James e John: intolerância, violência e loucura.
Existe um tipo de filme que é um dos mais perigosos de se assistir: o filme feito para chocar. O último do gênero que assisti foi o australiano Os Crimes de Snowtown do estreante Justin Kurzel que chegou a ser premiado pelo júri em Cannes2011. Considero perigoso porque depois de assistí-lo, mesmo sem ter gostado do resultado final, ele habita seu cérebro por um loooongo tempo! Esse tipo de longa metragem tem cenas de violência (geralmente com abuso sexual ou assassinato a sangue frio), ritmo lento, a câmera treme, a fotografia é desprovida de cores quentes e se tudo for baseado numa história real a coisa fica ainda mais incômoda. Baseado em dois livros que desbravavam os crimes na cidade australiana de Snowtown, o filme consegue ser bastante cru no seu retrato de uma violência crescente motivada por preconceitos e insatisfações pessoais. James (Lucas Pittaway) vive num subúrbio australiano com a mãe e os três irmãos. Ele e os irmãos mais novos ficam muito próximos de um vizinho que abusa sexualmente do trio. Quando a mãe descobre, cobra ações das autoridades locais que não fazem absolutamente nada para contra o que a comunidade considera uma ameaça para as crianças da região. As coisas mudam quando a família de James conhece o bonachão John Bunting (Daniel Henshal), que assume a figura paterna que faltava na família e que tem planos para se livrar do vizinho pedófilo, principalmente com a ajuda de James. Desde a primeira cena, John tem olhos sinistros que não conseguem disfarçar uma certa crueldade na forma como lida com as pessoas ao seu redor (o desconhecido Daniel Henshal merece elogios pela atuação arrepiante). Diante de uma comunidade que se reúne para compartilhar seus medos e inseguranças, John se nutre de um poder autogerado de que pode fazer vingança justiça com as próprias mãos. De início o pretexto é dar uma lição aos pedófilos das redondezas (com a ajuda de uma lista citada por um amigo travesti), depois a raiva de John é transferida para os homossexuais, para os drogados e outras pessoas que não simpatiza muito. O diretor Justin Kurzel exige estômago da plateia para aguentar cenas de mutilação de animais, estupro e tortura numa paranoia crescente de Bunting, que se tornou um dos serial killers mais procurados da Austrália na década de 1990. Apesar do drama pesado em torno dos personagens, a atmosfera opressora mantém o espectador conectado à trama que vai de um crime ao outro do bando de "justiceiros" liderados por Bunting. No entanto, a estética narrativa do filme em gerar cenas quase soltas gera alguns episódios confusos, como a cena de Troy (que eu entendi ser o irmão mais velho de James) na banheira sem maiores desdobramentos ou o diagnóstico de esquizofrenia de James (que não é trabalhado no filme) e o último crime do grupo que não fica clara a motivação. Ainda assim, penso que esse último crime do grupo serve para deixar claro que a maior desculpa motivação não é senso de justiça ou abandono social que gerou a violência retratada no filme, mas a existência de uma mente doentia que vê na violência a única forma de se relacionar com o mundo.
Os Crimes de Snowtown (Snowtown - Australia/2011) de Justin Kurzel com Daniel Henshal, Lucas Pittaway e Louise Harris. ☻☻
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