quinta-feira, 19 de setembro de 2024

KLÁSSIQO: Uma Mulher Sob Influência

Gena: tentando não surtar.

Mês passado nos despedimos de Gena Rowlands, uma das grandes atrizes do cinema, ao longo da carreira, Gena se consolidou como a grande musa dos filmes indies na segunda metade do século XX, principalmente por conta de sua parceria de longa data com o esposo, John Cassavetes. Os dois tinham uma química incrível dentro e fora das telas e fizeram história com uma parceria que rendeu vários filmes e prêmios para ambos. Um dos frutos mais celebrados dessa parceria é o clássico Uma Mulher Sob Influência que rendeu à ela sua primeira indicação ao Oscar de melhor atriz (a segunda veio com Gloria/1984, também dirigido por Cassavetes). A trama gira em torno de Mabel Longhetti (Gena Rowlands) que vive com o marido, Nick (Peter Falk) e os três filhos pequenos em uma casa confortável numa vida aparentemente tranquila em uma casa no subúrbio. Se à primeira vista aquela vida parece perfeita, Cassavetes resolve virar tudo do avesso ao revelar os bastidores daquela família. Aos poucos percebemos que Mabel não é uma mulher convencional. Dona de uma energia irrepreensível, ela é muito amorosa com os filhos, recebe às visitas com plena simpatia, mas por vezes ela ultrapassa o limite do que se considera convencional com posturas e comentários que nem sempre são bem vistos. Tudo indica que Mabel esteja com a saúde mental comprometida, mas nada que pareça incontornável. No entanto, a coisa se agrava sempre que o esposo está por perto e a tensa dinâmica entre os dois deixa a crise no casamento cada vez mais evidente. Já li várias resenhas sobre o filme, mas o mais interessante é que nenhuma delas me advertiu que o maior problema de Mabel parece ser o esposo. É visível que Mabel precisa de acompanhamento e de cuidados, mas a postura de seu marido é totalmente inadequada. Agressivo, grosseiro e ameaçador, a interpretação de Peter Falk me deixava preocupado sempre que ele aparecia em cena, ao ponto de questionarmos quem está mais à beira da loucura nessa história. Existe um contraste impressionante nos trabalhos de Falk e Rowlands, longe dele, as atitudes de Mabel possuem até uma leveza e desperta até a compreensão pelo desafio daquela mulher se manter na rotina de dona de casa, mas sempre que Nick está em cena, a tensão se eleva até às raias da explosão completa. É visível que ele só queria sossego quando chega do trabalho, mas a pressão exercida para que Mabel sufoque tudo o que está sentindo é bastante violenta. O trabalho de Gena Rowlands se torna o grande destaque por conta do misto de força, estranheza e vulnerabilidade que imprime à personagem, o que torna fácil para o espectador compreender as dores daquela mulher, especialmente naquele último ato em que ela retorna para a casa e toda a expectativa e cobrança que existe sobre ela se torna palpável em uma cena de partir o coração. Então vem aquele confronto final com as crianças tentando evitar o pior perante as ameaças do pai. A impressão é que vemos uma família se desintegrar diante da câmera - e o desespero impresso por Cassavetes (indicado ao Oscar de melhor direção pelo trabalho) só intensifica isso. Realista em seu tom cada vez mais áspero, Uma Mulher Sob Influência se tornou um clássico do cinema independente e colocou a performance de Gena entre uma das maiores da história do cinema. É de sufocante aquela última cena em que a câmera se afasta entre as cortinas como se anunciasse a perpetuação de um ciclo disfarçado na  resolução de um final aparentemente feliz.

Uma Mulher Sob Influência (A Woman Under the Influence/EUA -1974) de John Cassavetes com Gena Rowlands, Peter Falk, Fred Draper, Lady Rowlands, George Dunn e Matthew Labyorteaux. ☻☻☻

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