Quando Ridley Scott lançou
Blade Runner em 1982 ele não fez o sucesso esperado, sendo considerado até um fracasso de bilheteria. Adaptado da obra de Phillip K. Dick (
Andróides Sonham com Ovelhas Elétricas? lançado em 1968), Scott construiu um verdadeiro mundo banhado em atmosfera
noir onde o caçador de replicantes Rick Deckard (Harrison Ford em atuação antológica) perseguia um grupo de andróides super desenvolvidos que fugiram do trabalho intergaláctico e voltaram para a Terra. Considerados rebeldes, o grupo liderado por Roy (Rutger Hauer) se recusava a passar toda a vida produtiva fazendo os serviços que a humanidade não queria fazer. Assim, nos deparamos com o drama existencial dos replicantes, que com todo o potencial da inteligência artificial pereceriam em apenas quatro anos de existência. A partir dali,
Blade Runner demonstrar que a criatura feita pelo homem enfrentava o mesmo dilema de caminhar sempre ao encontro da morte. Por isso mesmo, Roy e seus seguidores queriam estar face a face com o criador (do modelo
Nexus 6 ) na esperança de que ele pudesse impedir o fim tão próximo, ou talvez, até lhes oferecer a imortalidade. Este aspecto tão humano da história é o que torna o filme interessante até hoje e alimenta diversas discussões filosóficas acaloradas. Para além da perseguição aos replicantes, Deckard se deparava com a atração que sentia por Rachel (Sean Young no papel de sua vida), que acredita ser humana, na verdade a sobrinha do criador dos replicantes, Dr. Eldon Tyrell (Joe Turkel). Rachel faz com que Deckard comece a questionar seu trabalho e perceba que os replicantes podem ter evoluído para além do que foram projetados. Scott faz algumas das cenas mais belas da ficção científica e cria personagens memoráveis, incluindo os replicantes mais inesquecíveis do cinema. Como esquecer a
Pris de Daryl Hannah ou
Zhora de Joanna Cassidy? Sem falar em
Rachel, Roy e até mesmo
Deckard que rendeu inúmeros boatos de que ele mesmo poderia ser um replicante. Scott sempre manteve vivo o desejo de fazer uma continuação, sobretudo depois que o filme se tornou
cult com a ajuda das locadoras (nessas horas que cai a ficha que sou do século passado... e até a expressão cair a ficha não faz mais sentido algum), no entanto, não havia gostado de nenhum roteiro que tenha caído em suas mãos. Portanto, devemos agradecer à parceria do roteirista do filme original Hampton Fancher e Michael Green (que foi parceiro de Scott na repaginada de
Alien) que escreveram a sequência mais aguardada das últimas três décadas - que ganha vida pelas lentes do canadense Dennis Villeneuve.
Joi e K: amor tecnológico de verdade?
O melhor de tudo desta sequência é a sensação de que sua história sempre esteve presente nas entrelinhas do primeiro filme, parecendo ter sido uma sequência planejada desde sempre. Aqui acompanhamos a história de K (Ryan Gosling), um
Blade Runner que atua trinta anos após o desaparecimento de Deckard no primeiro filme. Ele é o responsável por investigar o paradeiro do veterano caçador e de Rachel, mas acaba descobrindo um segredo que pode mudar totalmente os rumos na produção de replicantes - que já estão ainda mais aprimorados e ainda existem outras tecnologias que garantem até um romance na vida de K, desta vez ainda mais fadado ao fracasso que o de Deckard e Rachel. Agora quem comanda a indústria de replicantes é o estanho Niander Wallace (Jared Leto), que comprou a
Tyrell Corporation e inovou ainda mais a tecnologia que encontrou. No entanto, ele quer algo ainda mais ambicioso, algo que acredita já ter sido desenvolvido por Tyrrell anteriormente, mas que se perdeu num desastre digital que apagou todos os dados eletrônicos em escala mundial. Dennis Villeneuve amplia todo o universo do filme de 1982 numa verdadeira homenagem à obra de Phillip K. Dick (reparou que o nome do protagonista vem do nome do meio do autor?) e de Scott. A amplia com tecnologias que tem nomes de sentimentos, hologramas ultra realistas e a sensação de que a humanidade parece mais perdida do que antes. Cria duas novas musas para este universo, Joi (Ana de Armas) e Luv (Sylvia Hoecks), mostra que Dave Bautista pode ser mais do que mais um fortão engraçado em uma participação pungente e complexifica o trabalho de K ao máximo. Neste ponto, Ryan Gosling merece todos os elogios, já que torna seu personagem realmente comovente. Há de ressaltar ainda toda a estética do filme e parabenizar a coragem de Villeneuve em fazer um filme que contrasta ousadamente longos silêncios com sons ameaçadores, chegando a investir numa trilha que remete à clássica sonoridade composta por
Vangelis, mas que se funde com os barulhos de naves, motores e explosões. A cena dos hologramas silenciosos no Cassino, com sonoridades fragmentadas alcança um efeito magnífico no encontro de Deckard com K. É brilhante ao evocar um mundo que não existe mais. É Nostálgico! Arrebatador! Mas ainda assim nos damos conta de que o filme ainda tem mais a oferecer e Villeneuve provoca arrepios ao criar um (quase) reencontro dos mais lindos da história do cinema - para destruí-lo logo em seguida. Talvez neste universo não exista mais espaço para o amor, independente de quem esteja envolvido... ma, pensando bem, a última cena é exatamente o oposto disso!
Blade Runner 2049 é a sequência que esperamos por mais de trinta anos e amplia ainda mais a crise de identidade de pessoas que não estão certas se são humanas e replicantes que não sabem se são humanos. Criadores e criaturas se misturam mais uma vez na telona e o resultado é a melhor ficção científica do ano - e com louvor!
Sean Young: guardando o maior segredo da Tyrell Corporation.
Blade Runner (EUA - Hong Kong - Reino Unido /1982) de Ridley Scott com Harrison Ford, Sean Young, Rutger Hauer, Daryl Hannah, Joanna Cassidy, Joe Turkell e Edward James Olmos.
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Blade Runner - 2049 (EUA - Reino Unido - Canadá / 2017) de Dennis Villeneuve com Ryan Gosling, Harrison Ford, Robin Wright, Ana de Armas, Sylvia Hoecks, Dave Bautista, Mackenzie Davis, Edward James Olmos e Jared Leto.
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