quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

OS MELHORES DO CINEMA 2014

Com o final de mais uma ano cinéfilo quem resiste a escolher os seus favoritos de 2014? Escolher os os melhores do ano é uma tarefa árdua, mas entre os filmes que assisti alguns prometem ficar na minha mente por mais tempo. Sendo assim, na opinião desse modesto cinéfilo, os melhores do ano foram os seguintes (com o escolhido em destaque e os outros comentados em sentido horário):

FILME
Chega a ser covardia colocar o filme de Richard Linklater nessa categoria, afinal, para quem busca novas experiências na sala de cinema acompanhar o elenco envelhecendo por doze anos, apoiado por um roteiro sutil sobre a passagem do tempo, torna o filme num verdadeiro acontecimento. Diante dele, a jornada country pelas dores do casal belga de Alabama Monroe, o raro olhar do cinema americano sobre a escravidão em 12 Anos de Escravidão , a solidão tecnológica de Ela, as misturas do Grande Hotel Budapeste e as espertezas espetaculosas de Trapaça, por pouco não ficaram no topo do pódio. 


DIREÇÃO
Richard Linklater (Boyhood)
Quando acabei de assistir Boyhood tive uma sensação muito estranha, ainda que considerasse que algumas situações estavam frouxas, somente depois entendi as intenções do diretor, afinal, sua obra é sobre as mudanças que o tempo causa nas pessoas, mais do que na aparência, as mudanças muitas vezes surgem de momentos aparentemente sem importância. Some isso à dura tarefa de filmar três dias com o elenco por doze anos, construir o roteiro aos poucos para mutilar tudo na sala de edição e ainda assim fazer sentido. Richard merece o título por sua audácia no trabalho. Ainda assim, o sentimento que Daniel Ribeiro impregna em Hoje eu Quero Voltar Sozinho, a agilidade de David O. Russell em Trapaça, as camadas costuradas por Felix Van Goreningen em Alabama Monroe, as violências cruas de Steve McQueen em 12 Anos de Escravidão e o estilo inconfundível de Wes Anderson (misturado a novos ingredientes) de Grande Hotel Budapeste merecem destaque. 

ELENCO
Para um filme funcionar a sintonia entre os atores é um dos elementos fundamentais, mas somente em alguns a coesão funciona de forma impressionante. Em Trapaça, David O. Russell conseguiu um time de ouro e mesclou as atuações vigorosas do elenco com maestria (até as menores participações funcionam com a eficácia de protagonismo). Outros filmes também trouxeram times de famosos ao lado de desconhecidos com uma eficiência poucas vezes vista, seja na lavagem de roupa suja de Álbum de Família, na colcha de personagens curiosos de Grande Hotel Budapeste, nos desajustados que se tornam heróis em Guardiões da Galáxia, nas testemunhas de O Lobo Atrás da Porta ou nos excessos do sonho americano de O Lobo de Wall Street

ATRIZ COADJUVANTE
Lupita Nyong'o (12 Anos de Escravidão)
Pode se dizer que esse ano nasceu uma forte candidata à estrela. A mexicana Lupita Nyong'o tem longa carreira nos bastidores do cinema, mas diante das câmeras, 12 Anos de Escravidão foi sua primeira e marcante experiência. Na pele da escrava que é forçada a ser amante do seu senhor e que considera o suicídio uma salvação, Lupita tem poucas falas, mas ilumina toda cena em que aparece. Porém, não podemos esquecer de Jennifer Lawrence soltando a franga em Trapaça, Julia Roberts amarga e muito bem acompanhada por Julianne Nicholson em Álbum de Família, a sagaz June Squibb de Nebraska e Patrícia Arquette em seu brilhante retorno ao cinema como a mãe que rouba a cena em Boyhood

ATOR COADJUVANTE
Acho que Jared Leto andava decepcionado com o cinema depois que suas esforçadas atuações não eram levadas a sério. Depois de quatro anos de jejum cinematográfico, o ator de 43 anos encontrou reconhecimento como o transexual Rayon, uma mescla de figuras reais que enfrentaram o aparecimento da AIDS como podiam na década de 1980. Imerso em seu papel, Jared tem momentos realmente memoráveis - mas a sensatez de Ali Mosaffa (O Passado), o agente da CIA que beira a psicose de Bradley Cooper (Trapaça), a contenção salvadora de Matthew Boomer (The Normal Heart), o desejo sufocado pela crueldade de Michael Fassbender (12 Anos de Escravidão) e o ceticismo de Steve Coogan (Philomena) também tem muito valor na safra que termina.

ATOR
Chiwetel Ejiofor (12 Anos de Escravidão)
Eu costumava brincar que o inglês Chiwetel Ejiofor ainda não tinha sido indicado ao Oscar ainda porque as pessoas sempre se enrolavam na hora de escrever o nome dele. Depois de sua espetacular atuação em 12 Anos de Escravidão - em que seu olhar é capaz de transbordar os pensamentos da dolorosa jornada de seu personagem, não teve jeito, quem curte cinema teve que aprender a grafia (e a pronúncia) de seu nome, o que não é pouco num ano em que as atuações masculinas surpreenderam como do comediante francês pouco conhecido por aqui Guillaume Galliene em papel duplo em Eu, Mamãe e os Meninos, Jake Gyllenhall personificando O Abutre da desgraça alheia, Matthew McConaughey definhando em Clube de Compras Dallas, Ralph Fiennes na pele do cômico concierge de O Grande Hotel Budapeste ou Wagner Moura escandalizando os fãs de Capitão Nascimento em Praia do Futuro.

ATRIZ
Veerle Baetens (Alabama Monroe)
Vi Alabama Monroe como se estivesse vivenciando uma espécie de transe e a atuação magistral de Veerle foi fundamental para essa experiência. A atriz belga é formada no Instituto de Arte Dramática de Bruxelas e tem sólida carreira na TV e no teatro, no papel da multitatuada Elise, sua personagem vai da alegria plena à tristeza mais profunda de maneira comovente. Num ano de grandes destaques como a Amy Adams mais sexy de todos os tempos (Trapaça), Leandra Leal como a vilã em pele de cordeiro (O Lobo Atrás da Porta), Marion Cotillard como a imigrante que come o pão que o Tio Sam amassou (Era Uma Vez em Nova York), a megera no limite da sanidade de Meryl Streep (Álbum de Família) e a arrepiante esposa Rosamund Pike (Garota Exemplar), Veerle tem excelente companhia no pódio. 

ROTEIRO
Elise (Veerle Baetens) e Didier (Johan Heldenbergh) se conhecem e apesar das diferenças vivem um grande amor regado à música country americana. Juntos tem uma filha que o destino irá utilizar para testar o sentimento que existe entre eles. Amor, sexo, morte e religião se misturam na narrativa da peça escrita por Heldenbergh que vira um filme visceral nas mãos de Felix Van Groeningen que fragmenta a narrativa, ampliando o sentido de cada gesto dos personagens. O belo texto foi um dos mais marcantes do ano por sua originalidade em abordar temas difíceis. Eu também curti a adaptação da peça de Tracy Letts com os conflitos de Álbum de Família, o texto sutil de Boyhood, o olhar de Spike Jonze de um homem que se apaixona por um sistema operacional em Ela, a precisão assustadora de O Lobo Atrás da Porta e a engenhosidade de Trapaça.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

10+: FILMES FAVORITOS DE 2014

Com o ano chegando ao fim como não fazer uma lista dos meus dez filmes favoritos entre os lançamentos no Brasil em 2014? Escolhi os dez que prometem ficar na memória por mais tempo. A minha lista (em ordem alfabética) é a seguinte:


Boyhood    


Ela 



domingo, 28 de dezembro de 2014

NaTela: Homens, Mulheres e Filhos

Ansel (de costas): relações complicadas. 

É engraçado observar o que acontece com a carreira de Jason Reitman, filho do cineasta Ivan Reitman (de Os Caça Fanstasmas/1984), Jason nunca precisou fazer esforço para sair da sombra do pai, já que em seu primeiro filme, Obrigado por Fumar/2005 , seu talento já aparecia de maneira incontestável. Jason sempre foi atento às suas temáticas, que beiram a polêmica, se seu primeiro foco foi o tabagismo, no segundo utilizou a gravidez na adolescência para explorar aquela inadequação típica da adolescência de Juno/2007. Depois utilizou a crise americana para criar uma comédia sobre um especialista em demitir pessoas em Amor sem Escalas (2009). Depois veio a escritora adulta infantil de Jovens Adultos (2011) e a dona de casa insatisfeita que se envolve com um marginal em Refém da Paixão (2013). Visto assim, seus personagens estão sempre em situações que não gostariam de estar, ainda que não percebam, com isso cada trabalho seu cinema ganha maturidade - sob o custo de se afastar do grande público que prefere ver o cinema como mera diversão. Pelos seus filmes mais recentes, Jason pensa exatamente o contrário. Homens, Mulheres e Filhos é seu filme mais desconfortável de assistir, talvez pela melancolia que exala dos personagens que formam um amálgama de tipos que vemos todos os dias. Há um caleidoscópio que gira em torno do mesmo eixo: as relações e o mundo digital. Estão presentes o casal entediado (Adam Sandler e Rosemary DeWitt) que procura amantes na internet - que por acaso são pais de um adolescente (Travis Tope) viciado em pornografia online, existe a adolescente frágil (Elena Kampouris) que procura conselhos para alimentar a anorexia, a mulher (Judy Greer) que abastece um site com fotos sensuais da filha (Olivia Crocicchia) com a esperança dela tornar-se famosa algum dia, a mãe paranoica (Jennifer Garner) que monitora a filha (Kaitlin Dever) vinte e quatro horas por dia, sem que ela perceba que a garota ama um garoto (Ansel Elgort) que curte jogos de RPG online. Utilizando uma narradora (voz de Emma Thompson) que mistura analogias de um satélite em órbita com o que vemos na tela, o filme avança retirando as impressões de que trata-se de uma comédia enquanto abraça os dramas de seus personagens. O que vemos são personagens que embora escrevam online constantemente possuem uma dificuldade enorme de se comunicar (o que fica evidente nas cenas onde estão sempre ao lado de alguém, mas presos às telas de seus celulares, tablets e computadores), com isso, os conflitos que são tão comuns na convivência humana são silenciados enquanto sentidos como verdadeiras catástrofes. Mais do que mostrar o distanciamento das pessoas por conta das tecnologias, o roteiro de Jason Reitman baseado no romance homônimo Chad Kultgen, o filme enfatiza a fragilização e descartabilidade das relações num mundo que preza pela velocidade, ansiedades e aparências. No filme existem as exceções, destacando a relação entre Ansel e Kaitlin, que tenta ser normal com os obstáculos que encontram pelo caminho, mas esses só ressaltam os excessos dos demais. Recebido mornamente por público e crítica, futuramente o filme será visto como um retrato fiel dos anos 2010.

 Homens, Mulheres e Filhos (Men, Women & Children, EUA-2014) de Jason Reitman, com Ansel Elgort, Kaitlin Dever, Travis Tope, Jennifer Garner, Rosemary DeWitt, Adam Sandler e Emma Thompson. ☻☻☻☻

DVD: Diana

Naomi: fazendo o que pode. 

Confesso que estranhei quando o alemão Oliver Hirschbiegel assumiu a direção dessa biografia de Lady Di, mas, assim como todo mundo, lhe dei o crédito pelo olhar estrangeiro de uma espécie de entidade inglesa. No entanto, sabia que o renomado diretor de Experiência (2001) e A Queda (2004) teria dificuldades em lidar com um dos maiores ícones do século XX, cuja história foi acompanhada em escala mundial num culto midiático poucas vezes visto. Diana ficou conhecida como a personalidade que aproximou a família real dos súditos, dando-lhes um contorno menos formal e mais palpável. Com a presença cênica de Naomi Watts o filme tem um trunfo perante a plateia, já que, ciente de que era impossível copiar a biografada, Naomi utiliza alguns gestos bastante característico da princesa. O olhar tímido, o sorriso desconfortável e o tom de voz são auxiliados com eficiência pelo figurino, maquiagem e cabelo, que nos faz até esquecer que Naomi não é parecida com a personagem. Embora a imagem que o filme apresenta seja competente, o mesmo não pode se dizer do roteiro desengonçado. Após a morte de Diana Spencer, uma avalanche de livros sobre elas chegaram às livrarias, entre eles "O Último Amor de uma Princesa" de Kate Snell, no qual o livro se baseia para contar os últimos dois anos de vida de Lady Di, embasado no romance com o cirurgião paquistanês Hasnat Khan (Naveen Andrews). Sendo assim, em sua necessidade de transformar a biografada em heroína romântica, o filme desaponta em uma estrutura frouxa de desentendimentos amorosos, perdendo de vista outros aspectos mais interessantes da personagem. A entrevista polêmica concedida para a televisão aparece de forma rasa, o relacionamento com os filhos fica de escanteio e outros membros da família real nem aparecem. O relacionamento com a mídia, que aparenta ser um dos maiores interesses da produção, também é  desenvolvido sem muito ânimo, ficando sempre no lugar comum da figura pública que não consegue ter um romance fora dos holofotes - em alguns momentos tive a impressão de ver uma versão desanimada de Um Lugar Chamado Notting Hill (1999). Sobra então todo o peso da produção sobre os ombros de Naomi, que tenta dar dignidade para a personagem com o auxílio de suas missões humanitárias - onde Di utilizou a imprensa para divulgar causas nobres como o combate ao uso de minas terrestres. Talvez se fosse mais experiente em cinema, o dramaturgo Stephen Jeffreys (que antes roteirizou sua peça O Libertino/2004 que virou filme com Johny Depp) conseguisse escapar da armadilhas do livro de Snell, que baseado no ponto de vista da família Khan tem dificuldades em criar um retrato crível de Diana, especialmente sobre seu relacionamento com Dodi Al Fayed (Cas Anvar) antes do acidente que a vitimou.  O resultado é um filme de história frouxa e com gosto de tabloide. 

Diana (Reino Unido - França - Bélgica - Suécia/2013) de Oliver Hirschbiegel com Naomi Watts, Naveen Andrews, Cas Anvar, Douglas Hodge e Geraldine James. 

sábado, 27 de dezembro de 2014

NªTV: Olive Kitteridge

Os Kitteridges: a dura vida no Mayne. 

É público e notório que Frances McDormand é uma atriz excepcional, portanto não vou começar a falar da série Olive Kitteridge ressaltando seu talento. Eu poderia começar então elogiando Richard Jenkins, mas o veterano é um dos coadjuvantes de ouro em Hollywood há tempos - além de ser um dos meus atores favoritos. Dito isso prefiro começar no desafio que Jane Anderson assumiu quando resolveu adaptar o livro de Elizabeth Strout para outra mídia. Escrito como uma coleção de 13 histórias curtas, o livro está longe de ser um romance convencional, especialmente por conta de sua protagonista nem sempre ser o centro das atenções. Na maior parte do tempo ela apenas observa os acontecimentos narrados ao longo de 25 anos na sua cidade natal no Maine. Se a escrita do livro é não linear e com personagens demais para condensar numa série, pode-se dizer que Anderson realizou um excelente trabalho, já que conseguiu construir uma linearidade narrativa que reflete com perfeição a passagem do tempo na vida dos personagens e as transformações que atravessam. Olive (Frances McDormand) é uma professora de Matemática famosa por seu temperamento. Irascível, dona de uma sinceridade excessiva e de um humor cruel, Olive não tem muitos amigos e contrasta o tempo inteiro com o seu amoroso esposo, Henry (Richard Jenkins), farmacêutico local, querido pela comunidade. Além da companhia de Henry, Olive ainda é a mãe linha dura de Christopher (vivido pelo menino Devin Druid e por John Gallagher Jr. na idade adulta) e o cotidiano do trio é sempre enviesado por histórias de outros habitantes da cidade - seja a jovem Denise (Zoe Kazan), pela qual Henry nutre um carinho especial, um professor (Peter Mullan) próximo demais de Olive, a deprimida Rachel (Rosemary DeWitt) ou seu filho, o menino Kevin.  Vale ressaltar que a narrativa utiliza alguns flashbacks para enriquecer ainda mais a história, acrescentando um dado novo sobre um determinado personagem ou fato ocorrido. Sendo assim, no segundo episódio Kevin (o ótimo Cory Michael Smith - que interpreta o Edward Nigma de Gotham) aparece crescido e fragilizado no episódio mais revelador da série. Nesse ponto, o roteiro ressalta o tema que perpassa toda a narrativa: o suicídio. Na primeira cena, Olive parece ir para um pic-nic, mas retira da cesta uma arma pouco antes da narrativa retroceder mais de vinte anos. A própria Olive é assombrada pelo suicídio do pai e teme ter passado para o filho o mesmo problema.  A história dos personagens segue em momentos triviais como a festa de casamento de Christopher, uma consulta no hospital por conta de uma dor de barriga, o atropelamento de um gato e reencontros nem sempre agradáveis. A direção de Lisa Cholodenko (do sucesso Minhas Mães e Meu Pai/2010) é irretocável, precisa em sua captura dos personagens entre o drama e a comédia diária que vivenciam. Com todo o cuidado da produção, as quatro partes de Olive Kitteridge se tornam um deleite na magistral abordagem do cotidiano de pessoas comuns em suas alegrias, tristezas, vitórias e tragédias pessoais.

Olive Kitteridge de Lisa Cholodenko com Frances McDormand, Richard Jenkins, John Gallagher Jr., Cory Michael Smith, Zoe Kazan e Bill Murray. ☻☻☻

Na Tela: O Abutre

Gyllenhaal: alimentando a mídia com sangue.

Seria um desperdício associar O Abutre somente à dieta de Jake Gyllenhaal para viver o cameraman freelancer Lou Bloom. É verdade que sua magreza lhe confere um aspecto doentio que o porte de galã não iria conseguir - e todo filme de estreia do estreante Don Gilroy (irmão de Tony Gilroy de Conduta de Risco/2007) acompanha esse tom doentio. Lou é um desempregado que vive de pequenos furtos noturnos de materiais que vende para um ferro velho, quando no meio da noite ele presencia um acidente e uma negociação de um cinegrafista para a venda da imagem para a TV, sua visão de mundo muda. A partir dali, Lou descobre que pode ganhar a vida acompanhando o que a vida tem de pior. Assaltos, incêndios, acidentes variados, estupros, assassinatos são a matéria prima de seus registros que crescem conforme uma produtora televisiva demonstra interesse pelo que é registrado. Precisamos ressaltar que Lou presencia tudo isso com total indiferença (e em algum discurso que decorou da internet ele chamaria isso de profissionalismo), embora saiba exatamente como posicionar um corpo ou uma foto para conseguir um efeito melhor na tela em nome do choque que pode proporcionar aos telespectadores.  Lou contrata até um estagiário chamado Rick (Riz Ahmed), que é quase um sem teto (que ganha, a contragosto, uma ninharia para acompanhá-lo noite adentro na busca incessante por atrocidades). Armado com uma câmera e um rádio que intercepta a comunicação da polícia, Lou procura sempre os crimes que possam lhe garantir uma boa venda e mais prestígio como no ramo. Don Gilro assina o texto sem medo de parecer soturno demais, a maior parte do filme se passa durante a noite os diálogos expressam bem que seus personagens transitam num mundo onde a ética, moral e bom senso são artigos de um luxo que não possuem. O diretor não julga os seus personagens, o que amplia o desconforto da plateia e lhe dá liberdade para que o filme fique no limite do exagero, que é sempre evitado pelo elenco, sobretudo pelo protagonista. Jake Gyllenhaal viu na história a oportunidade para sepultar de vez a sua fama de ator de um papel só, depois de Suspeitos/ e O Homem Duplicado/, O Abutre é o ápice do redirecionamento que sua carreira atravessa. Indicado ao Globo de Ouro (e cotado para o Oscar), Jake constrói um tipo quase vampírico, cujo rosto parece uma máscara que se alimenta do mesmo sangue que nutre os programas mais sensacionalistas da TV. Seu sorriso largo é capaz de assustar tanto quanto os olhos grandes que parece estar sempre à espreita de barbaridades, mesmo quando conversa, suas palavras são sempre decoradas, impessoais, o que cria um distanciamento do interlocutor que o deixa sempre em desvantagem - e isso percebemos bem em suas cenas com a produtora Nina (Rene Russo), que dependo das atrocidades colhidas por Lou para nutrir a audiência capenga do programa que produz. Depois de passar seu primeiro ato tocando a mesma nota, O Abutre chega ao plano mais ambicioso e absurdo de seu personagem, uma tramoia que não deixará ileso nenhum dos envolvidos. No entanto, Gilroy deixa claro que nesse mundo de Lou e Nina, sempre existirá alguém interessado no que ambos querem mostrar.

O Abutre (Nightcrawler/EUA-2014) de Don Gilroy com Jake Gyllenhaal, Rene Russo, Bill Paxton e Riz Ahmed. ☻☻☻

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

DESTAQUES 2014 - SÉRIES DE TV

É o primeiro ano em que escolho os meus trabalhos favoritos na televisão. Fazer listas e escolhas são sempre tarefas complicadas, mas criei oito categorias e deixei em destaque (ao centro)  o trabalho que considerei o mais marcante do ano:

ATOR COADJUVANTE
Alex Price apareceu em apenas dois capítulos de Penny Dreadful na pele de Proteus, uma espécie de pós-Frankenstein na série que mescla clássicos do terror. Seu trabalho é de enorme sensibilidade, tornando um personagem pequeno inesquecível. 

ATRIZ COADJUVANTE
Gostei de rever Anna Chlumsky crescida e aparecida na comédia In The Loop/2009, a garotinha de Meu Primeiro Amor/1991 se tornou um caso raro em que a atriz mirim se torna muito mais interessante quando cresce. Na pele de uma das duas pessoas competentes da equipe da vice-presidente americana ela rendeu boas risadas na segunda temporada de Veep

ATRIZ COMÉDIA
 Julia Louis-Dreyfus provou mais uma vez que não existe maldição de quem atuou em Seinfeld, bem... pelo menos para ela. Na pele da vice-presidente Selina Meyer de Veep, ela prova que suas trapalhadas podem acontecer em qualquer lugar - sem que ela se dê conta que são trapalhadas...

ATOR COMÉDIA
Thomas Middleditch tirou a sorte grande quando conseguiu o papel de Richard, o programador que consegue desenvolver um compressor de dados revolucionário, o problema é capitalizar isso em Silicon Valley. Thomas dá carne e osso a um papel que poderia cair facilmente na caricatura e seu resultado, além de divertido é um tipo totalmente real. 

ATOR DRAMA
Prometo que em breve escrevo sobre Olive Kitteridge, excepcional série lançada pela HBO ao final do ano e que está entre uma das melhores produções que a emissora já criou. Richard Jenkins excepcional como um homem comum que equilibra um lar que poderia ser insuportável. Jenkins, que já era um dos meus atores favoritos, aqui ganhou o papel de sua vida. 

ATRIZ DRAMA
Eva Green sempre foi boa atriz, já chamou atenção em vários filmes, mas seus papéis sempre parecem ficar em segundo plano nas produções em que participa. Na pele da amaldiçoada Vanessa de Penny Dreadful, a beldade provou que é capaz de provocar arrepios, tornando seus olhos nos mais sombrios da história da televisão.

SÉRIE COMÉDIA
Eu adoro Diário de um Jovem Doutor, sei que o humor negro da produção inglesa não agrada todo mundo, mas o que eu posso fazer? Pena que as temporadas são tão curtas e mal divulgadas pela HBO. A dinâmica entre Jon Hamm na pele do personagem de Daniel Radcliffe maduro continua funcionando e gerando momentos deliciosos de surrealismo nos cafundós da Rússia revolucionista. 

SÉRIE DRAMA
Foi uma escolha difícil, mas Les Revenants ficou na minha memória durante todo o ano, desejando que a segunda temporada estreasse em breve. Os mortos que atormentam os vivos da série criaram uma espécie de tendência televisiva, podemos ver seu eco em Resurrection e The Leftovers, duas produções que parece paródias das sutis relações estabelecidas na série francesa. 

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Na Tela: Uma Longa Viagem

Nicole e Firth: consolando uma alma atormentada. 

Lançado no início do ano no circuito alternativo dos EUA, Railway Man recebeu bastantes elogios e conseguiu algum sucesso nas bilheterias, mesmo com o pequeno circuito que o exibiu. Fosse lançado próximo das grandes premiações talvez até conseguisse vaga nos Globos de Ouro e talvez até no Oscar. O filme de Johnatan Teplitzky parece uma história de amor convencional, da mulher amorosa que encontra o tímido homem de sua vida. Fascinado por ferrovias e gentil, ele esconde as dores do passado que o casamento revelará, já que, aos poucos, ela descobre que seu amado tem uma alma bastante tortuosa. Eric (Colin Firth) é um veterano de guerra que faz parte até de encontros periódicos com alguns amigos para exorcizarem suas dores em conjunto, mas ele é sempre calado e metódico demais para se expor - mesmo para a esposa compreensiva, Patti (Nicole Kidman). No entanto, a convivência com angústia constante ao lado da esposa que o faz procurar acertar as contas com o passado. O amigo Finlay (Stellan Skarsgard) é o responsável de contar para Patti e para a plateia sobre os horrores que Eric vivenciou durante a guerra e todos entenderão os motivos daquele homem tão gentil sofrer com pesadelos, ataques de fúria e choro. Acho que não cabe dizer aqui o motivo da devastação emocional de Eric, mas posso ao menos elogiar a forma como Teplitzky insere os flashbacks em sua narrativa, transformando a história de amor num filme anti-guerra, onde o jovem Eric é devastado diante dos nossos olhos. O protagonista mais jovem é vivido por Jeremy Irvine, que parece um ator para se levar a sério, mais do que aparentava em Cavalo de Guerra/2011, sua atuação é realmente emocionante, sendo bastante convincente para introduzir a fase seguinte onde Firth também não decepciona no tipo reservado que tenta esconder seus traumas. No entanto, o filme ainda tem o seu último ato - que deve ter inspirado esse título sem graça que o filme recebeu no Brasil - , onde o ex-solado tenta acabar com o fantasma de seu passado (e o elenco  ganha um acréscimo de peso com Hiroyuki Sanada). O mais interessante é como o filme avança em densidade em cada ato que apresenta alternando perigosamente os seus gêneros narrativos, passando do romance para o suspense, desviando para o drama de guerra para depois retomar o suspense (que quase não funcionava no início) para ressaltar uma mensagem pacifista. Teplitzky pode não ter feito uma obra-prima, mas criou um filme de momentos memoráveis e que se beneficia da química natural entre Nicole e Firth, que sempre que surgem em cena temos a certeza de que estamos diante de uma boa história. 

Uma Longa Viagem (The Railway Man/Austrália - Reino Unido - Suécia/2013) de Johnatan Teplitzky com Colin Firth, Nicole Kidman, Jeremy Irvine, Stellan Skarsgard e Hiroyuki Sanada.☻☻☻

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

DVD: Ninfomaníaca - Volume 2

Charlotte e Jamie: afrodisíaco ou sonífero?

Muito do que eu tinha a dizer sobre as pretensões de Lars Von Trier com Ninfomaníaca eu já escrevi quando assisti ao Volume 1 dessa desventura cinematográfica do cineasta dinamarquês. Se era preciso ter muita paciência para assistir ao primeiro capítulo, devo dizer que precisamos de muito mais para aturar mais duas horas da tediosa verborragia que almeja colocar tintas filosóficas na trajetória da protagonista viciada em sexo. A verdade é que Trier se encheu tanto de si mesmo que nem percebeu que não precisava de tão longa duração para contar a história de Joe, fosse um curta de meia hora poderia ser excelente. Se no primeiro capítulo sua personagem tinha aquele ímpeto adolescente para seduzir variados parceiros, aqui ela envelhece no casamento e deixa de sentir prazer com o sexo no conforto de sua relação com Jerome (Shia Labeouf), o grande amor de sua vida. Até a transição da personagem jovem (vivida pela esquelética Stacy Martin) para a mais madura é apressada, afinal numa passagem temporal de três anos ela perde a aparência de ninfeta para ganhar a cara da quarentona Charlotte Gainsbourg (atual musa de Trier). Será que o diretor quer dizer que a ausência de prazer envelhece precocemente? Essa reflexão poderia ter aparecido em meio aos tediosos diálogos de Joe que continua narrando sua busca por prazer ao desconhecido Seligman (Stellan Skarsgard) que agora revela ser virgem (oooh!). Agora a narrativa de Joe abordam o período após a permissão de Jerome para que ela procure outros parceiros. A partir daí ela parte para experiências mais intensas, como ter relações sexuais com dois negros ao mesmo tempo ou procurar K (Jamie Bell), que é procurado por mulheres que procuram ser agredidas para sentir prazer. Acho interessante como a gentileza e devoção de Jerome é incapaz de dar prazer a esposa que procura um homem que a agride violentamente para sentir alguma coisa. Os fãs consideraram que o filme aprofunda mais a personagem, especialmente por suas mazelas familiares, mas - na minha modesta opinião - a história só mostra que Joe finalmente percebeu o que a obra anterior já revelava: ela é completamente vazia. Diante de sua visão tediosa da existência o sexo parece ser a única saída para ter alguma graça na vida. Casamento? Filhos? Amor? Sexo? Tudo isso não importa mais, Joe ainda persegue algo que ainda é incapaz de preencher seu vazio.  Fosse melhor escrito, o filme poderia ser uma obra fascinante, mas Trier continua no meio do caminho, acho que seu problema é o medo de ser moralista ou confundido com pornográfico, mesmo assim, o filme resulta na obra mais inútil do cineasta, soando apenas uma provocação fútil em seu currículo. Nem mesmo o embate de Joe com Seligman chega a animar, já que é óbvio o que aconteceria desde a primeira cena juntos. No fim das contas, Ninfomaníaca está mais para sonífero do que para afrodisíaco. 

Ninfomaníaca - Volume 2 (Nynphomaniac - Vol 2 / Dinamarca - Bélgica - Alemanha - Reino Unido - França - Suécia / 2013) de Lars Von Trier com Charlotte Gainsbourg, Stellan Skarsgard, Shia Labeouf, Jamie Bell, Stacy Martin e Udo Kier. 

DVD: Alabama Monroe

Veerle e Didier: mais do que o caipirão e a pin-up

Alabama Monroe é um dos filmes mais interessantes que vi em 2014, sendo o mais bacana a forma afetuosa como trata os seus personagens. Num olhar menos atento eles parecem dois estereótipos bem demarcados, ele pode parecer um caipira e ela uma pin-up nos cafundós da Bélgica. Cada um à sua forma parece personificar o sonho americano, ele com sua banda de bluegrass (vertente do country) ela pelo seu estilo. Ele toca na banda, ela faz tatuagens (inclusive nela mesma, às vezes funcionando até como elemento narrativo da história) e quando se encontram é amor à primeira vista. A vida dos personagens é contada em diversos tempos a partir de um ponto que quebra no conto de fadas que os dois vivem juntos: o diagnóstico de câncer que a filha dos dois terá. Didier (Johan Heldenbergh) e Veerle (a excepcional Elise Vandevelde) vivem um amor intenso, mas que os leva do paraíso ao inferno com a mesma intensidade - e a câmera de Felix Van Groeningen capta essa sensação com precisão. O espectador logo percebe que o filme mistura os momentos em que o casal se conheceu, passando pelo nascimento da filha, a forma como lidam com a doença e o desamparo diante da necessidade de juntar o que sobrou da relação dos dois. A estrutura narrativa me lembrou a de Namorados Para Sempre (2010), inclusive pela melancolia que exala nos momentos mais difíceis. A grande diferença fica por conta dos números em que Didier e Veerle se apresentam juntos com a banda, alcançando momentos plenos de dramaticidade (incluindo o discurso desesperado de Didier que nega tudo o que ele parecia admirar durante todo o filme). Remoendo alegrias, tristezas e cenas tórridas, Alabama Monroe mostra-se uma gratificante montanha-russa de emoções e que consegue abordar temas complicados com uma ternura irresistível. As dores da perda, a plenitude ao cantar uma boa canção, a desilusão de ver os sonhos destruídos por um golpe do destino ou os mecanismos adotados para superá-los tornam-se ingredientes poderosos para o filme. Vale ressaltar que as atuações são fundamentais para que o filme alcance seus objetivos. O casal protagonista está excelente em personagens que passam por grandes transformações durante a história, Johan está muito bem como o grandalhão vigoroso, mas é Elise Vandervelde que tem os melhores momentos em seu apego à religião para encontrar conforto - mas sem melodramas ainda que se afogue na tristeza de Veerle. O filme não erra o tom nem em seu discurso a favor das pesquisas com células tronco sendo tudo muito espontâneo e bem encenado. Alabama Monroe (nome que remete aos gosto do casal e às mudanças que sofrem) é baseado na peça de teatro escrita pelo próprio Johan Veldenbergh que acerta ao não torna-se um filme meloso sobre superação e que cravou uma indicação ao Oscar de filme estrangeiro em 2014. 

Alabama Monroe (The Broken Circle Breakdown/Bélgica-2012) de Felix Van Groeningen com Johan Veldenbergh, Elise Vandervelde e Nell Cattrysse. ☻☻☻

DVD: Aqui é o Meu Lugar

Sean Penn: misturando The Cure, Siouxsie e Ozzy. 

Paolo Sorrentino é um diretor italiano que alcança cada vez mais projeção nos dias atuais, com o prêmio do júri no Festival de Cannes por Il Divo/2008 (que contava a história do homem que serviu ao primeiro ministro italiano desde a restauração da democracia em 1946) o cineasta chamou atenção mundial para seu novo projeto, a dramédia This Must be the Place (que ganhou o prêmio ecumênico em Cannes). O filme ficou famoso por conter uma caracterização, digamos, bastante eclética de Sean Penn na pele do roqueiro Cheyenne, roqueiro da década de 1980 que se afastou dos holofotes há décadas e que ainda carrega o visual semelhante ao de Robert Smith do The Cure, mas com uma personalidade que parece a de Ozzy Osbourne (efeito do consumo de bebidas variadas e cheiradas em heroína, já que Cheyenne tem pânico de agulhas). Vivendo dos royalties de suas canções, o ex-astro vive em Dublin com a esposa, Jane (Frances McDormand), e tem como melhor amiga uma adolescente cujo o irmão desapareceu há três meses. Fica evidente que Cheyenne não tem muito o que fazer, mesmo assim ele não aceita convite para uma apresentação especial na MTV ou para produzir uma banda de jovens roqueiros. Ele chega a cogitar que está deprimido, mas a esposa acha que ele está apenas entediado. Quando nada demais acontece com o rockstar, ele recebe uma ligação comunicando que seu pai está nas últimas e parte para Nova York (de navio, porque ele odeia viajar de avião). Depois de trinta anos sem contato com o pai, Cheyenne recebe a missão de encontrar o oficial nazista que torturou seu pai durante a Segunda Guerra Mundial e parte numa jornada em que busca o perdão de si mesmo, não apenas pelos anos de ausência na vida do pai, mas também por conta de dois fãs que se suicidaram inspirados pelas músicas de sua banda (que, conforme Cheyenne afirma, eram depressivas para jovens deprimidos e com o objetivo de ganhar dinheiro). O que era para ser um filme de vingança segue por um outro caminho, um caminho quase surreal dado o olhar do protagonista sobre a história. Sean Penn compõe o personagem com precisão, nutrindo-o com um humor inocente, quase infantil, que deixa latente a sua inadequação pela vida. Percebemos que existe grande energia nele, mas ela em poucos momentos é externalizada. Cheyenne parece anestesiado, ainda que tenha uma visão bastante sóbria do mundo. Existem cenas impagáveis como a visita à esposa do tal torturador e outras realmente comoventes, como o momento em que toca a canção que inspirou o título ou a cena em que Cheyenne rasga seus tormentos para o amigo David Byrne. Aqui é o meu Lugar é um filme bastante diferente, com humor peculiar e que funciona dentro de uma lógica própria, o que lhe confere bastante originalidade - e quem viu o filme seguinte de Sorrentino, "A Grande Beleza" que ganhou o Oscar de Filmes Estrangeiro desse ano, sabe que o diretor foge do óbvio. Quem busca um filme de vingança ou uma comédia rasgada irá decepcionar-se, mas quem deixar se envolver pela lógica do filme irá se surpreender com as sensações que o filme desperta. Bela fotografia, ótima trilha sonora e um elenco perfeito completam esse primeiro trabalho em língua inglesa do diretor. 

Aqui é o Meu Lugar (This Must Be the Place/Itália-França-Irlanda/2011) de Paolo Sorrentino com Sean Penn, Frances McDormand, Judd Hirsch, Eve Hewson, Sam Keeley e Kerry Condon. ☻☻☻

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

10+: Melhores Pôsteres de 2014

Como é de hábito, em meados de dezembro começo as listas de fim de ano com os pôsteres que mais chamaram minha atenção. Vale ressaltar, mais uma vez, que um bom pôster faz toda a diferença, já que é feito para ser o nosso primeiro contato com um filme e, às vezes, consegue ser melhor do que o próprio. Esse ano os dez escolhidos são:

10 - O Homem Duplicado (Enemy/Canadá)
O cartaz do último longa de Denis Villeneuve deveria ter sido observado com mais atenção. A mente do personagem de Jack Gyllenhaal aparece como fundamental ferramente para se compreender um filme aparentemente incompreensível. Cheio de metáforas e analogias, os ingredientes que confundem estão todos ali: a fotografia desbotada, a cidade assombrada por uma aranha gigante (e isso é mais importante do que você imagina) e um homem que você não sabe se é um ou outro (ou se é um fingindo ser o outro).

09 - Um Ilustre Desconhecido (Un Illustre Inconnu/França)
Recém lançado na França, o novo filme de Matheir Kassovitz parece marcar seu retorno às obras relevantes. Para dar conta da história de um homem que sempre quis ser outra pessoa, mas nunca teve imaginação para isso, o cartaz realiza uma elegante colagem de como o personagem se apropria da identidade dos estranhos que cruzam seu caminho, o resultado é tão assustador quanto interessante. 

08 - Homens Mulheres e Filhos (Men, Women & Children/EUA)
Se existe um problema no cartaz do novo filme de Jason Reitman: ele consegue ser bastante óbvio sobre o tema que o filme trata, afinal aborda um grupo de adolescentes que vive conectado à tecnologia o dia inteiro, assim como seus pais - o que acaba comprometendo o relacionamento com quem está próximo. No centro da narrativa está um jovem casal que ainda resiste à essa concepção moderna de vida. Eu disse "óbvio" anteriormente, talvez a palavra tenha sido mal escolhida, eu deveria dizer "certeiro".

07 - Blue Ruin (EUA/França)
Considerados por muitos uma obra chocante e perturbadora, não podemos dizer que o pôster do filme de Jeremy Saulnier já não antecipasse o que estava por vir. Contando a história de um  sem teto que passa a perseguir um bandido liberto (e com isso o seu passado vem à tona), o filme poderia ser apenas mais uma história de vingança, mas o cartaz deixa claro que não é só isso n medida que decompõe seu personagem (o elogiado Macon Blair) diante da câmera segura do diretor revelação do Festival de Cannes em 2014.

06 - A Girl Walks Home Alone At Night (EUA)
Já considerado um clássico dos filmes de vampiro, o filme de Ana Lily Amirpour é ambientado em uma cidade quase abandonada do Irã, onde uma jovem vampira observa os moradores que sobraram enquanto convive com a solidão e o apetite por sangue. O cartaz é brilhante em sua economia para alcançar seu objetivo vampiresco - atenção para o no uso das cores (com destaque para os lábios vermelhos e a gota escorrendo do título). Exibido em Sundance o filme produzido com dinheiro americano é falado em persa e já tornou-se cult no exterior. 

05 - Mapa Para as Estrelas (Maps to the Stars/Canadá-EUA-Alemanha-França)
Celebrado em Cannes e provocador de estranhamento nos Estados Unidos, o novo filme de David Cronenberg é uma comédia ácida que poucos conseguem digerir, ou seja, tem o estilo "ame ou odeie". O cartaz é bastante sugestivo ao olhar para o célebre letreiro de Hollywood ao contrário para apresentar seus personagens complicados que vivem no submundo do cinema aguardando sua chance de brilhar mais uma vez. Havia aquele outro pôster com o letreiro escrito em contraste às chamas da cidade, mas essa visão invertida do glamour me parece mais interessante. 

04 - O Jogo da Imitação (The Imitation Game/Reino Unido - EUA)
Cotado para as premiações de fim de ano, o longa metragem de Morten Tyldun gerou esse cartaz que é um primor de elegância e intenções, afinal o filme conta a história de Alan Turin (Benedict Cumberbatch), matemático especialista em lógica que ajudou a desvendar os códigos complexos das mensagens da máquina enigma, utilizada pelos alemães para se comunicarem durante a Segunda Guerra Mundial. O cartaz é sutil ao exibir o que está para ser desvendado (não a máquina, mas o protagonista oculto que tinha problemas com sua homossexualidade). 

03 - O Coração do Mar (In The Heart of the Sea/EUA)
O novo filme de Ron Howard só estreia em 2015, mas como não se render ao cartaz da história sobre o naufrágio do baleeiro Essex na tragédia que inspirou o clássico Moby Dick de Herman Melville? A força e grandiosidade da natureza está explícita em seu contraste com o barco que terá muito trabalho nas telas em 2015!

02 - Heartless (Índia)
Não lembro de ter visto um cartaz de filme indiano tão simples, belo e enfático como dessa estreia do ator Shekhar Khuman como diretor. A história do casal que tem a vida transformada por conta de um transplante de coração - que faz mudar totalmente o tom da história - é apresentada com saborosa economia pela ideia que o pôster evoca diretamente. 

01 - Garota Exemplar (Gone Girl/EUA)
O cartaz da nova cria de David Fincher deixa claro que existe algo com a imagem de Ben Affleck, bem, na verdade ele mostra que no fundo tudo o que enxergamos é uma imagem e não propriamente a realidade como ela é (se é que ela existe além do nosso olhar)... o resto, o roteiro sobre o marido que se enrola cada vez mais no desaparecimento da esposa, explica ao espectador. Excelente cartão de visita sobre o filme, o pôster exibe o estilo de seu diretor de forma plena para apresentar o que está por vir em suas duas horas e meia de duração. 

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

DVD: Dentro da Casa

O mestre, a musa e o escritor: ficção ou realidade?

O francês François Ozon é um dos mais prolíficos de sua geração, ele faz longas metragens desde 1997 e consegue lançar novas produções quase todo ano. Sua produção pode ser comparada somente a de Woody Allen, ainda que os diretores sejam totalmente diferentes. Se os filmes de Allen parecem existir dentro de um único universo, os de Ozon conseguem ser bem diferentes. Ele é capaz de criar dramas pesadões (Sob a Areia/2000), romances (O Amor em Cinco Tempos/2004), musicais (Oito Mulheres/2002), comédias (Gotas d'água em Pedras Escaldantes/2000), filmes de época (Angel/2007), fantasias (Ricky/2009) e delírios completos (Swimming Pool/2003). Dentro da Casa pertence a esse último gênero, recebendo elogios e prêmios em vários festivais. Baseado na peça de Juan Mayorga, a trama possui várias possibilidades geradas a partir do processo da escrita de um jovem rapaz chamado Claude (Ernst Umhauer) que chama a atenção de seu veterano professor. Germain (Fabrice Luchini) está cansado das redações preguiçosas de seus alunos, eis que um dia ele se depara com a redação de Claude sobre o dia em que se propôs uma amigo a superar as dificuldades em matemática. As descrições de Claude sobre a casa e a família do amigo ganham forma e intensidade a cada linha, alimentadas, principalmente pelo olhar astuto do rapaz de dezesseis anos. Germain vicia-se na história, que recebe continuações semanais que intensificam mais os interesses de Claude na mãe do amigo (vivida por Emmanuelle Seigner) e um certo desprezo pelos Raphas, já que o amigo tímido (Bastien Ughetto) e o pai (Denis Ménochet) possuem o mesmo nome. O filme funciona maravilhosamente bem enquanto Germain dá instruções para o aluno conduzir a história que segue sem mostrar se é verdade ou ficção. O processo de escrita contamina até a esposa de Germain, Jeanne (a inglesa Kristin Scott Thomas que encontrou no cinema francês um porto seguro para sua carreira) que sempre quer saber o que irá acontecera na história, ainda que, diferente do esposo, não considere que o jovem escritor seja confiável, principalmente diante de seus comentários mordazes sobre os personagens que escreve. Ozon conduz o filme com uma tranquilidade ímpar, injetando humor e pequenos dramas nas relações de seus personagens, sempre deixando que o espectador acompanhe a história no limite do real e fictício do texto de Claude, enfatizando um caráter manipulador entre mestre e discípulo. Ruim é quando o filme avança e essa dúvida fica de lado - e o filme perde muito de sua sagaz ambiguidade. No entanto, o maior erro de Ozon foi desprezar o conselho do próprio Germain ao seu pupilo: que o final deve ser arrebatador, surpreendente, mas deixando a impressão de que não poderia terminar de outro jeito. Reconheço que Ozon não quis repetir a radicalidade do mais sombrio Swimming Pool (que também era sobre as inspirações do processo de escrita), mas não deixa de ser frustrante o desvio de foco que recai sobre a relação entre Jeanne e Germain - e que joga pelo ralo toda a dinâmica do jogo instaurado entre diretor e plateia. Seria muito mais interessante se Germain percebesse que todo o escândalo e voyeurismo, que a escrita de Claude lhe permitia, era reflexo mais de sua necessidade de escapar da inércia dos dias do que da realidade vivenciada pelo pupilo. 

Dentro da Casa (Dans La Maison/França - 2012) de François Ozon de Ernst Umhauer, Fabrice Luchini, Emmanuelle Seigner, Kristin Scott Thomas, Bastien Ughetto e Denis Ménochet. ☻☻☻