Emmanelle e Mathieu: as entrelinhas de um clássico.
O livro A Vênus das Peles do austríaco Leopold Van Sacher-Masoch foi lançado originalmente em 1870 e foi a primeira obra a detalhar claramente uma relação de submissão sexual, repleta de dor, prazer e servidão voluntária. Com o tempo se tornou um marco na abordagem literária do masoquismo e do fetichismo, muito antes de Freud e seus seguidores. Não por acaso, o livro gera debates até hoje e rendeu até uma peça inspirada na relação de seus personagens. A peça Venus in Fur de David Ives foi montada pela primeira vez em 2010 e amplia as reflexões que o livro pode gerar -com o olhar de quem já a examina no século XXI após todas as revoluções sexuais e movimentos sociais que já existiram. Adaptado da peça de Ives, o filme centra-se nas discussões de um diretor e uma atriz desconhecida em torno do livro e, consequentemente, da montagem teatral. Dirigido por Roman Polanski (que acabava de explorar o humor de outra peça controversa em O Deus da Carnificina/2011), A Pele de Vênus conta com atuações inspiradas de Emmanuelle Seignier e Mathieu Almaric, os dois já trabalharam juntos como o casal divorciado de O Escafandro e a Borboleta (2007) e aqui comprovam, mais uma vez, que possuem uma inegável química juntos em cena. Seigner é Vanda, a atriz que chega ao teatro numa noite chuvosa para fazer o teste de protagonista da peça, já Almaric faz o diretor responsável pela adaptação do livro de Sacher-Masoch para os palcos e que está decepcionado com as atrizes infantilizadas que se apresentaram cobiçando o papel principal. De início ele não parece interessado em deixar Vanda fazer o teste, mas aos poucos ela o convence a lhe dar uma chance. Este é o início de um verdadeiro jogo de poder e sedução que ora funciona como uma espécie de debate (cheio de ironias) sobre a obra original ora como um flerte agressivo. Essa sensação existe desde o início quando Vanda aparece vestida como dominatrix para viver uma personagem do século XIX, mas após ser repreendida ela veste uma roupa de época deixando os detalhes da outra veste sempre presente (as meias sete oitavos, o sapato preto de salto alto, as botas que ultrapassam os joelhos, a gargantilha que mais parece uma coleira...), pode parecer apenas um detalhe em cena, mas serve para aumentar o olhar anacrônico sobre a obra de Masoch, que cresce ainda mais quando questiona a forma como a mulher é retratada na obra ou quando o filme subverte os papéis sempre mesclando o que faz parte dos bastidores e do livro. Polanski parece deixar os atores a vontade em cena (mas só parece) e isso confere uma boa dinâmica no que poderia ser apenas um teatro filmado. Com bom uso da iluminação, closes, cortes espertos, alguns efeitos sonoros e uma trilha sonora discreta, Polanski tira qualquer ranço pesaroso que acompanhar dois atores num único cenário pudesse ter. Colabora muito também que ele não tem medo de se arriscar nas provocações do texto, ao ponto de escalar a própria esposa para o papel de Vanda. Emmanuelle e Polanski já trabalharam juntos em outros quatro filmes (a parceria mais falada foi em Lua de Fel/1992), mas aqui eles de fato tem o melhor trabalho juntos, principalmente porque Emmanuelle amadureceu como atriz e aprendeu a brincar com sua beleza nada frágil ou inofensiva (e na época das filmagens ela já estava com quarenta e oito anos). Basta ver o que a atriz faz na última cena para nos convencer de que Vanda não é uma mulher qualquer, talvez seja uma verdadeira deusa pronta para se vingar de quem nunca entendeu o que é uma Vênus de verdade.
A Pele de Vênus (Venus in Fur/França-Polônia - 2013) de Roman Polanski com Emmanuelle Seignier e Mathieu Almaric.☻☻☻☻
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