Amanda e Anders: como ser refém de uma relação. |
O dinamarquês Cristian Tafdrup ganhou fama mundial com os pesadelos de Speak no Evil (2022) que recebeu recentemente um remake que já está em cartaz nos cinemas brasileiros (curiosamente o original permanece sem distribuição por aqui). No filme, uma família sofre na mão dos anfitriões que os recebem para passar um final de semana prolongado. A certa altura, o pai da família visitante pergunta o motivo de fazerem tudo aquilo e o anfitrião responde: "Porque vocês permitiram". Esta ideia da permissão em nome dos modos polidos e boas maneiras também está presente neste filme anterior do diretor: Uma Mulher Terrível (também conhecido como Uma Mulher Horrível em algumas plataformas). A grande diferença é que ao invés do filme se render ao horror, ele conta a história de amor (?) entre Rasmus (Anders Juul) e Maria (Amanda Collin) com um minucioso senso de crueldade que flerta o tempo inteiro com um humor desconcertante. Rasmus é um rapaz que está sempre cercado pelo seu grupo de amigos e em uma das festas promovidas por eles, ele conhece a amiga da namorada de um deles, Maria. O encantamento entre os dois é quase imediato e os dois começam a namorar pouco depois. Não demora muito para que Maria vá morar com Rasmus e o rapaz percebe a necessidade de deixa-la a vontade no apartamento dele, que passa a ser dos dois. No intuito de construir uma vida em comum e minimizar conflitos, ele está sempre disposto a entender e acatar os pedidos da namorada, ele até aceita vender a sua preciosa coleção de CDs para que os livros tomem conta da estante e que o pôster de seu filme favorito saia da parede para dar espaço à uma obra abstrata. Não há nada demais em você ceder espaço para o outro, o problema é quando o outro quer o espaço todo para ele e não sobra nada para você. Sempre na tentativa de agradar Maria, Rasmus se torna uma espécie de refém que considera bastante natural ter que sempre ceder em nome do amor. Mas isso seria amor mesmo? Uma Mulher Terrível pergunta isso ao espectador o tempo inteiro enquanto aguardamos o momento em que Rasmus irá traçar algum limite naquela relação. Se depois de tantos acontecimentos você ainda achar que a postura de Maria não é nada grave, existe aquele momento no museu em que ela destrói qualquer fagulha de simpatia que sua personagem possa despertar no espectador. Lembro de poucas vezes ter visto uma personagem dizer coisas tão cruéis ao seu parceiro com tanta desenvoltura, como se fosse uma metralhadora de ofensas. O pior é o que vem depois. A plateia se pergunta: como alguém pode se sujeitar a um relacionamento assim? Ontem estava indo para o trabalho e tocou Como Eu Quero do Kid Abelha no carro, lembrei automaticamente do filme e como as pessoas escutaram esta música por décadas sem se dar conta que o refrão "eu quero você como eu quero" não usava uma repetição para dar ênfase ao bem querer, mas para dizer que "eu quero você não do jeito que você é, mas do jeito que eu quero que você seja". Ao longo do filme Rasmus deixa de ser ele e nitidamente desaparece em nome do que ele imagina que seja amor. Talvez alguém diga que Maria é uma narcisista, pode ser, mas eu digo que ele tem, no mínimo, Síndrome de Estocolmo. Tafdrup faz aqui um filme interessante que permanece em nossa mente por vários dias e já demonstra sua preocupação com a passividade de seus personagens diante do que não deveriam aceitar.
Uma Mulher Terrível (En frygtelig kvinde / Dinamarca - 2017) de Christian Tafdrup com Anders Juul, Amanda Collin, Rasmus Hammerich, Nicolai Jandorf, Vibeke Hastrup e Christian Tafdrup. ☻☻☻☻
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