Nausicäa: futuro pós-apocalíptico.
Nausicäa é o segundo filme de Hayao Miyazaki, não chegou a ser produzido pelo Estúdio Ghibli, mas com o tempo recebeu o selo pela notoriedade que seu criador recebeu após o seu sucesso. Após
O Castelo de Cagliostro (1979), Hayao demonstra aqui mais claramente o estilo que o consagraria em todo o mundo: o uso exuberante das cores, as ambientações impressionantes, o traço caprichado, os protagonistas heroicos e a relação do homem com a natureza. O filme agradou público e crítica e alavancou de vez a carreira do cineasta. No entanto,
Nausicäa do Vale do Vento investe num gênero que Hayao não revisitou em sua carreira: a ficção científica. Curiosamente a trama é baseada no mangá criada pelo próprio Miyazaki dois anos antes e conta uma história ambientada mil anos no futuro em que vemos a Terra devastada por séculos de poluição e destruição da natureza, o que gerou o chamado "colapso da civilização industrial". O resultado é um mundo praticamente coberto pelo que chamam de "Mar Podre", espécie de floresta tóxica que produz gases venenosos habitada por insetos gigantes capazes de destruir tudo que está pela frente - o que coloca ainda mais em risco a vida dos humanos sobreviventes. No meio deste mundo destruído, existe o vale do título, um lugar que ainda abriga uma espécie de paraíso natural, no qual o humanos procuram viver de forma harmônica com a fauna e a flora que restam. Nausicäa é a heroína que lança um olhar diferente sobre o que a maioria dos personagens teme ao longo da história. Disposta a conhecer melhor este estranho mundo novo o filme cria um embate entre ela e outra personagem que tem outros planos para a humanidade se impor novamente naquele mundo. Existe aí um verdadeira disputa pelo poder através da força bruta. Este embate revela bastante semelhança com os temas abordados mais tarde em outro filme do cineasta,
Princesa Mononoke (1997) em que a relação do homem com a natureza também está no centro da trama só que abordado de forma ainda mais agressiva. A animação capricha nos cenários, nos figurinos e nas cenas de ação com naves espaciais e aquele início no deserto que lembra a estética de
Star Wars. Nausicäa é um filme cheio de energia e mantem o tom de aventura durante suas quase duas horas de duração. Constrói um mundo próprio tão envolvente quanto assustador e se mantem atual pelo valor de suas entrelinhas. É interessante lembrar dos filmes de Hayao citados aqui e depois assistir a
O Castelo Animado (2004), o nono longa metragem do cineasta. Lançado após o sucesso arrebatador de
A Viagem de Chihiro (2001), o filme investe mais uma vez em uma fantasia radical (só que desta vez baseada na obra da britânica Diana Wynne Jones). O filme conta a história de Sophie, a filha de um chapeleiro que é amaldiçoada por uma bruxa e recebe a aparência de uma senhora de noventa anos.
O Castelo Animado: Benjamin Button feminino?
Tentando reverter a maldição ela acaba encontrando o castelo e seres mágicos em seu caminho (um mago, uma chama falante, um espantalho flutuante....), o filme então investe naquele grupo de personagens que tentam mudar seus destinos enquanto Sophie rejuvenesce aos poucos em cada cena. Com toques de romance, aventura e bruxaria o filme caprichando no tom fantástico que é atravessado por uma verdadeira guerra. Particularmente considero o ponto alto do filme o próprio castelo. Sua concepção como um amontoado de sucata em constante movimento resulta bastante exuberante. Enquanto caminha perdendo peças pelo caminho, ele guarda segredos e passagens secretas e já torna por si só interessante. Seu visual é tão milimetricamente calculado em sua tridimensionalidade que impressiona sempre que está em cena. Apesar de ser totalmente surreal, ele parece visualmente realista ao extremo. Embora o roteiro não seja tão bem amarrado, o filme se torna bastante envolvente e, por vezes, até assustador. Quem leu o livro da escritora britânica pontuou que o final ficou bastante diferente, o que transforma a história em uma trama sobre superação e perdão. Diante de suas qualidades, o filme concorreu ao Leão de Ouro no Festival de Veneza e foi indicado ao Oscar de Filme Estrangeiro, se tornando um clássico do diretor japonês. Logo em seguida o diretor lançou outro filme que concorreu ao prêmio máximo do Festival de Veneza, mas ficou de fora do Oscar. Ponyo: Uma Amizade que Veio do Mar deve ser o filme mais leve do diretor, apesar de possuir elementos mágicos, seu tom de fábula com toques de surrealismo o torna um programa bastante agradável de assistir. Ponyo parte de uma ideia simples e encantadora em sua ambição de ser apenas uma fantasia sobre amizade, mas que aos poucos ganha contornos de uma fábula sobre nossa relação com a natureza. Ela conta a história de um peixinho que é encontrada por um menino de bom coração, chamado Sosuke e por conta de um incidente no tempo que os dois conviveram, o peixinho se transforma em uma menina e parte para reencontrar seu amigo. No entanto, esta proximidade entre os dois viola algumas regras importantes no convívio entre o mundo marinho e o mundo dos humanos, o que gera consequências surreais na história. O filme tem a maior cara de conto de fadas (e em vários momentos me fez lembrar de A Pequena Sereia/1989 da Disney, embora siga por um caminho completamente diferente) e capricha no uso do mar para criar cenas impressionantes (prova disso é a cena do mar agitado perseguindo o carro de Sosuke e sua mãe), mas mesmo quando o filme apresenta situações que poderiam ser trágicas, o diretor opta por um caminho mais leve e mágico em sua proposta. O resultado parece mais voltado para as crianças, mas os adultos devem apreciar o excelente uso de cores em contraste com o azul e o verde que alcança momentos deslumbrantes em sua execução.
Ponyo: aventura em ritmo de conto de fadas.
Nausicäa do Vale do Vento (Kaze no tani no Naushika / Japão - 1984) de Hayao Miyazaki com vozes de Sumi Shimamoto, Mahito Tsujimura, Hisako Kyôda. ☻☻☻☻
O Castelo Animado (Hauru no ogoku shiro / Japão - 2004) de Hayao Miyazaki com vozes de Chieko Baishô, Takuya Kimura e Tatsuya Gashûin. ☻☻☻☻
Ponyo: Uma Amizade que Veio do Mar (Gake no ue no Ponyo / Japão - 2008) de Hayao Miyazako com vozes de Tomoko Yamakagushi, Kazushige Nagashima, Yuria Nara e George Tokoro. ☻☻☻☻