Ryder, Allen e Lewis: caça às bruxas.
O diretor de teatro inglês Nicholas Hytner começou a fazer filmes para o cinema em 1994, quando levou para as telas a peça de Alan Bennett "As Loucuras do Rei George", que foi indicado a quatro prêmios no Oscar (levou o de melhor direção de arte). Desde então, Hytner mostrou-se uma escolha correta para adaptações teatrais na telona. De lá para cá ele dirigiu apenas seis filmes, sendo o meu favorito a sua versão para As Bruxas de Salém de Arthur Miller. Para além do conturbado casamento com Marilyn Monroe, Miller era um dramaturgo brilhante e ainda hoje sua peça permanece atual em seus diálogos cortantes e forte apelo dramático pela histeria que toma conta dos personagens. Miller escreveu sua peça em 1953, usando como base os eventos que causaram a perseguição de mulheres acusadas de bruxaria em Massachusets no ano de 1692 (causando 17 enforcamentos), porém, o que poderia ser apenas uma trama sobre fanatismo religioso ganhou novo significado na década de 1950 - período em que o governo americano passou a perseguir pessoas acusadas de apoiarem o comunismo, época que ficou conhecida como Macartismo (uma alusão ao sobrenome do senador republicano Joseph McCarthy, que encabeçava interrogatórios e sentenças). Para além de apoiar esquerda ou direita, a riqueza do texto está em retratar o doloroso processo de delação e perseguição - aqui ambientado no pequeno vilarejo de Salém, onde a "verdade" emerge ofuscada por vinganças pessoais, (des)afetos e a necessidade de salvar a própria pele. Qualquer semelhança com o que vemos hoje nos telejornais não é mera coincidência - o que só reforça o poder do texto de Miller. A trama se inicia após um grupo de garotas se juntarem para uma celebração desconhecida, algumas, mais entusiasmadas do que deveriam, chegam a se despir. O que poderia ser apenas uma brincadeira de adolescentes (cansadas com a educação repressora) torna-se o ponto de partida para imaginar que existem bruxas em Salém. A sobrinha do reverendo, Abigail Williams (Winona Ryder, num deleite de vilania) fica em evidência por apontar quem são as ameças aos valores cristãos do lugar. A forca começa a ser uma ameaça a todos os moradores e o clima de medo se instaura. A plateia percebe que não se trata de um confronto entre bruxas e religiosos, mas uma trama de ódio movida pelos desejos de uma adolescente capaz de contaminar toda uma cidade com sua ira. Existe um bom motivo para isso, Abigail foi amante de John Proctor (Daniel Day Lewis, excelente) e não demora muito para que ela acuse a esposa de John, a inofensiva Elizabeth Proctor (Joan Allen, magnífica e indicada ao Oscar de coadjuvante) de ser uma bruxa. Nicholas Hytner demonstra grande habilidade ao apresentar mentiras que são eleitas verdades para satisfazer a subjetividade de um grupo de pessoas. A narrativa aumenta a tensão gradativamente e o desconforto que transborda sobre a plateia. A mescla de ter o poder de manipular os outros de acordo com seus interesses pessoais e a produção bem cuidada (e propositalmente suja em seu suor e poeira sobre a pele dos atores) gera uma obra de grande força narrativa e que sempre nos faz refletir sobre os dedos acusatórios que estão sempre dispostos a trabalhar, seja no Facebook ou em esferas mais elevadas.
As Bruxas de Salém (The Crucible/EUA-1996) de Nicholas Hytner com Winona Ryder, Daniel Day Lewis, Joan Allen, Paul Scofield, Bruce Davison e Jeffrey Jones. ☻☻☻☻☻
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