As mulheres de Sofia: sufocando o desejo.
Em setenta anos de Festival de Cannes, Sofia Coppola foi a segunda mulher a receber o prêmio de melhor direção, curiosamente, este é o filme em que menos se sente o estilo da filha de Francis Ford Coppola. Tentarei explicar melhor: o estilo está lá, mas diferente da linguagem pop que vimos em todas as outras obras da diretora, sua narrativa está mais seca, concisa e, embora sua sensibilidade introspectiva esteja presente, ela aparece mais sombria do que nunca, mostrando um outro lado de quem já fez até As Virgens Suicidas (1999) ter lá suas cores. O filme é uma nova versão do livro de Thomas Culliman, que já foi levado às telas em 1971 pelo diretor Don Siegel e estrelado por Clint Eastwood (no papel que aqui é de Colin Farrell). No entanto, seria um equívoco dizer que se trata de uma refilmagem, já que os dois filmes são bastante diferentes, especialmente pela ótica feminina lançada por Sofia no decorrer da história. Na verdade é até mais do que uma segunda adaptação, mas uma releitura da trama que se passa durante a Guerra Civil Americana. A história gira em torno da chegada de um homem ferido (Colin Farrell) em um internato para moças no estado da Virginia. A instituição é dirigida pela Senhorita Martha (Nicole Kidman) que tenta educar as cinco alunas que não puderam ir para casa durante a guerra ao lado da professora Edwina (Kirsten Dunst), ambas ficam bastante alteradas com a chegada do hóspede indesejado na casa. Sofia consegue emanar daquela presença uma sutil oscilação entre ameaça e desejo, seja no primeiro ato quando o homem está preso à cama ou no segundo, onde demonstra ser vigoroso até com a perna ferida. No entanto, Sofia deixa claro que são as mulheres que estão no comando daquela situação, mas é algo muito maior do que a possibilidade de entregá-lo para as tropas a qualquer momento, afinal, até a adolescente Alicia (Elle Fanning) percebe o quanto o Cabo McBurney está objetificado pelo desejo das mulheres daquela casa. Sofia até brinca com essa situação quando as personagens promovem um jantar onde os risinhos e os vestidos demonstram que todas querem chamar atenção daquele homem, seja lá qual for o motivo. Obviamente que ele irá aproveitar o flerte com aquelas mulheres e então, uma série de acontecimentos abalarão os fundamentos daquelas relações. A partir deste momento, Sofia utiliza um tom mais sombrio e embora o desfecho seja um tanto corrido, não deixa de ser bastante coerente com as intenções da diretora. Mesmo com muita gente considerando o filme lento (como se isso fosse um defeito e não uma opção narrativa), trata-se de um filme interessante principalmente pela forma como a diretora explora o desejo reprimido das personagens e suas consequências, sobretudo no embate discreto entre a silenciosa Edwina (em ótimo momento de Kirsten Dunst em seu terceiro filme com Sofia) e a dominadora Martha (que pode realmente ser a vilã da história) e uma mistura de ciúme, inveja e frustração. Além disso, não posso deixar de notar que a história se passa dentro de uma escola e a última lição seja realmente dar fim ao desejo de forma diabólica. Infelizmente, o filme teve seus méritos abalados pela lembrança da primeira versão do livro e por conta de uma polêmica envolvendo a ausência da única personagem negra da história. - que somada à predileção de Sofia por protagonistas louras, a cineasta teve que se explicar muito durante o lançamento do filme em sua terra natal. Deixando estas discussões de lado, será que eles realmente entenderam as intenções de Sofia ao fazer sua releitura tão pessoal do livro de Culliman?
O Estranho que Amamos (The Beguiled/EUA-2017) de Sofia Coppola com Nicole Kidman, Kirsten Dunst, Colin Farrell, Ellen Page e Oona Laurence. ☻☻☻☻
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