Almaric e Maria: amor e rejeição.
A iraniana Marjane Satrapi se tornou uma celebridade cult mundial quando lançou em 2007 a animação Persépolis ao lado do cineasta Vincent Paronnaud. A animação foi aclamada mundialmente e indicada ao Oscar de animação (a acabou perdendo para Ratatouille, num desses absurdos que só diminuem quando lembramos que o Oscar foi criado para celebrar o cinema americano). Celebrada por suas obras em histórias em quadrinhos, Marjane demonstra interesse em se aventurar cada vez mais pelas possibilidades do cinema. Em 2011 ela lançou essa versão cinematográfica de sua graphic novel Frango com Ameixas. O projeto pode não ter alcançado o sucesso do anterior, mas concorreu a prêmios importantes em alguns festivais (entre eles o Leão de Ouro no Festival de Veneza). Penso que se os diretores houvessem optado por realizar uma animação, o sucesso do filme seria maiorr, uma vez que os toques de fantasia são mais aceitos pelo grande público quando se trata de um "desenho" do que quando utiliza atores de carne e osso europeus. A história traz aquela marca que Marjane possui de abordar temas complicados com leveza, despretensão e ironia. Aqui ela aborda temáticas como morte, suicídio, rejeição e depressão num roteiro que sempre alivia a tensão nos momentos corretos. O resultado pode soar estranho, mas vale conferir a história de Nasser Ali Khan (o sempre interessante Mathieu Almaric), um dos maiores violinistas do mundo. Apesar de todos reconhecerem o seu talento, ele enfrenta problemas depois que um acidente danificou seu instrumento favorito. Desde então ele procura um violino que seja capaz de emitir o mesmo som do instrumento anterior, mas sua busca mostra-se em vão. Essa angústia acaba prejudicando o seu casamento com a temperamental Faringuisse (Maria de Medeiros) e os filhos, Cyrus e Lili (os fofos Mathis Bour e Enna Balland). O espectador pode até se incomodar com os primeiros trinta minutos do filme, que podem soar arrastados e sem muita explicação para as atitudes dos personagens. Ironicamente, as coisas melhoram quando Nasser decide morrer e oito dias depois é sepultado. O resto do filme se dedica a contar cada dia que separa a sua decisão suicida de seu sepultamento. A partir daí conhecemos a história de cada um dos personagens, inclusive como o amado instrumento de Nasser se quebrou. Com boas atuações de um elenco que chama atenção (como a musa de Marjane, Chiara Mastroianni vivendo Lili adulta e Isabella Rosselini vivendo a mãe de Nasser) a história desenvolve-se sem pressa, mostrando como as ações de Nasser com o mundo ao seu redor colaboraram para que sua vida o desestimulasse. Nas memórias dos personagens nos damos conta de como é bom ver um filme que não separa seus personagens entre bonzinhos e vilões. Embora Faringuisse seja mostrada como uma chata pelos olhos de Nasser, isso se dissolve quando descobrimos o distanciamento com que Nasser sempre a tratou, da mesma forma, Nasser tem seu egocentrismo apresentado aos poucos, especialmente em seu encontro com a imagem da morte chamada Azrael e se arrepende de ter desistido de viver. "Que pena, Nasser... você só tinha essa vida" diz Azrael (um personagem de visual impactante vivido com gosto por Edouard Baer). O único tropeço que achei no humor que o filme apresenta é a cena em que vemos o futuro de Cyrus casado com uma americana, onde a estereotipia incomoda perante a elegância apresentada pelos diretores (e talvez essa seja a intenção mesmo, lembra quando queriam filmar Persépolis com Jennifer Lopez e Brad Pitt? Essa deve ser a vingança de Marjane...). Embora menos impactante, o filme mostra-se uma bela história de amor com momentos geniais - além do encontro com Azrael tem a belíssima sequência sem apenas diálogos, quando o personagem relembra uma paixão de sua juventude. Frango com Ameixas consegue nos surpreender ao investir nas nuances que tornam a trajetória de cada ser em algo único. Atualmente Marjane prepara seu segundo longa como diretora-solo, The Voices (o primeiro foi La Bande des Jotas, lançado em 2012), resta aos fãs esperar por mais uma pérola da escritora cineasta.
Frango com Ameixas (Poulet aux Prunes/França-2011) de Marjane Satrapi e Vincent Paronnaud com Mathieu Almaric, Maria de Medeiros, Chiara Mastroianni, Isabella Rossellini, Éric Caravaca, Edouard Baer e Golshifteh Farahani. ☻☻☻☻
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