Landau e seu irmão: exercício narrativo de Woody Allen.
Faz tempo que Woody Allen tenta expressar em seus filmes que drama e comédia possuem uma relação muito tênue, que uma temática pode ser abordada num tom dramático ou cômico com poucos retoques. Em alguns de seus longas essa relação é bastante evidente, sendo o auge dessa premissa escancarado em Melinda & Melinda (2004) onde a mesma história é contada de forma dramática e cômica em narrativas distintas, porém, mescladas. No fundo, a essência dessa ideia já aparecia em Crimes e Pecados, filme onde Allen narra dois casos de adultério, uma em tom cômico e outro em tom dramático com desfecho violento. É um bocado de ousadia usar tons narrativos tão distintos para contar a história do renomado oftalmologista Judah Rosenthal (Martin Landau), casado, aparentemente feliz e rico. A vida de Judah começa a ter problemas quando a amante Dolores (Anjelica Huston) ameaça de contar à esposa dele sobre o tórrido caso que os dois possuem há algum tempo. O oftalmologista sempre ressalta que nunca fez promessas de desfazer seu casamento e prestígio social por causa do relacionamento extraconjugal que possui, mas Dolores, parece disposta a resolver (ou criar) esse problema para ele. Paralela à história de Judah, conhecemos Cliff Stern (o próprio Woody Allen), um documentarista cuja carreira nunca decolou, mas que tem a grande oportunidade de filmar a vida do (arrogante) cunhado Lester (Alan Alda), um conceituado produtor de TV cheio de si. No caminho Lester conhece a produtora Halley (Mia Farrow), com quem se identifica imediatamente, mas cujo o casamento é claramente um empecilho para Lester se declarar. Entre a tensão de Judah e Dolores (e o affair que chega à obsessão) e a leveza do romance quase platônico entre Cliff e Halley, Allen não parece interessado em criar ligações entre os quatro protagonistas, já que as duas histórias não mantém relação entre sim, existe apenas uma única cena em que dois personagens se cruzam num diálogo amargo sobre vida e cinema. Devo reconhecer que me empolgo mais com a história de Lester e Halley e suas piadas sobre cinema e filosofia do que a repetição exaustiva das discussões entre Judah e Dolores. Ainda assim, o desfecho trágico da amante revela-se ainda maior quando o filme nos revela os bons momentos que teve junto ao amante. Ainda assim, Martin Landau tem bons momentos quando seu personagem passa a ser corroído pelos sentimentos religiosos que considerava estarem adormecidos desde que deixou de ser menino (e por isso foi indicado ao Oscar de Coadjuvante). Allen já estava se equilibrando entre comédias e dramas quando lançou Crimes e Pecados, mas aqui vemos até uma tentativa de gerar suspense, mas essa intenção sofre quando a narrativa quebra a tensão com um alívio cômico, ao ponto do resultado final parecer irregular. No entanto, separando os "dois filmes" na lembrança, vemos que são duas histórias bem escritas e interessantes sobre o que o título anuncia, mas juntas (ainda que desconectadas) podem não agradar a maioria do público. O exercício narrativo valeu a Allen indicações ao Oscar de roteiro original e direção, mas o filme não está entre os meus favoritos do diretor.
Crimes e Pecados (Crimes and Misdemeanors/EUA-1989) de Woody Allen com Martin Landau, Anjelica Huston, Woody Allen, Mia Farrow, Alan Alda, Joanna Gleason, Sam Waterston e Claire Bloom. ☻☻☻
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