisão. Em 1999, Mike Figgis dividiu opiniões com sua versão chamada Desejos Proibidos de Miss Julie (1999) estrelada por Saffron Burrows e Peter Mullan. Ano passado foi a vez da eterna musa de Ingmar Bergman, a atriz e diretora Liv Ullman, adaptar o texto para a telona. Em termos de elenco a repercussão estava garantida, escolheu Jessica Chastain para viver a protagonista, Colin Farrell para viver John (o lacaio que a faz companhia) e Samantha Morton para viver Kathleen (a empregada, noiva do lacaio que finge não entender o jogo de sedução instaurado entre o casal). Quando o filme começa, o comentário entre o casal de empregados é uma dança entre Miss Julie e Jean (Farrell) que aconteceu na noite anterior. Hoje isso poderia ser visto com naturalidade, mas em 1890, no abismo social que separava a nobreza anglo-irlandesa (Julie é filha de um barão) de seus criados, o escândalo seria iminente. Enquanto a dupla de empregados discute, Miss Julie aparece convidando John para dançar novamente e... começa um estranho flerte entre os dois. Por vezes autoritária, em outras ingênua, Julie parece brincar com as reações do criado. Os diálogos ás vezes são ásperos, outras vezes poéticos, mas o centro da discussão está a divisão de classes que existe entre os personagens. Liv Ullman já conta sete trabalhos na direção, mas aqui, ela briga o tempo inteiro com o formato de teatro filmado e, nem sempre, sai vitoriosa. No início as marcações e diálogos são filmados de forma tão teatral que incomoda bastante, depois, Ullman relaxa e o filme consegue fluir melhor, pelo menos até chegar o último ato, onde as emoções do personagem oscilam constantemente e perder o tom parece inevitável, evidenciando que os atores ficaram um tanto desamparados nesse momento perigoso. Ainda assim, Jessica Chastain está ótima como Miss Julie, provando mais uma vez o motivo de ser uma das atrizes mais requisitadas do cinema atual. Ela consegue explorar todas as complexas camadas de Julie diante do tormento que causará a si mesma, sua dor, vergonha e desespero são realmente palpáveis e poderia funcionar ainda melhor se Colin Farrell não caísse no exagero quando Johan mostra-se bem menos frágil do que Julie desejava. Samantha Morton está indefectível como Kathleen, entregando uma boa construção da personagem nas poucas cenas que possui. Essa nova versão de Miss Julie só não consegue ser melhor porque consegue é menos cinema do que teatro, algumas cenas poderiam ter sido mais lapidadas, os cenários poderiam ser mais explorados e algumas analogias poderiam ter sido mais sutis (a do cachorro funciona bem, a do canário... nem tanto). Porém (vocês vão me crucificar) mas eu adoraria ver Miss Julie ser interpretada por uma jovem atriz de vinte e cinco anos (idade da personagem), Chastain é uma atriz excepcional, mas ela já está com trinta e oito anos e fica estranho quando Colin Farrell (que tem trinta e nove) a chama de criança - nesse ponto, a versão de Figgis tinha a vantagem de ter Burrows (uma atriz sem os encantos de Chastain, mas que na época tinha uma petulância juvenil que funcionava bem aos vinte e sete anos) fazendo par com Peter Mullan (que tinha 40 anos na época e também é melhor ator que Farrell). Na versão de Ullman, a idade de seus intérpretes pesa em alguns pontos que o texto naturalista de Strindberg. Ainda assim, a complexa Miss Julie permanece sendo o último suspiro de uma aristocracia decadente, ameaçada por um bando de plebeus que aprendiam que os nobres tinham sangue tão vermelho quanto os demais mortais.
Miss Julie (Noruega-Reino Unido-Canadá-França-EUA-Irlanda/2014) de Liv Ullman com Jessica Chastain, Colin Farrell, Samantha Morton e Nora McMenamy. ☻☻☻
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