quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

FAVORITOS DO CINEMA 2020

Seria ingratidão dizer que no meio de todo o caos que foi 2020 não tivemos bons filmes passando por aí. Esta lista de favoritos tem um gosto especial se levarmos em conta a dificuldade que as produções tiveram para chegar até o espectador. Muitas estreias foram adiadas, algumas chegaram ao streaming e muitas foram agendadas para 2021. Lembrando que esta é uma lista pautada no gosto pessoal, os filmes que aparecem aqui chegaram ao Brasil em 2020 pelos canais oficiais. Em meio à toda loucura que sofremos nestes meses, estas produções ajudaram a passar o tempo durante os dias de isolamento social. Além disso, a busca por sugestões de filmes para assistir em casa fez com que o blog tivesse mais acessos do que em qualquer outro ano. Foram mais de 68 mil acessos desde que retomei os trabalhos por aqui em março deste ano. Esses são os trabalhos que deixaram meu ano cinéfilo mais interessante:

ARTISTA REVELAÇÃ

CINEASTA REVELAÇÃ

ATR COADJUVANTE

ATRIZ CADJUVANTE

ELENC

ROTEIR

MELH✪R ATRIZ

MELHOR ATR

DIREÇÃ

FILME DO AN

E quais foram os seus favoritos do ano?
Feliz 2021!

quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

10+ (2 Bônus) Filmes Favoritos do Ano

Ano complicado este para o cinema. Com a pandemia mundial, as salas fecharam e os estúdios ficaram sem saber o que fazer, enquanto isso os serviços de streaming bombaram e ainda que depois de vários meses filmes tenham estreado na tela grande, ainda não se sabe o que acontecerá nos próximos anos. Muita gente que tinha filme agendado para este ano resolveu adiar para a reabertura plena das salas (sabe-se lá quando) e a diversão da maioria dos cinéfilos ficou por conta das possibilidades de ver filmes em casa. Esta é a minha lista de favoritos do ano! Vale dizer que uso como critério para os meus favoritos os filmes que foram disponibilizados no Brasil por canais oficiais ao longo de 2020 e, por conta disso, alguns filmes lançados no ano passado no exterior aparecem por aqui. Como o cinema teve um ano complicado e os filmes ajudaram muito a passar o tempo em nossos dias de isolamento social, eu me dei o direito de escolher doze filmes (um para cada mês do ano deste 2020 enlouquecedor) que estão listados em ordem alfabética:











PL►Y: Nunca Ramente Às Vezes Sempre

Sidney:  ótima estreia em personagem complicada. 

Quando começaram as especulações para as premiações de fim de ano eu ficava instigado com o título de Never Rarely Sometimes Always, um  conjunto de palavras que eu já associava a algum formulário. Foi assim que o filme entrou no meu radar e fiquei surpreso em saber que ele estava disponível para alugar no Youtube e o assisti sem saber muito sobre a história. Nunca Raramente às Vezes Sempre acompanha alguns dias na vida da adolescente Autumn (a estreante Sidney Flanigan) a partir do momento em que ela começa a desconfiar que está grávida. Ela vive com a mãe (a cantora Sharon Van Etten), o padrasto (Ryan Eggold) e a irmã caçula no interior da Pensylvannia e desde o início demonstra receio de que sua família descubra a situação pela qual está passando. Desde o primeiro momento Autumn decide interromper a gravidez e parte para a cidade de Nova York devido a limitações na legislação de seu estado. Ela e a prima (Talia Ryder) dão um jeito para ir até a cidade grande para fazer o serviço e algumas coisas não saem como o planejado. A missão da diretora Eliza Hittman (do bom Ratos de Praia/2017) é acompanhar esta jornada pessoal intimista de forma quase documental. O roteiro não gasta tempo explicando o que aconteceu para que a garota esteja nesta situação, mas deixa alguma pistas ao longo do caminho (a música que ela canta na escola, a tensão vivida em casa...). Embora não apareça um namorado ou interesse amoroso ao longo da história, o questionário que ela responde na cena título deixa claro que existe algo de errado, mas Autumn não sente-se segura para contar. Hittman é esperta por não fazer um filme panfletário sobre o aborto, mas uma obra que evidencia que existem outros problemas que levam a esta decisão e que recebem menos atenção do que o procedimento em si. Ao final do filme  a sensação é de que ela volta para o que a colocou naquela situação e a preocupação do espectador só aumenta quando os créditos finais sobem. Hittman demonstra aqui mais uma vez a sensibilidade necessária para abordar adolescentes com dilemas sérios, especialmente relacionados ao sexo. É curioso que numa sociedade com tanta informação e tecnologias, dialogar sobre o assuntos relacionados à sexualidade ainda é tabu na maioria das famílias e padecem de análises para além do moralismo no âmbito social. Quando o filme começou a se revelar, temi que ele seguisse os mesmos caminhos que  Romeno  duríssimo 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias (2007), mas ainda bem que segue um caminho oposto e igualmente convincente. Além das temáticas fortes em condução sensível, a diretora também se consagra mais uma vez por trabalhar com jovens atores que são verdadeiros achados, a atuação de Sidney Flanigan é um verdadeiro presente. Introvertida, silenciosa, dolorosa, ela comove sem fazer muito em cena e despedaça nosso coração na cena que dá título ao filme. Premiado com o Urso de Prata no Festival de Berlim deste ano, o filme bem que merecia chamar atenção para além das premiações indies

Nunca Raramente Às Vezes Sempre (Never Rarely Sometimes Always / EUA - 2020) de Eliza Hittman com Sidney Flanigan, Talia Ryder, Sharon Van Etten, Ryan Eggold e Théodore Pellerin. 

terça-feira, 29 de dezembro de 2020

PL►Y: Tenet

 
David e Robert: leite de pedra ao contrário. 

Difícil analisar e classificar Tenet como um fracasso nas bilheterias diante do seu lançamento em 2020. O diretor Christopher Nolan acreditou que os maiores perigos da pandemia mundial já haviam passado e bateu o pé para que seu novo filme fosse lançado nos cinemas no início de setembro. Com orçamento de  cerca de 205 milhões de dólares, o filme arrecadou pouco mais de 57 milhões nos Estados Unidos  (mas ao redor do mundo se pagou com mais de 300 milhões). Se foi pouco em vista ao que era esperado, pelo menos tem a desculpa de que por mais que o público estivesse curioso para ver o novo projeto do diretor de A Origem/2010, o medo de ficar doente era muito maior. Recentemente lançado on demand, chegou a hora de quem não assistiu ver o filme e quem já viu, rever e tentar entender um pouco melhor a história que temos aqui. Se bem que a história é bastante simples: um cara malvado (Kenneth Brannagh) descobre uma tecnologia futurista que consegue reverter o tempo e dois agentes (John David Washington e Robert Pattinson) precisam impedi-lo antes que ele destrua o mundo. O resto são duas horas e meia tentando explicar o inexplicável com alguns momentos dedicados à esposa do vilão (Ellizabeth Debicki) que está presa em um relacionamento abusivo. A ideia de Tenet é bastante interessante, mas sua execução está longe de ser das melhores. Embora todas as ideias de tempo reverso chame a atenção, o filme peca ao tentar construir uma história envolvente. É verdade que o filme tem cenas espetaculares, mas todo o resto é formado por dois personagens andando e falando o tempo todo de forma explicativa. Não sei se ao assistir a este tipo de filme as pessoas querem entender tanto a física do que está acontecendo. Me diga que existe uma tecnologia maluca que faz aquele tipo de coisa que eu já estou satisfeito. Por esta preocupação de ser didático o filme parece emperrado a maior parte do tempo e não ajuda o fato dos personagens serem dotados de uma frieza  quase absoluta. Faz tempo que Nolan é criticado pelos truques narrativos que utiliza, mas para seus fãs isso é puro estilo ao construir filmes inovadores e envolventes, Tenet pode até ser inovador na forma como lida com seus rewinds inseridos na narrativa (em alguns momentos as risadas são inevitáveis) mas é bem menos envolvente do que deveria. Só os momentos reversos não seguram duas horas e meia de filme. Os próprios truques do roteiro sobre a mulher misteriosa que pula do barco, a luta invertida que se explica na segunda parte e o desfecho murchos perdem muito de seu elemento surpresa por já imaginarmos o tipo de artifício que o diretor é capaz de usar. Dá até pena do elenco que tenta tirar leite de pedra com um roteiro que se enrola demais para fingir que tem muita coisa para contar. Tenet é tão pretensioso quanto cansativo e demonstra que Nolan, debaixo de tudo que apresenta aqui, se repete. Por tudo isso e por ter muito da estrutura de A Origem, o filme é a minha maior decepção do ano.  

Tenet (EUA-Reino Unido / 2020) de Christopher Nolan com John David Washington, Robert Pattinson, Ellizabeth Debicki, Kenneth Brannagh e Martin Donovan. ☻☻

FAVORITOS DA TV - 2020

Em um ano tão estranho como 2020, o entretenimento ganhou um patamar ainda mais especial ao nos fazer companhia durante os períodos de isolamento social. Embora muitos de nossos programas favoritos tenham sido adiados por conta do Covid-19, houve aqueles que me fizeram companhia e estes são os meus favoritos do que assisti durante esta surpreendente volta em torno do sol:

MELHOR COMÉDIA

ATRIZ DE COMÉDIA

ATOR DE COMÉDIA

ATRIZ COADJUVANTE 

ATOR COADJUVANTE

ATRIZ DE DRAMA

ATOR DE DRAMA

MELHOR DRAMA

segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

Na Tela: Mulher Maravilha 1984

Gal Gadot: quarta vez na pele da super-heroína

Na guerra entre Marvel e DC nos cinemas, o primeiro filme da Mulher Maravilha surgiu como a esperança de que as coisas poderiam entrar finalmente voltar aos eixos para Batman e sua turma na tela grande. De lá para cá muita coisa aconteceu, o aguardado filme da Liga da Justiça não fez o sucesso esperado, já a aventura solo de Aquaman fez um enorme sucesso, Ben Affleck foi descartado como novo Batman (e foi substituído por Robert Pattinson), o Coringa recebeu o Leão de Ouro em Veneza (e rendeu o aguardado Oscar de melhor ator para Joaquin Phoenix) enquanto Arlequina voltou às telas pouco antes da pandemia com Aves de Rapina. Enquanto o Esquadrão Suicida ganhará uma repaginada e o Snyder Cut deixou de ser uma lenda urbana e se torna um atrativo para a HBOMAX nos Estados Unidos (com seu lançamento previsto para setembro do ano que vem). No meio de tantas mudanças, a diretora Patti Jenkins estava confortável com a segurança garantida pelo primeiro filme da personagem, tanto que ela ganhou muito mais liberdade para executar esta sequência que alcançou grande expectativa para sua estreia nos cinemas (falando em HBOMAX, ainda gerou uma pendenga com a disponibilização do filme na plataforma enquanto ainda era exibida nos cinemas, mas logo se resolveu e a terceira parte já começa a ganhar forma após o filme se tornar o mais visto na reabertura dos cinemas). Celebrado em seu lançamento Mulher Maravilha1984 tem sofrido algumas críticas recentes pelo desenvolvimento do roteiro que está longe de ser o trivial neste tipo de filme. Aqui ele mergulha ainda mais na fantasia e gira em torno de um cristal capaz de realizar os desejos de qualquer pessoa, o que logo desperta o interesse do charlatão Maxwell Lord (Pedro Pascal que se diverte muito no papel). Ele só não se torna o vilão mais interessante da história por conta da presenta de Barbara Minerva (Kristen Wiig, excelente) como a acanhada colega de trabalho de Diana Prince (Gal Gadot) que nem suspeita que ela é a super-heroína. Barbara pede ao cristal que seja tal e qual sua amiga e ela mal sabe no que está se metendo. Wiig tabalha muito bem a transição da personagem que se torna mais atraente, segura, mas que perde muito da sua empatia pela humanidade que sempre a achou uma pessoa sem graça. A forma como aspira sua nova persona e sente-se atraída pelo cada vez mais poderoso Maxwell Lord, confere uma tensão bastante sexual no filme. Quem viu o primeiro filme imagina qual foi o pedido que Diana faz ao cristal, já que desde então vive solitária em seu trabalho com antiguidades e combatendo o crime nas horas vagas. Ela pede seu amado Steve Trevor (Chris Pine) de volta nos seus braços - e, de certa forma, é atendida. Com tanta coisa para resolver, o filme deixa as cenas de ação um tanto de lado, mas quando as exibe elas são bem trabalhadas ao mostrar uma Mulher Maravilha cada vez mais imponente perante um mundo que entra em colapso com todos os desejos sendo atendidos. Nasce daí uma mensagem interessante no filme, afinal, se cada um fizer o que bem entende o convívio social está completamente comprometido. Não por acaso o filme está ambientado em 1984, este caos tem efeito desastroso na Guerra Fria, na briga por petróleo e o filme patina um pouco ao lidar com estas questões políticas sem muita profundidade, aparecendo somente para exibir um mundo sob risco de destruição total. Esta nova aventura parece realmente um filme dos anos 1980, com sua trama um tanto ingênua e um capricho visual que parece realmente filmado naquela época (e as piadas com os figurinos entram neste pacote), mas gira em torno de um tema bastante atual sobre o individual em choque com o coletivo. Particularmente gostei mais da ideia desta continuação do que o anterior (pelo menos até a forma um tanto desconjuntada como tenta amarrar tudo em seu último ato). Com seus vilões cheios de percepções distorcidas e convicções tortas, mas ainda assim atraentes cada um à sua maneira. Mulher-Maravilha1984 ousa e paga pelo preço de sua ousadia de não se render a ser uma cópia da cartilha Marvel ao levar um filme de herói para as telas e, por isso mesmo, merece reconhecimento por não querer ser mais do mesmo.  

Mulher Maravilha 1984 (Wonder Woman 1984 - EUA/2020) de Patti Jenkins com Gal Gadot, Kristen Wiig, Pedro Pascal, Chris Pine, Connie Nielsen, Robin Wright, Gabriella Wilde e Kristoffer Polaha. ☻☻

domingo, 27 de dezembro de 2020

#FDS Feliz: Soul

 
Joe (Jamie Foxx): a vida a morte e suas surpresas. 

Fosse lançado em um ano normal, a animação Soul (da Disney com alma da Pixar) se tornaria um grande sucesso de bilheteria e se tornaria o filme mais querido da temporada. Faturaria milhões ao redor do mundo com as férias da garotada e os pais que adorariam ver o filme sob a desculpa de levar os filhotes para se divertirem. Mas num ano estranho como 2020, ele se contenta em ser o carro chefe da chegada do streaming Disney Plus no Brasil e, convenhamos, que muita gente assinará o serviço pela curiosidade de ver um desenho que fala sobre a vida após a morte. No campo da animação o tema não chega a ser novidadem já que Festa no Céu (2014) e o Oscarizado Viva! - A Vida é uma Festa (2017) já beberam nesta fonte já experimentada por A Noiva Cadáver (2005) em outros tempos. A grande diferença é que Soul é assinado por Pete Docter, a mente criativa por trás de Up (2009) e Divertida Mente (2015) que reimagina esta proposta com idas e vindas a mais. No entanto, embora algumas pessoas já vinculem à trama ao espiritismo, vamos acordar que trata-se de uma fantasia que brinca com o plano espiritual, a vida após a morte, além de amizade, redenção e segunda chance. Portanto, não esperem que eu vá discutir referências religiosas no filme. Soul conta a história do pianista Joe (voz de Jamie Foxx), que sempre quis seguir carreira na música, mas acabou se tornando professor em uma high school americana. Diante dos seus alunos desanimados, as coisas parecem mudar quando ele é convidado para tocar em uma banda  que se apresenta em clubes de jazz e aí acontece um golpe do destino que terminaria sua vida ali. Joe se recusa à ir para o chamado Além Vida e termina numa espécie de Escola da Vida para educar almas novatas que estão prestes a chegar à Terra. Ele acaba sendo confundido com o mentor que será responsável por preparar 22 (voz de Tina Fey), uma alma rebelde que não faz muita questão de aprender algo que possa ajudar em sua vida na Terra, mas um acidente irá coloca-los juntos por mais tempo do que imaginam. Soul constrói então uma aventura cheia de etapas e reviravoltas envolvendo os dois personagens que se ajudarão a mudar a forma como cada um deles percebe a vida na terra. Se contar muito estraga as surpresas que o filme reserva para o espectador, mas vale a pena dizer que o visual da animação é de cair o queixo na composição dos ambientes do filme, da estética urbana de traços super definidos ao ambiente do outro mundo mais etéreo com traços e cores mais leves. Docter já demonstrou ser especialista nesta mistura de estilos na construção de ambientes distintos que existem somente na sua imaginação, aqui ele acerta mais uma vez na construção de uma história ousada e diferente, embora eu enxergue algumas semelhanças com sua obra-prima Divertida Mente aqui e ali. Apesar de abordar temas pesados como frustração e morte, o filme consegue ser bastante divertido na abordagem destes temas e sabe o momento certo de comover a plateia. Soul desponta como o grande favorito para o Oscar de animação e talvez consiga até uma vaga entre os indicados ao prêmio de melhor filme (a vaga em roteiro original já está garantida, mas eu também gostaria de vê-lo na categoria de melhor direção, já que mais uma vez Pete Docter transita em vários gêneros em uma animação com grande eficiência). Soul não desafina em suas guinadas e mostra mais uma vez que quando a Pixar acerta, ela arrasa!

Soul (EUA-2020) de Pete Docter com vozes de Jamie Foxx, Tina Fey, Alice Braga, Graham Norton, Richard Ayoade, Angela Bassett e Margo Hall. ☻☻

sábado, 26 de dezembro de 2020

#FDS Feliz: On The Rocks

 
Rashida e Bill: detetives nada discretos. 

Laura (Rashida Jones) é uma escritora que vive ocupada com a casa e suas duas filhas na cidade de Nova York. Seu esposo, Dean (Marlon Wayans) anda bastante ocupado com a ampliação de seus negócios e não lhe dá mais a mesma atenção de antes. Eis que um dia ela fica desconfiada do comportamento dele e começa a suspeitar que ele tem uma amante, no caso Fiona (Jessica Henwick) que passa mais tempo perto dele do que a própria Laura. Para piorar, ela conta as suas impressões para o pai, Felix (Bill Murray), um bon vivant endinheirado que resolve desmascarar o esposo da filha. Esta é a história do novo filme se Sofia Coppola que foi produzido para a Apple TV e o resultado é o filme mais despretensioso da diretora e, ao mesmo tempo, mostra-se o mais convencional também. Rashida Jones até convence de que sua personagem é uma mulher comum, pelo menos até percebermos que seu pai come caviar no carro, frequenta restaurantes chiques e viaja para o México como se fosse comprar um pão ali na esquina. Sofia Coppola apresenta aqui uma história sobre personagens sem problemas financeiros e que gravitam na alta roda de Nova York, mas não soa artificial nesta construção, uma vez que a diretora conhece bastante este meio. A trama e a graça giram em torno das diferenças entre pai e filha, que se amam, mas tem maneiras muito diferentes de enxergarem o mundo. A maioria das falas de Felix são compostas de falas antiquadas, em sua maioria machistas, que aos poucos fermentam aos ouvidos de sua filha até que ela não aguente mais e lhe diga algumas verdades sobre uma verdadeira mancha no relacionamento dos dois. Nem precisa dizer que Bill Murray está bastante confortável neste personagem que marca seu reencontro com Sofia, responsável por sua atuação mais elogiada em Encontros e Desencontros/2015 . Este novo trabalho gerou grande torcida para que o ator seja lembrado nas categorias de coadjuvante nas premiações que se aproximam), mas convenhamos que ele não faz nada muito diferente do que já fez (mas faz tão bem que a gente nem liga).  É ele que segura o filme quando ele perde o ritmo e se torna um tanto repetitivo em sua "brincadeira de detetive" que promove uma reconexão entre pai e filha. Há de se destacar também o bom trabalho de Marlon Wayans em um personagem simpático e dotado de certa ambiguidade para que a história mantenha certo suspense até o final. Eu não consigo parar de pensar que a escalação do ator é efeito direto das duras críticas feitas à diretora por uma filmografia sem trabalhos com atores negros, aqui ela coloca vários coadjuvantes de várias etnias, o que confere maior autenticidade à cidade mais globalizada dos EUA (apresentada como um lugar em que os personagens estão sempre com pressa para chegar a algum lugar). Embora On The Rocks não é realizado para ser levado muito a sério (afinal, quem espiona os outros dirigindo um conversível vermelho?), seus diálogos tocam em um ponto interessante sobre a forma como direcionamos nosso olhar para comprovar o que suspeitamos (obviamente que o roteiro também é cheio de pegadinhas para confundir Laura e o espectador), mas se você não exigir muito verá que ele é divertido em sua proposta e renderia uma ótima Sessão da Tarde feita com o capricho estético de sua diretora.  

On The Rocks (EUA-2020) de Sofia Coppola com Rashida Jones, Bill Murray, Marlon Wayans, Jessica Henwick, Jenny Slate e Lyianna Muscat. ☻☻

sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

#FDS Feliz: Emma

Anya e Johnny: nova versão de clássico de Jane Austen. 

Este ano foi difícil, tenso e sombrio para o mundo em geral, por isso no último #FDS do ano resolvi dedicar espaço para filmes mais leves e bem-humorados. Aproveito também para comentar alguns filmes que ficaram pelo caminho neste ano atípico e que merecem destaque no ano que passou. Vou começar com esta nova versão da obra da cultuada escritora inglesa Jane Austen, Emma. (assim mesmo com ponto no final) que entrou em cartaz no início do ano pouco antes dos cinemas serem fechados por conta da pandemia. Muita gente ainda deve lembrar da adaptação que o livro recebeu em 1996 estrelado por Gwyneth Paltrow e dirigido por Douglas McGrath e principalmente da releitura feita um ano antes em As Patricinhas de Beverly Hills da cineasta Amy Heckerling com Alicia Silverstone. Para estes o que vemos aqui talvez traga duas novidades que podem causar estranhamento, mas que são aspectos bem fiéis ao livro. Para começar a Emma desta versão é menos simpática que as vistas anteriormente, mas no próprio livro, embora a personagem seja bastante esperta e articulada, ela está longe de ser uma miss simpatia. Vivida por Anya Taylor-Joy, Emma tem um jeito adolescente ainda mais evidente, especialmente pelo seu jeito de estabelecer o que deve ser feito por quem está ao seu redor. Com esta postura ela fica tão preocupada em citar o rumo para a vida dos outros (especialmente no quesito amoroso) que esquece de perceber seus próprios sentimentos e perceber que o amor pode estar mais perto do que imagina. No entanto, o filme nunca se contenta em ser uma comédia romântica, deixando os comentários sociais sobre os preconceitos do período bastante evidentes. Neste ponto, Anya acerta nas notas mais simpáticas e mais ácidas da personagem, especialmente quando ela tem aquela passagem clássica em que demonstra o quanto debaixo de seus sorrisos pode haver realmente uma menina esnobe. Faz parte da evolução da personagem perceber os sentimentos de quem está ao seu lado e sofrer um pouco por isso, sendo um trunfo do filme conseguir fazer isso com leveza e bom humor sem soar frívolo. Claro que existem uma penca de confusões amorosas no caminho e elas envolvem sua amiga Harriet (Mia Goth), o religioso Mr. Elton (Josh O'Connor, o Príncipe Charles de The Crown), o cobiçado Frank Churchill (Callum Turner), a estimada Jane Fairfax (Amber Anderson) e até mesmo seu tutor, Mr. Knightley (Johnny Flynn) - o outro ponto que deve causar estranhamento nesta versão. Sr. Knightley aqui está bem longe de ter pinta de galã, tendo que apresentar outros predicados para ganhar a torcida da plateia (e não me refiro aquela cena em que ele aparece como veio ao mundo em suas primeiras cenas no filme que evidencia uma sensualidade aguçada sempre contida). Cavalheiresco e um tanto áspero, Flynn consegue se impor cada vez mais como a voz da consciência de Emma enquanto ele mesmo se embaralha nas próprias emoções. Este é o o longa de estreia da americana Autumn de Wilde, que  opta por um humor refinado, cheio de ironias e gracinhas em torno da percepção de Emma sobre o mundo ao seu redor. Renomada fotógrafa com vários trabalhos na direção de vídeos e curtas, Autumn também capricha no visual do filme. Figurinos, cenários e fotografia são impecáveis e devem aparecer nas premiações que se aproximam. É verdade que ela se embola um pouco na apresentação dos seus vários personagens nos minutos iniciais, mas o filme nunca deixa de ser agradável de acompanhar. Longe de parecer pomposo ou repetir o que já foi realizado nas outras adaptações da autora, Emma. consegue ter personalidade própria e conquista o espectador justamente pelas ambiguidades de sua protagonista ainda em crescimento. Escrito em 1815, o romance de Jane Austen prova que ainda tem muito a dizer sobre relações humanas.  

Emma. (Reino Unido - 2020) de Autumn de Wilde com Anya Taylor Joy, Johnny Flynn, Bill Nighy, Mia Goth, Josh O'Connor, Rupert Graves, Callum Turner, Amber Anderson e Oliver Chris. ☻☻☻

NªTV: O Gambito da Rainha

 
Anya: prodígio do xadrez. 

Trabalhando de frente para a tela do computador quase o dia inteiro no home office, faz de acompanhar uma minissérie algo pouco atrativo. Foi por este motivo que demorei para assistir O Gambito da Rainha. Vi o primeiro episódio, mas a vista estava tão cansada que parei por ali. Só retomei esta produção da Netflix algumas semanas depois, quando o programa já havia se tornado a minissérie mais vista na história da plataforma. Criado por Scott Frank e Allan Scott (a partir do livro de Walter Tevis) e filmado com tanto requinte, a minissérie fez com que muita gente imaginasse que era baseado na história real da primeira grande enxadrista mundial, mas trata-se de uma obra de ficção. Beth Harmon nunca existiu, mas o formato da série que conta a história dela desde a infância de criança órfã até o sucesso da vida adulta segue direitinho a cartilha das biografias para construir este efeito (incluindo os personagens que entram e saem da trama sem motivos aparentes, tal e qual ocorre na vida real). Sem dúvida o grande trunfo da produção é a atuação de Anya Taylor-Joy, a jovem prodígio revelada em A Bruxa (2015) faz bonito mais uma vez e mostra seu empenho de se tornar uma das melhores atrizes de sua geração. Na pele de Beth Harmon ela sabe ser elegante, deslocada e complexa ao mesmo tempo em que transpira inteligência e astúcia. Beth aprendeu a jogar xadrez com o zelador do orfanato (Bill Camp) em que vivia e sempre esteve atenta não apenas para ser melhor do que seu oponentes, mas, principalmente, superar suas próprias limitações. Quando foi adotada pelo casal Wheatley, ela está bem longe de ser a garota convencional que esperavam, especialmente pelo seu interesse pelo xadrez. Nesta família, embora o pai (Patrick Kennedy) faça questão de ser sempre distante, aos poucos, Beth percebe em sua mãe (a diretora Marielle Heller, em um trabalho excepcional) uma forte aliada em sua escalada mundial rumo ao topo dos campeonatos de xadrez (especialmente quando a mamãe percebe o montante de dinheiro que podem receber por isso). Ambientado nos anos 1960 com reconstituição de época feita no capricho, O Gambito da Rainha por vezes recebe a áurea de novela com os dramas e interesses amorosos de sua personagem, além da pouca profundidade na abordagem do alcoolismo da personagem, mas nada que Anya não compense com seu olhar exótico e sua disposição de tornar Beth Harmon uma personagem bastante realista. Trocando temas criminais por jogos de xadrez (sempre bem conduzidos), O Gambito da Rainha ousa ao focar num pano de fundo um tanto arriscado para a maioria do público, mas acerta ao construir uma aura bastante verossímil sobre este universo tão particular. 

O Gambito da Rainha (The Queen's Gambit / EUA-2020) de Scott Frank e Allan Scott com Anya Taylor Joy, Marielle Heller, Bill Camp, Thomas Brodie-Sangster, Harry Melling, Isla Johnston, Marcin Dorocinski e Patrick Kennedy. 

PL►Y: O Céu da Meia-Noite

Clooney: arrependimentos no fim da Terra. 

Em 2006 George Clooney passou a ser levado a sério em Hollywood. Além de ver Boa Noite e Boa Sorte, seu segundo filme como diretor ser indicado a seis Oscars (incluindo filme, direção e roteiro) ele ainda levou para casa o Oscar de ator coadjuvante por um filme que quase ninguém lembra (Syriana). A partir dali, a crítica passou a exigir muito mais de Clooney não apenas como ator, mas especialmente como diretor. Parte das críticas recebidas por O Céu da Meia-Noite tem relação com esta régua alta com que observamos os filmes assinados por ele, afinal, o filme tem ambições óbvias que a faz ser lançada no período de premiações pela Netflix, mas que não devem prejudicar a apreciação do que o filme tem a oferecer. Ainda que não seja brilhante ou inesquecível, o filme funciona como uma história de arrependimento e redenção, o que confere ao filme uma melancolia que deve causar estranhamento nos fãs de ficção científica, mas que Clooney consegue trabalhar bem em sua primeira experiência com este tipo de filme.  O filme é ambientado em 2049 e conta a história de Augustine (Clooney), um cientista que num mundo pós-apocalíptico vê o planeta Terra ser aos poucos despovoado por conta de uma catástrofe. Ele trabalha em uma base no ártico e serve de guia para astronautas que estavam em expedições pelo universo. Doente e solitário, ele relembra de fatos do seu passado e se vê ao lado de uma menina silenciosa que também foi deixada para trás. Juntos eles vão enfrentar desafios para sobreviver naquele ambiente congelante enquanto um grupo de astronautas tenta regressar para um planeta condenado com a boa notícia de que uma lua de Júpiter tem condições de ser habitada. Baseado no livro de Lilly Brooks-Dalton o maior desafio do filme é ser fluente com as três linhas narrativas que cria para si em nome da fidelidade à obra literária. Aqui vemos não apenas a rotina de Augustine no meio do gelo, como também cenas do seu passado e momentos com os astronautas enfrentando momentos tensos no espaço. A costura destes três momentos nem sempre funciona como deveria, já que produzem quebras narrativas no que deveria ser o aumento gradativo da história - e  no meio de tudo isso existe uma espécie de surpresa no final que os mais escolados descobrirão logo no início (se já não mataram a charada no trailer mesmo, assim como eu) o que pode diminuir o impacto do filme. Particularmente gostei muito de ver um George Clooney envelhecido em uma atuação intimista por aqui, o que não é pouca coisa. Entre os astronautas o maior destaque fica para Felicity Jones que descobriu estar grávida pouco antes das filmagens e que teve o bebê incorporado à trama como uma espécie de mensagem esperançosa diante do caos. No fim das contas, O Céu da Meia-Noite é isso mesmo, num ano tão perigoso quanto 2020 o filme teve realmente a sorte de ter suas filmagens concluídas antes do início da pandemia. Outro ponto positivo do longa são os efeitos especiais - que provam que Clooney aprendeu muito com seu trabalho curtinho em Gravidade (2013) de Alfonso Cuarón. Misturando alguns elementos que já assistimos antes, dificilmente o filme aparecerá em listas de favoritos do ano, mas está longe de ser desastroso ou irrelevante. 

O Céu da Meia-Noite (The Midnight Sky / EUA - 2020) de George Clooney, com George Clooney, David Oyelowo, Caoilinn Springall, Demian Bichir, Tiffany Boone e Kyle Chandler. 

terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Pódio: Chadwick Boseman

Bronze: o herói africano.
3º Pantera Negra (2018) O Primeiro filme de super-herói a ser indicado ao Oscar de Melhor Filme pode não ter levado o grande prêmio para casa, mas estabeleceu o personagem entre um dos mais populares da Marvel. A produção fez sucesso em todo o mundo e motivou debates em todo canto sobre representatividade nas telas embalado por uma estética irrepreensível. A carreira de Chadwick Boseman chegou em outro patamar com seu trabalho imponente na pele de T'Challa, rei de Wakanda. O filme fala de política, cultura, luta pelo poder e orgulho de suas origens com uma propriedade incomum neste tipo de produção. Infelizmente o falecimento do ator deixou uma névoa sobre a continuação desta pérola do universo Marvel. 

Prata: o músico turbulento.
2º A Voz Suprema do Blues (2020) Na pele do músico Leeve, Chadwick tem a chance de demonstrar que pode dar conta de personagens mais sombrios. Ambientado em um calorento dia de 1927, o filme conta o encontro de personagens que estão prestes a gravar uma música. O problema é que alguns conflitos começam a aparecer em meio às lembranças sobre racismo, violência e o que é necessário para sobreviver em um mundo marcado pela intolerância. Chadwick está magnético em cena e embora comece a sessão em tom de simpatia, aos poucos, os traumas de seu personagem começam a se impor. São essas camadas que podem render um Oscar póstumo para o ator nesta produção que já está em cartaz na Netflix. 

Ouro: o pai do soul.

1º Get on Up (2014) Embora tenha começado a carreira em 2003, demorou nove anos até que a crítica começasse a ficar atenta ao que o ator fazia. Foi personificando o ícone James Brown que o ator demonstrou sua versatilidade ao captar a essência do pai do Soul. Embora o filme pareça uma colagem de vários episódios marcantes na vida do cantor, a atuação de Chadwick Boseman é o que dá liga ao filme com seu carisma, força e uma essência elétrica que é puro James Brown. Ainda que o sucesso do filme tenha sido modesto, o ator ficou na mira de algumas premiações e se tornou um dos nomes mais promissores do cinema americano.

PL►Y: A Voz Suprema do Blues

 
Chadwick (ao fundo) e Viola: encontro de talentos. 

Produzido pela Netflix de olho nas premiações de fim de ano, o filme A Voz Suprema do Blues entrou em cartaz na semana passada e demonstrou fôlego para cravar indicações nas categorias de atuação. Se existia um certo favoritismo em torno de Viola Davis no páreo de melhor atriz, o lançamento do filme deixou claro que Chadwick Boseman deve receber uma indicação póstuma. Falecido recentemente após uma batalha silenciosa contra o câncer, o eterno Pantera Negra encontra aqui sua grande chance der ser reconhecido nas premiações. A sensação de que ele partiu cedo demais se intensifica ainda mais diante de seu trabalho marcante na pele do músico Levee que junto com outros artistas negros se junta para a gravação em estúdio de uma música na escaldante Chicago de 1927. Embora a grande estrela do grupo seja a lendária Ma Rainey (Viola Davis), que moldou o jeito de cantar blues de nove entre dez cantoras que surgiram depois dela, Leeve ganhou notoriedade por criar um arranjo mais animado para o hit Ma Rainey's Black Bottom (título que dá nome original ao filme). No entanto, Ma considera este novo formato uma verdadeira afronta à sua música e se recusa a gravar a nova versão. Este é apenas um dos pontos de tensão da premiada peça de August Wilson (também autor de Um Limite Entre Nós/2016 que rendeu o Oscar de coadjuvante para Viola). Aqui o autor aproveita o calor deste encontro para costurar a história pessoal de seus personagens que giram em torno da música, mas compartilham relatos sobre  comportamento, preconceito, violência e fé. Os diálogos são fortes e tratados de uma forma um tanto áspera pelo diretor George C. Wolfe que não consegue esconder que está filmando uma peça. Talvez se houvesse utilizado recursos de flashback e uma câmera mais esperta, seu filme não ficaria com cara de teatro filmado a maior parte do tempo. A sorte é que Viola Davis está ótima em uma personagem bem diferente das que costuma encarnar, com uso de enchimento para simular que está acima do peso, dentes irreconhecíveis, um jeito de falar e andar que já demonstram um certo cansaço de ter que gritar para ser ouvida numa sociedade dominada por homens brancos. Não há dúvidas de que Viola é uma estrela com generosidade suficiente par dividir o brilho do roteiro com Chadwick que ganha destaque desde a primeira cena em que já apresenta um homem talentoso, ambicioso, mas assombrado pelo passado. A Voz Suprema do Blues vale pelo trabalho de seus atores e pelo roteiro que cresce em tensão como se cozinhasse seus personagens numa panela de pressão (e o suor constante sempre enfatiza isso), no entanto,  a direção nem sempre consegue acompanhar os ótimos recursos que tem em mãos. Irregular em sua execução, A Voz Suprema do Blues traz um comentário social que transcende os tropeços de sua transição para o cinema e pode surpreender no Oscar do ano que vem. 

A Voz Suprema do Blues (Ma Rainey' Black Bottom / EUA - 2020) de George C. Wolfe com Viola Davis, Chadwick Boseman, Colman Domingo, Glynn Turman, Michael Potts e Jeremy Shamos. 

domingo, 20 de dezembro de 2020

PL►Y: La Vingança

 
Felipe e Daniel: rumo à Argentina. 

De vez em quando eu fico seco a para ver uma comédia para espairecer, mas confesso que talvez este seja o gênero que sou mais exigente na hora de escolher ou assistir. Fugindo de baixarias e apelações, sobra pouco para assistir no gênero que baixou bastante o nível nos últimos anos para arrancar risadas a todo custo da plateia. Eis que encontrei na Netflix esta comédia nacional que merecia um pouco mais de reconhecimento ao se construir como uma road movie diferente e divertido. Desde a cena inicial, o filme já deixa claro que seu humor quer ser um pouco mais elaborado do que a maioria das comédias que vemos por aí, já que começa com o protagonista se atirando de um prédio após receber uma mensagem perigosa da namorada. Calma, o filme não começa com um suicídio (que está longe de ser um tema engraçado), Caco (Felipe Rocha, um ator que gosto muito, mas quase não filma)  é dublê e está prestes à pedir a namorada (Leandra Leal) em casamento, mas descobre que está sendo trocado por um argentino.  Assim, o que era para ser o momento mais romântico de sua vida, ganha cores bastante dramáticas. Afogando as mágoas com o amigo Vadão (Daniel Furlan), ele acaba enchendo a cara e acorda num Opala rumo à Argentina por conta de promessa besta feita de cara cheia. Enquanto Caco tenta fazer o amigo desistir da maluquice de ir ao país vizinho para se vingar transando com todas as mulheres argentinas que ver pela frente. Diante desta premissa tosca, o filme deixa o sexo um tanto de lado e se dedica a brincar com as situações em que os dois amigos se metem no decorrer da viagem. Situações que chegarão ao ponto de colocar a amizade dos dois à prova. Se Caco é mais contido e fica remoendo as dores da separação, Vadão está mais preocupado em curtir - e dá a chance de Daniel Furlan (que ficou famoso com a trupe do Choque de Cultura) repetir mais uma vez seu personagem de sempre. Fica a cargo de Vadão dar voz a um bando de absurdos dito com a convicção de quem acredita plenamente no que está dizendo (aquela da cueca podendo ser usada de quatro formas diferentes se torna um verdadeiro clássico da porqueira masculina). Entre as paisagens variadas e os personagens que enriquecem a viagem dos amigos, sobram piadas sobre a rivalidade entre Brasil e Argentina. Seja discutindo Pelé ou Maradona, ou debochando dos estereótipos, La Vingança faz troça da dor de cotovelo, dos revezes dos relacionamentos amorosos e da postura masculina diante do amor e do sexo (já que os dois amigos lidam com estes dois pontos de forma completamente oposta), mas o melhor de tudo é que consegue ser um filme ágil, esperto e engraçado. 

La Vingança (Brasil - Argentina/2016) de Fernando Fraiha com Felipe Rocha, Daniel Furlan, Leandra Leal, Ana Pauls, Adrián Navarro, Aylin Prandi e Gastón Ricaud. ☻☻ 

.Doc: As Mortes de Dick Johnson

Dick e seus amigos no paraíso: entre o real e o delírio. 

 Aparecendo em algumas listas de melhores filmes do ano (e em breve divulgarei a minha também) está o documentário As Mortes de Dick Johnson em cartaz na Netflix. O filme foi exibido no Festival de Sundance e chamou atenção pela forma curiosa encontrada pela cineasta Kirsten Johnson para lidar com a fantasmagórica sensação de que seu pai morreria algum dia. É verdade que a morte é a única certeza de todos nós, mas de fato não é algo que pensamos com muito carinho ou ansiosos para que ela chegue. Kirsten deixa bem claro desde o início que não imagina como a vida seria sem a companhia do seu pai e resolveu fazer uma espécie de terapia cinematográfica para lidar com isso. O resultado é um filme que fala sobre vida e morte de uma forma terna, bem humorada e bastante sensível, de forma que o que poderia ser uma proposta de extremo mal gosto, se revela uma obra pessoal e emocionante graças ao seu tom espirituoso e outras curiosidades que aparecem pelo caminho. No início somos apresentados a Richard C. Johnson, um psiquiatra  que com o passar do tempo percebeu que sua vida não é mais a mesma. Diagnosticado com Alzheimer a filha decidiu leva-lo para morar com ela em Nova York e diante do acompanhamento diário da deterioração mental de seu pai, ela resolveu documentar uma espécie de despedida diante do inevitável. Longe de ser sombrio ou humilhante, o filme é bastante sensível ao construir uma narrativa multifacetada com memórias da cineasta, cenas do cotidiano daquela família e... simulações da morte do simpático Dick. Ele tropeça em escadas, se acidenta em uma obra ou é atingido por um  ar-condicionado para posteriormente ser visto no paraíso reencontrando a esposa ou tomando chocolate ao lado de Frida Kahlo e Freud (vividos por pessoas com rostos de papel). Depois descobrimos como estas cenas são construídas pela cineasta e sua equipe (com destaque para o trabalho de dublês e o trabalho de edição), alcançando um resultado que parece um verdadeiro presente de despedida para o pai que curte aquele processo criativo e em certo momento admite que sempre quis ser ator. As Mortes de Dick Johnson revela sua alma ao demonstrar que é mais do que uma farsa ou uma reflexão diante da morte, mas uma espécie de enganação ao destino perante a ressurreição de seu protagonista, mas também pelo registro deste homem comum que se torna fascinante pelas lentes de sua filha que o eterniza em uma tela. É mais do que um filme sobre a morte, é um filme sobre o amor. 

As Mortes de Dick Johnson (Dick Johnson is Dead / EUA - 2020) de Kirsten Johnson com Jack C. Johnson, Kirsten Johnson, Michael Hilow e Ana Hoffman. ☻☻ 

4EVER: Nicette Bruno

 
07 de janeiro de 1933 ✰ 20 de dezembro de 2020

Nicette Xavier Miessa nasceu na cidade de Niterói no Rio de Janeiro no ano de 1933. Filha da atriz Eleonor Bruno, Nicette adotou o sobrenome materno para sua carreira artística que teve início quando ela tinha doze anos numa montagem de Romeu e Julieta. Criada em uma família de muitos artistas, Nicette foi incentivada por seus parentes a seguir o mesmo caminho. Foi no teatro que ela conheceu seu futuro esposo, o também ator Paulo Goulart em 1952. Dois anos depois eles se casaram e se tornaram um dos casais mais sólidos do entretenimento brasileiro. Os dois tiveram três filhos (Beth Goulart, Bárbara Bruno e Paulo Goulart Filho) que também seguiram a profissão dos pais. Reconhecida nacionalmente por mais de uma centena de trabalhos nos palcos, na televisão e no cinema, Nicette era famosa por seu carisma e otimismo. Um dos seus trabalhos mais marcantes na televisão foi como Dona Benta na última versão do Sítio do Pica-Pau Amarelo. A atriz ficou viúva em 2014 e faleceu recentemente em decorrência do vírus Covid-19.  

sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

PL►Y: Matando Deus

 
Emilio Gavira: Deus?

Sei que muita gente se incomoda quando filmes brincam com figuras divinas, assim como muitas pessoas se incomodam quando pessoas criticam este tipo de filme, mas particularmente se um filme for bom ou for ruim, ele terá que pagar o preço das críticas de sua existência. Sempre que vejo Deus em uma obra eu lembro de Nietzsche quando ele afirma que "o homem, em seu orgulho, criou Deus à sua imagem e semelhança", afinal, pode se dizer que uma obra retrata uma impressão que aquele autor tem de seu criador (se é que ele acredita em algum). De certo modo é esta impressão que me instiga a ver este tipo de filme, geralmente ela fala muito pouco do Deus vinculado à religião ou à criação da humanidade, mas fala da percepção de alguém tem sobre Ele. Se você não curte isso, passe longe dos filmes que giram em torno desta temática, mas se você acha que vale a pena como exercício criativo o filme espanhol Matando Deus é um filme interessante pela provocação que instaura. A ideia de um filme de fim de ano está lá, com  a presença de um sem teto (Emilio Gavira) que se apresenta como Deus ao usar o banheiro na casa de uma família que se prepara para celebrar o ano novo. Na primeira parte somos apresentados à família que tem lá os seus problemas, Santi (David Pareja), o filho mais novo ainda se recupera do fim do seu namoro, o casal anfitrião Ana (Itziar Castro) e Carlos (Eduardo Antuna) ainda estão digerindo as suspeitas de um adultério por parte dela e o patriarca (Boriz Ruiz) está com a saúde cada vez pior. Eis que quando este visitante surpresa se apresenta a estes personagens, ele deixa claro quais são seus planos para o ano que se inicia: ele matará todas as pessoas do mundo e aquele quarteto comum terá que escolher quais são as duas pessoas que sobreviverão ao fim da humanidade. No início eles não levam muito à sério aquela proposta, mas o visitante logo dá um exemplo dos seus poderes divinos e eles começam a analisar quem seria digno de sobreviver sem a companhia dos demais. As reflexões dos personagens compõem o segundo ato do filme e compõe a melhor parte da proposta com as indagações que surgem, questões relacionadas ao lazer, à idade, à família, ao amor, ao dinheiro começam a tomar o centro da discussão. Além de instigar o público a pensar no que faria em uma situação daquelas, chama a atenção a presença de um deus ameaçador, irônico e cruel, bem diferente da impressão que a maioria das pessoas teria (e Ana sempre destaca isso nos rumos da história), diante de um personagem tão tirano fica fácil entender a drástica medida que resolvem tomar, no entanto, as consequências serão sérias e podem até soar surpreendentes, mas coerentes com o que vimos até o desfecho. Se por um lado Matando Deus pode soar como uma brincadeira desrespeitosa, por outro lado fica mais interessante ao representar como a figura de um Criador tirano se choca à ideia de um Deus que prega o amor ao próximo, a compaixão e o amor entre os mortais. Apesar do tom provocador bem humorado, Matando Deus tem um desfecho sombrio e coloca a humanidade face a face com a morte e não adianta acreditar se de fato aquele barbudo era Deus ou não para mudar a finitude. 

Matando Deus (Matar a Dios / Espanha - 2017) de  Caye Casas, Albert Pintó com Emilio Gavira, David Pareja, Itziar Castro, Francisc Orella, David Pareja e Boris Ruiz. ☻☻

domingo, 13 de dezembro de 2020

PL►Y: O Mistério de Silver Lake

 
Andrew: um desocupado e suas teorias conspiratórias. 

No terror A Corrente do Mal (2014) o americano David Robert Mitchell fez bonito ao fugir do óbvio chamando atenção do público, da crítica e das premiações pela forma ousada com que contava a história de uma maldição sexualmente transmissível. Ali até a posição da câmera motivava a paranoia dos personagens e do espectador. Com fama anabolizada e mais dinheiro para seu projeto seguinte, David criou este O Mistério de Silver Lake que foi até indicado à Palma de Ouro em 2018 no Festival de Cannes e dividiu opinião ao redor do mundo com uma história que transborda referências e por vezes se embola nas próprias intenções de fazer uma espécie de neo-noir bem humorado sobre o submundo de Hollywood. O protagonista desta mistura é Sam (Andrew Garfield), um rapaz que mora nos arredores da capital do cinema que anda de carrão por aí, mas não tem emprego ou dinheiro para pagar o aluguel. Ele passa os dias espionando as vizinhas e esperando fazer algum sexo com as mulheres que cruzam seu caminho. Sem muito o que fazer ele acaba se aproximando de uma nova vizinha, Sarah (Riley Keough) que tão logo desperta seu interesse... desaparece no dia seguinte. A partir daí, Sam começa a investigar o paradeiro de sua amada, mergulhando num mundo de teorias da conspiração, lendas urbanas, mensagens subliminares e códigos escondidos. Some a isso celebridades desaparecidas, um assassino de cachorro e uma mulher coruja e você terá uma ideia dos elementos que Mitchell mistura a todo instante no seu roteiro por duas horas e vinte minutos. Existe aqui um certo tempero de cultura pop (o pôster de Kurt Cobain, a trilha sonora, as músicas citadas pelo compositor misterioso...) e um punhado de alusões a porcarias que ganham espaço na internet. A vida de Sam é tão sem rumo que ele busca algum significado secreto na vida para conseguir dar algum sentido aos seus dias - mesmo que para isso ele invente e reinvente lógicas e padrões que por vezes não fazem sentido nem mesmo na sua cabeça. Embora busque sempre um equilíbrio entre os mistérios e tom de comédia, o que prevalece é o estranhamento perante a história que em sua reta final tenta costurar algumas pontas para dar sentido ao que parecia apenas surreal. Entre seitas estranhas, túneis secretos e atrizes fracassadas que se prostituem, o filme rendeu comparações com Cidade dos Sonhos (2000) de David Lynch, que embora possa até ser uma referência do filme, Mitchell ainda precisa comer muito feijão com arroz para fazer um terço do que Lynch alcança em seus filmes. Em vários momentos Silver Lake perde o fôlego e a chance de surpreender o espectador para joga-lo no labirinto autoindulgente em que coloca seu personagem principal. É interessante ver Andrew Garfield num personagem que desconstrói a imagem de bom moço que Hollywood construiu para ele, mas a novidade não se sustenta por muito tempo quando ele não tem muito o que fazer além de ser um rapaz sem planos ou perspectivas atrás de uma garota que não está nem aí para ele. O Mistério de Silver Lake termina como um retrato de uma galera que na falta do que fazer inventa sentidos escondidos em matérias de jornal e discos a serem ouvidos de trás para frente e igualmente, portanto, carece de rumo.   

O Mistério de Silver Lake (Under the Silver Lake / EUA -2018) de David Robert Mitchell com Andrew Garfield, Riley Keough, Topher Grace, Deborah Geffner, Tucker Meek e Wendy Vanden Heuvel. ☻☻