Georges e Anne: quanto amor você suporta?
É público e notório que fiquei extremamente surpreso quando Amour de Michael Haneke foi indicado a cinco categorias no Oscar deste ano: Filme do ano, Diretor, Atriz (Emanuelle Riva), Roteiro Original e levou para casa o de filme estrangeiro (o filme foi indicado pela Áustria, pátria de Haneke). A carreira do filme começou muito bem com a Palma de Ouro no Festival de Cannes, mas isso não é uma novidade na carreira de Haneke. Com filmes do porte de Violência Gratuita (1997) e A Professora de Piano (2001) no currículo, o diretor ficou conhecido pela pouca fé na humanidade - o que está longe de ser um ponto positivo perante a Academia de Hollywood. Interessante é como a repercussão do filme levou muita gente aos cinemas esperando a história apaixonada de dois velhinhos e se depararam com um filme lento, de narrativa seca, poucos cortes, praticamente dois atores em cena o tempo inteiro num único cenário até o final de dar nó na garganta. Quem não estava acostumado à estética do diretor estranhou e achou que o filme era um grande produto de marketing, já quem conhece Haneke sabe que o longa é um primor de sutilezas entre a filmografia do diretor - mais até do que no seu consagrado longa anterior A Fita Branca (2009) - a começar pelos diálogos, que na maioria das vezes não significam nada diante das ações dos personagens defendidas pelas estupendas atuações do casal protagonista (que renderam inúmeros prêmios ao filme). Georges (Jean-Louis Trintgnant) e Anne (Emanuelle Riva) são veteranos professores de música e já passaram dos oitenta anos. Vivem sozinhos num casarão onde utilizam somente quatro cômodos e raramente recebem visitas - até mesmo as da filha do casal, Eva (Isabelle Huppert), acontecem raramente. Os dois vivem uma rotina onde um faz companhia para o outro sem grandes sobressaltos, até o momento em que Anne começa a ter atitudes estranhas. Logo será diagnosticada uma doença que irá mudar a vida do casal. Curioso é como Haneke se afasta dos clichês do gênero, Anne nunca posa de vítima e seu orgulho pessoal afeta bastante a forma como passa a lidar com as pessoas diante de sua nova condição, enquanto Georges sempre mostra-se prestativo, até mesmo com algumas atitudes ríspidas da esposa. Os dois se veem sozinho numa corrente de situações que sabem não ter retorno ou saída agradável e a situação se agrava cada vez mais até o final. Haneke desenvolve seus personagens com brilhantismo, sempre preparando o espectador para o que está por vir. Cada diálogo aparentemente inofensivo é o anúncio de um ato revelador ao final de cada cena, até o momento em que Georges está à beira da exaustão (é magnífica a cena em que Eva mostra-se desperta de sua letargia e o pai, já cansado, não consegue controlar as palavras diante dela). Trintgant e Anne tem belos momentos em cena e, às vezes, até com um humor inusitado (como a cena em que Anne perde todo o apreço por um CD que ganhou de presente). Haneke parece guiar o espectador ao limite do amor de seus personagens, onde ações podem soar tão libertadoras quanto covardes. Curiosamente é o auge desse paradoxo, que serve ao desfecho do filme, que perde-se a chance do filme ser surpreendente na filmografia do diretor. Ainda assim, cenas como a do pombo visitante mostra porque um cineasta como Michael Haneke é mais do que necessário no cinema atual.
Amor (Amour/França-Alemanha-Áustria/2012) de Michael Haneke com Emanuelle Riva, Jean-Louis Trintgnant, Isabelle Huppert, Alexandre Tharaud. ☻☻☻☻
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