Mattia e Alice: sentimento crescente que atravessa os anos.
Poucas coisas conseguem ser tão gratificantes quanto assistir a um filme que você nunca ouviu falar e ficar fascinado com a forma como ele pode te envolver. Essa foi a minha relação com este A Solidão dos Números Primos, um filme italiano de 2010 que foi indicado ao prêmio máximo do Festival de Veneza (de onde saiu com o troféu de melhor atriz) e teve grande repercussão entre público, crítica e premiações italianas. Lamentável é que, com um pouco de empenho dos distribuidores, o filme poderia ter se tornado um grande sucesso mundial - especialmente pelo empenho do diretor Saverio Constanzo em levar para as telas o sucesso editorial de Paolo Giordano. Vale registrar que a impressão é que não se trata de um livro fácil de ser traduzido em imagens, uma vez que aborda mais de duas décadas na vida de dois personagens bastante introspectivos: Alice e Mattia. Através do filme os acompanhamos dos oito até seus trinta e dois anos, numa história que é perpassada pela alegria de encontrar um ao outro (mas sem muitas outras, até porque até certo ponto nem Mattia se dá conta disso). Um dos maiores trunfos do filme é tratar a linguagem de um drama como se estivesse montando um suspense. Se no início a plateia estranha a narrativa quebrada que apresenta as três fases da vida dos personagens que acompanharemos (infância, adolescência e fase adulta) em fragmentos por quase todo o filme. São nesses fragmentos que ficamos instigados sobre a irmã de Mattia, Michella, que só aparece quando o personagem tem oito anos. Da mesma forma queremos saber como a menina popular e admirada , que era Alice, se torna a menina insegura e perseguida pelas colegas da escola. Constanzo e a editora Francesca Calvelli tiveram um enorme trabalho para tornar essas fases complementares na narrativa - de forma que, quando unidas, a plateia tivesse a exata medida de como se construiu Mattia e Alice em suas fases adultas. Constanzo pode até receber críticas pelas cenas em que sua mão parece um tanto pesada para lidar com as tristezas dos dois personagens na adolescência, mas ele tem a desculpa das mudanças hormonais tornarem tudo superlativo para essa faixa etária. É na adolescência que os dois se conhecem e que Alice (Martina Albano) tem uma sensação de que trata-se de amor à primeira vista quando vê aquele menino nos corredores da escola. Novo na escola, Mattia (Tommaso Neri) recebe logo o rótulo de garoto estranho por sua fama em automutilar-se, mas diante da tristeza que o menino expressa em seu olhar vazio, sabemos que existe alguma relação com a irmã... é nesse momento, ainda que com bastante reserva e distância por parte dele, que percebemos o quanto aqueles dois personagens são complementares e necessários à vida um do outro, ainda que eles não se deem conta. É na adolescência que entra em cena outra personagem importante Viola Bai (Aurora Ruffino), a garota popular da escola cujo casamento anos depois servirá para um dos momentos mais catárticos entre Mattia e Alice (agora vividos pelo cara de galã Luca Marinelli e a premiada Alba Rohrwacher). Luca e Alba estão ótimos como os dois personagens, sempre buscando um ajuste, uma forma de que possam expressar como são complementares um ao outro, mas esse ápice da catarse parece sempre adiada (de brinde ainda reencontramos a sumida Isabella Rossellini como a mãe de Mattia). É interessante como o roteiro explora momentos de festa com eventos decisivos para os personagens. Existem três festas na narrativa e debaixo da alegria alheia, existe sempre um momento especial para os dois amigos, estando juntos ou separados, lidarem com seus dilemas pessoais. Em cada um desses momentos cresce a tensão da narrativa em patamares até surpreendentes para o espectador. Quando avançamos mais oito anos na vida de ambos, Alice e Mattia se tornam pouco mais do que a sombra do que eram da última vez que se encontraram. Doloroso, romântico e belamente executado, A Solidão dos Números Primos é um desses filmes raros que conseguem traduzir sentimentos difíceis em uma bela história de amor e amizade.
Alice e Mattia na adolescência: enfrentando fantasmas pessoais.
A Solidão dos Números Primos (La solitudine dei numeri primi/Itália-França-Alemanha/2010) de Saverio Costanzo com Alba Rohrwacher, Luca Marinelli, Martina Albano, Tommaso Neri, Aurora Ruffino e Isabella Rossellini. ☻☻☻☻☻
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