Gyllenhaal: alimentando a mídia com sangue.
Seria um desperdício associar O Abutre somente à dieta de Jake Gyllenhaal para viver o cameraman freelancer Lou Bloom. É verdade que sua magreza lhe confere um aspecto doentio que o porte de galã não iria conseguir - e todo filme de estreia do estreante Don Gilroy (irmão de Tony Gilroy de Conduta de Risco/2007) acompanha esse tom doentio. Lou é um desempregado que vive de pequenos furtos noturnos de materiais que vende para um ferro velho, quando no meio da noite ele presencia um acidente e uma negociação de um cinegrafista para a venda da imagem para a TV, sua visão de mundo muda. A partir dali, Lou descobre que pode ganhar a vida acompanhando o que a vida tem de pior. Assaltos, incêndios, acidentes variados, estupros, assassinatos são a matéria prima de seus registros que crescem conforme uma produtora televisiva demonstra interesse pelo que é registrado. Precisamos ressaltar que Lou presencia tudo isso com total indiferença (e em algum discurso que decorou da internet ele chamaria isso de profissionalismo), embora saiba exatamente como posicionar um corpo ou uma foto para conseguir um efeito melhor na tela em nome do choque que pode proporcionar aos telespectadores. Lou contrata até um estagiário chamado Rick (Riz Ahmed), que é quase um sem teto (que ganha, a contragosto, uma ninharia para acompanhá-lo noite adentro na busca incessante por atrocidades). Armado com uma câmera e um rádio que intercepta a comunicação da polícia, Lou procura sempre os crimes que possam lhe garantir uma boa venda e mais prestígio como no ramo. Don Gilro assina o texto sem medo de parecer soturno demais, a maior parte do filme se passa durante a noite os diálogos expressam bem que seus personagens transitam num mundo onde a ética, moral e bom senso são artigos de um luxo que não possuem. O diretor não julga os seus personagens, o que amplia o desconforto da plateia e lhe dá liberdade para que o filme fique no limite do exagero, que é sempre evitado pelo elenco, sobretudo pelo protagonista. Jake Gyllenhaal viu na história a oportunidade para sepultar de vez a sua fama de ator de um papel só, depois de Suspeitos/ e O Homem Duplicado/, O Abutre é o ápice do redirecionamento que sua carreira atravessa. Indicado ao Globo de Ouro (e cotado para o Oscar), Jake constrói um tipo quase vampírico, cujo rosto parece uma máscara que se alimenta do mesmo sangue que nutre os programas mais sensacionalistas da TV. Seu sorriso largo é capaz de assustar tanto quanto os olhos grandes que parece estar sempre à espreita de barbaridades, mesmo quando conversa, suas palavras são sempre decoradas, impessoais, o que cria um distanciamento do interlocutor que o deixa sempre em desvantagem - e isso percebemos bem em suas cenas com a produtora Nina (Rene Russo), que dependo das atrocidades colhidas por Lou para nutrir a audiência capenga do programa que produz. Depois de passar seu primeiro ato tocando a mesma nota, O Abutre chega ao plano mais ambicioso e absurdo de seu personagem, uma tramoia que não deixará ileso nenhum dos envolvidos. No entanto, Gilroy deixa claro que nesse mundo de Lou e Nina, sempre existirá alguém interessado no que ambos querem mostrar.
O Abutre (Nightcrawler/EUA-2014) de Don Gilroy com Jake Gyllenhaal, Rene Russo, Bill Paxton e Riz Ahmed. ☻☻☻☻
Nenhum comentário:
Postar um comentário