Cinco produções assistidas no mês que merecem destaque:
"Assassinos da Lua das Flores" de Martin Scorsese ☻☻☻☻☻ |
"Neruda" de Pablo Larraín ☻☻☻☻ |
"Uma Boa Pessoa" de Zach Braff ☻☻☻☻ |
Cinco produções assistidas no mês que merecem destaque:
"Assassinos da Lua das Flores" de Martin Scorsese ☻☻☻☻☻ |
"Neruda" de Pablo Larraín ☻☻☻☻ |
"Uma Boa Pessoa" de Zach Braff ☻☻☻☻ |
Os Usher: as maldições do Poeverse. |
Quando soube que Mark Flanegan (de A Maldição da Residência Hill/2018 e Missa da Meia-Noite/2021, duas das melhores produções já feitas pela Netflix) faria uma adaptação do conto A Queda da Casa de Usher de Edgar Allan Poe, eu fiquei bastante animado. Quando me dei conta de que seria uma minissérie, a animação virou preocupação. O conto com pouco mais de cem páginas daria conta de um filme, mas uma minissérie? Lembrei logo da sensação de quando O Hobbit (2013) foi anunciado como uma trilogia com filmes de três horas... quase a mesma coisa de uma série com oito episódios de aproximadamente uma hora. Sorte que Flanegan não estava somente interessado em contar a saga do patriarca que testemunha seus filhos morrerem um a um ciente de que se trata de um acerto de contas com o destino. Flanegan queria mesmo era homenagear a obra de Poe, ou como diria minha amiga Morgana: "criar um Poeverse". Flanegan deu uma patinada em gelo fino quando resolveu homenagear outro clássico do terror (A Outra Volta do Parafuso de Henry James que inspirou a Maldição da Mansão Bly/2021), mas aqui, ele parece ter montado um esquema que funciona melhor com suas intenções. Os fãs de Flanegam podem até estranhar a forma mais elaborada (e menos sanguinolenta) com que ele costura os episódios, mas para quem curte a obra de Poe é um deleite catar as referências à obra do autor (seja nas evidenciadas no título de cada capítulo e, não podendo esquecer, a presença obrigatória do Corvo). Existe aqui um fio condutor que entrelaça poder, cobiça, ambição, traição e outros sentimentos pouco nobres que motivam a família Usher, o que garante aos membros do clã características que são compartilhadas entre todos em maior ou menor grau, sem que o texto caia na tentação de dizer "este é o bonzinho", "esta é a inteligente", "este é o doidinho", "esta é a ignorante"... no fundo nenhum dos filhos vale muita coisa, o que deixa a sensação de ser uma paródia gótica de Succession da HBO (o que acho ótimo já que a abandonei na primeira temporada por achar sem sal). Aqui o patriarca Roderick Usher (vivido jovem por Zack Gilford e mais velho por Bruce Greenwood) e sua irmã (a jovem Willa Fitzgerald e a madura Mary McDonnell, que pouca gente lembra ter sido indicada ao Oscar por Dança com Lobos/1990) ergueram um verdadeiro império farmacêutico enquanto observam a vasta prole de Roderick brigar entre si para chamarem a atenção do pai. Quando o primeiro morre num incidente bizarro, os demais herdeiros começam a falecer um a um corroídos por suas próprias culpas e fraquezas. No decorrer de tudo isso existem outros dois personagens importantes que se sobressaem, uma é a mulher misteriosa que funciona como a chegada a morte (e que se torna ainda mais estranha com a imagem de Carla Gugino mostrando-se bastante versátil em facetas assustadoras de tonalidades variadas), o outro é Arthur Gordom Pym o famigerado sobrevivente da única novela de Allan Poe, que aqui aparece mais velho como o experiente advogado (e assessor para assuntos ilícitos) da família encarnado com gosto por Mark Hamill. Uma das minhas cenas favoritas é o encontro de Hamill e Gugino, ato em que uma fagulha de esperança aparece entre toda a perdição dos Usher. Falando nisso, se existe um aspecto que me incomodou na trama foi um certo exagero na intenção de modernizar os personagens, que por vezes parecem com um bando de outros caracteres de séries por aí, a sorte é que Flanegan puxa a cordinha para o seu mundinho particular antes que a coisa se torne repetitiva demais. Entre legítimos e bastardos, mortos e feridos, A Queda da Casa de Usher pode não ser uma obra perfeita, mas chega até perto pela ambição do seu criador inspirado em um dos ícones do gênero a que parece conhecer as entranhas históricas com propriedade acima da média.
A Queda da Casa de Usher (The Fall of the House of Usher / EUA -2023) de Mark Flanegan com Bruce Greenwood, Mary McDonnell, Carla Gugino, Mark Hamill, Zach Gilford, Willa Fitzgerald, Henry Thomas, Rahul Kohli, Samantha Sloyan, T’Nia Miller, Michael Trucco, Katie Parker, Matt Biedel, Crystal Balint, Ruth Codd, Kyliegh Curran, Carl Lumbly, Kate Siegel, Sauriyan Sapkota, Paola Núñez, Malcolm Goodwin e Daniel Jun. ☻☻☻☻
Para encerrar a trilogia: os últimos palpites para a temporada de ouro:
Bronze: o Homossexual Fugitivo. |
Ouro: o Voyeur Misterioso. |
Nascido em Massachussets (EUA), Matthew Langford Perry cresceu no Canadá após o divórcio de seus pais. O pai de Matthew também era ator, o que lhe rendeu o interesse pela profissão. No entanto, durante a adolescência, a paixão pelo tênis quase o fez desistir da carreira de ator. Desde pequeno, Perry demonstrava interesse pela comédia, exercitando sua habilidade de fazer os outros rirem desde os tempos de escola. A vida de ator começou em 1979, o ator fez algumas participações em programas de televisão, mas as tentativas de um voo solo sempre naufragava por perder espaço para atores mais conhecidos. Nesses tempos chegou a fazer uma participação na primeira temporada de Barrados no Baile (1991), mas o sucesso veio mesmo em 1994 quando conseguiu o papel de Chandler Bing na cultuada série Friends. A sitcom durou dez anos e lhe rendendo um dos maiores salários da TV e uma indicação ao Emmy. A fama lhe rendeu papeis de destaque no cinema como em Fools Rush In (1997) com Salma Hayek e Three to Tango (1999) com Neve Campbell, mas a carreira no cinema não decolou. Perry realizou outros programas para a televisão, mas seus problemas pessoais provocados pelo uso excessivo de analgésicos (após um acidente de jet ski em 1997) prejudicaram sua carreira. Perry foi encontrado em casa com sinais de afogamento.
Ema (Mariana Di Girolamo) é uma dançarina que está em crise pessoal. Tudo indica que a crise teve início quando seu desejo de ser mãe encontrou um grande obstáculo quando descobriu que seu marido, Gastón (Gael Garcia Bernal), um artista performático, era estéril. Os dois resolveram então adotar um menino nas portas da adolescência, só que Ema teve que enfrentar suas próprias frustrações diante da maternidade através de um menino que não nasceu de seu ventre. Após uma sucessão de acontecimentos, ela decidiu devolver o menino para o lar adotivo de onde o tirou. Só por esse trecho, percebe-se a sensação de fracasso pessoal que paira sobre a personagem e ela é ampliada ainda mais pelo julgamento de todos os personagens que estão ao seu redor, especialmente de sua família que foi diretamente afetada por uma das atitudes do menino. No entanto, com a cabeça mais arejada, Ema sente um grande arrependimento e percebe que fez errado ao desistir do menino quando na verdade deveria tê-lo acolhido. Por outro lado, conforme avança a narrativa de Ema, percebemos que as atitudes controversas do garoto (que não aparece na maior parte do filme) refletem muito do casal que o escolheu para compor um lar. São essas complexidades que tornam o filme de Pablo Larraín um verdadeiro quebra-cabeças, que conforme as peças vão se juntando alcança um retrato no mínimo doentio de sua protagonista. Ela demonstra ter uma relação bastante complicada com todos que estão ao seu redor e não mede esforços para envolver outros personagens em sua jornada para reaver o filho que deixou para trás. O curioso é que o diretor faz questão de não explicar muito ao espectador sobre o que está acontecendo, deixando que ele descubra o que se passa na história conforme tenta encaixar as cenas aleatórias ao longo da sessão. A presença de uma assistente social esperta (a ótima Catalina Saavedra), uma advogada insatisfeita (Paola Gianini) e um bombeiro bonitão (Santiago Cabrera) se tornam peças importantes para o rumo que a trama irá tomar, da mesma forma que o interesse da personagem título por fogo revela muito sobre sua personalidade incendiária. No entanto, embora o roteiro esteja cheio de situações para desenvolver e o diretor invista cada vez mais numa estética moderninha (com cenas de dança, projeções e luzes neon), falta ao casal protagonista a energia para carregar tudo isso nos ombros. Mariana di Girolamo nitidamente não sabe muito bem o que fazer com toda a complexidade de Ema, assim como Gael parece disposto a ser apenas um espectador de todas as situações em que se mete por conta dela. A edição arrastada também não ajuda, de forma que senti uma dificuldade enorme de me envolver com os personagens, especialmente com Ema que mostra-se bastante ardilosa e manipuladora mas sem carisma capaz de seduzir. A última cena do filme só deixa claro que ela é um risco para quem está por perto, inclusive à ela mesma. O filme parece um amontoado de ideias interessantes nunca plenamente desenvolvidas. Apesar de não ter curtido o filme (em cartaz no TelecinePlay) o longa foi eleito o melhor filme Ibero Americano no GP Cinema Brasil em 2022.
Ema (Chile/2019) de Pablo Larraín com Mariana di Girolamo, Gael Garcia Bernal, Paola Gianini, Santiago Cabrera, Catalina Saavedra, Critián Suárez e Diego Muñoz. ☻☻
Castro: sem vida à beira da ditadura chilena. |
Motivado pela presença do controverso O Conde (2023) na Netflix, resolvi fazer um #FinalDeSemana dedicado ao cineasta chileno Pablo Larraín. Não por acaso, resolvi começar pelo seu segundo longa-metragem. Depois de Sinfonia Inacabada (2006) o diretor resolveu deixar claro que seu estilo estava para além da narrativa truncada que brincava com diferentes tempos na narrativa, seu interesse estava mesmo era em construir desconforto ao explorar personagens problemáticos. Aqui, como em todos seus outros filmes, o ambiente social dos personagens motiva ainda mais a estranheza. Post Mortem é começa ambientado no Chile de 1973, nos últimos dias do governo Allende e às portas da ditadura de Pinochet. O diretor opta por abordar essa chegada ao poder de forma pouco óbvia, ele utiliza um necrotério para demonstrar que a morte e a insegurança pairam no ar. Mario (Alfredo Castro), trabalha no necrotério da cidade, tem interesse em uma vizinha dançarina (Antonia Zeggers), mas mesmo quando a encontra, ele passa a maior parte do filme com a mesma expressão apática e sem se envolver muito com o que está ao seu redor. A cena em que ele vê uma manifestação de dentro de seu carro e resolve atravessa-la lentamente em sentido oposto demonstra bastante a sua postura diante dos fatos. No entanto, embora todo o cenário ao redor do personagem demonstra a situação complicada que o país atravessa, entre manifestações, ruas vazias e carros incendiados, Mario deixa escapar seu temor em poucas cenas (como aquela em que sem motivo aparente começa a acompanhar o choro de outra personagem como se iniciasse por uma imitação quase obrigatória de sua parceira de cena). Não para de chegar corpos ao necrotério. "Esta mulher apanhou até a morte" diz o legista pouco antes de pedir para que não registre aquilo no laudo, "foi só um comentário", tenta consertar. Mario observa aquilo petrificado, mas não como se estivesse assustado, mas indiferente mesmo. Robótico e um tanto sem reação, até seu corte de cabelo parece ser de alguém fora do eixo. Talvez ele não saiba o que fazer perante a realidade, talvez tenha optado por enfrentar o mundo daquela maneira para não enlouquecer, ou apenas esteja tão morto quanto os corpos com que precisa lidar todos os dias no trabalho. No entanto, a realidade se faz cada vez mais próxima e se esfrega na cara do personagem que tenta manter sua ausência de reação ao longo do filme. Para dar corpo a um personagem tão sem alma o cineasta conta com Alfredo Castro, com quem já havia trabalhado em sua estreia na direção (fazendo um personagem totalmente oposto, mas com igual brilhantismo), assim como também apareceu em outros filmes posteriores do cineasta. Aqui ele demonstra que consegue ser expressivo mesmo diante de um personagem completamente travado e confuso com relação às emoções e desejos que nutre ao longo da narrativa. Um belo desafio, que permite ao expectador projetar em seu trabalho sua própria leitura perante a apatia ressaltada ainda mais pela fotografia sem vida.
Post Mortem (Chile/2010) de Pablo Larraín com Alfredo Castro, Antonia Zegers, Jaime Vadell, Marcelo Alonso, Ernesto Malbran e Amparo Noguera. ☻☻☻
Trier em cena: testando a paciência do fã mais devotado. |
O espanhol Pedro Almodóvar é um dos cineastas mais conhecidos do mundo e desde o final da década de 1980 que Hollywood vive o sondando para dirigir projetos em língua inglesa. De vez em quando, Almodóvar topa um projeto e depois de um tempo, pensa mais algumas vezes e o deixa de lado. Foi assim com a adaptação de Paper Boy (2012) e também com o aclamado Brokeback Mountain (2005). Sobre este, em especial, o diretor parece ter uma certa dose de arrependimento por não ter topado ir até o final do projeto, já que Estranha Forma de Vida é sobre dois cowboys que se apaixonam e tentam viver num mundo de aparências por algumas décadas. Os personagens dessa história de amor complicada pelas convenções sociais são vividos por Ethan Hawke e Pedro Pascal. Como Almodóvar não é bobo, ele sabe exatamente como aproveitar o sex appeal do ator chileno em cena, brincando o tempo inteiro com a sugestão de seu corpo exposto diante da câmera. Pascal está ali visivelmente para colocar uma pimenta latina à rigidez do personagem de Ethan Hawke, os dois atores estão muito bem em um trabalho de contrastes que resulta eficiente desde a primeira cena em que os dois aparecem juntos. No filme, Silva (Pascal) está de volta à sua cidade de origem após 25 anos e reencontra sua paixão do passado, Jake (Hawke) - que agora é o respeitado xerife da cidade. Não demora para descobrimos que algo mais do que a tensão sexual une os dois, afinal, houve um crime na cidade e Silva tem relação direta com o principal suspeito. A cena em que os dois discutem no quarto após matarem a saudade carnal um do outro deixa bem claro que o relacionamento ali é cheio de temores e ressentimentos, evidenciando que Almodóvar tem nas mãos uma dupla de personagens que renderia um dos seus longas mais interessantes em muito tempo. No entanto, Estanha Forma de Vida é um curta-metragem que ganhou notoriedade no Festival de Cannes e chegou a ser lançado lançado nos cinemas brasileiros (junto com uma entrevista do diretor em que ele comenta sobre suas ideia para o filme e como ele imagina a continuação da história), agora o curta está disponível na MUBI. Fico imaginando o motivo do cineasta não fazer um longa-metragem com a ideia completa que tem na cabeça. Este é o segundo curta em língua inglesa que ele realiza nos últimos anos (o anterior foi o mais experimental (e chatinho) A Voz Humana/2020 com Tilda Swinton). Aqui ele deixa mais uma veza impressão de que está tentando se acostumar com outra língua enquanto testa a transição de seu estilo para a Terra do Tio Sam. Produzido pela grife Yves Saint Laurent (que agora se aventura pelo cinema), Estranha Forma de Vida tem potencial de sobra para se tornar um longa-metragem, mas alguém precisa avisar ao Almodóvar que não precisa ter tanto medo de Hollywood, a gente apoia no que for preciso.
Estranha Forma de Vida (Strange Way of Life / Espanha - França) de Pedro Almodóvar com Pedro Pascal, Ethan Hawke, Pedro Casablanc, Manu Ríos, José Steane, José Condessa e Jason Fernández. ☻☻☻
Apesar da longa greve de atores e roteiristas, as apostas para o Oscar já começaram! E com a temporada de ouro logo ali, com cada vez mais filmes sendo apresentados e cogitados para o prêmio, o blog resolveu dividir as apostas da temporada em três postagens. Se Oppenheimer era o filme mais cotado até agora para levar o careca dourado para a casa e Barbie ganhou chances em várias categorias, saiba quem são os outros que devem entrar na disputa por uma estatueta: