Spader e Maggie: o amor entre uma masoquista e seu chefe sádico.
Chega a ser estranho saber que a doce Maggie Gyllenhall chegou ao estrelato com um filme independente tão esquisito como Secretária. O filme de estreia de Steven Shainberg é uma ode a uma espécie de amor incomum que prefere ficar escondido a ser tratado como perversão. Devo admitir que é preciso um bocado de coragem para escrever e dirigir um filme sobre o romance entre uma masoquista e um sádico, especialmente se você notar que quem gosta de sofrer é a mulher enquanto o homem é o dominante na relação. Mas quem tiver um olhar atento a esta ousadia verá que a relação que descreve está longe de ser tão linear ou simples - mas afinal de contas, qual relacionamento amoroso consegue ser simples? Apesar de muitos considerarem Secretária uma comédia romântica, ele está milhas longe de ser igual a todos os outros filmes que você já viu (e por isso mesmo, merece ser conferido). Desde o início sabemos que a jovem Lee (Maggie Gyllenhaal, indicada ao Globo de Ouro de Melhor Atriz) esconde por debaixo de todo seu visual conservador alguns segredos. Sua primeira cena é saindo de uma instituição psiquiátrica e nas seguintes parece apenas uma sombra dentro de sua própria família. Desajeitada e com roupas que cobrem todo o seu corpo, Lee guarda seus segredos dentro de um estojo de primeiros socorros, que ironicamente utiliza para se ferir. É como se a dor a fizesse se sentir viva por alguns instantes (tal como os machos que se esfolam em Clube da Luta de David Fincher). Até que ela resolve procurar emprego e consegue trabalho no escritório de um advogado exigente, E. Edward Grey (James Spader) que prefere que seus documentos sejam datilografados e não digitados. Não demora muito para que este mostre seu lado tirano sobre os erros de Lee e aos poucos testa os limites da mocinha - que logo exibe seus segredos quase que acidentalmente. A estranheza do filme de Shainberg brota justamente no momento em que o romance se instaura entre o casal. Nada de beijinhos e declarações de amor, pelo menos não da forma convencional. Conforme Grant percebe que sua secretária de olhos meigos e sorriso tímido sente prazer na dor, começa a liberar cada vez mais seu lado sádico. Mas enquanto ele se envergonha, Lee se mostra cada vez mais confiante do que quer para si. Apesar de Shainberg exagerar nas cores de seus filme (os cenários e as roupas são meio cafonas e em alguns momentos tudo parece meio pateta demais) ele acerta justamento no mais difícil: a identificação complementar entre o casal principal. Para isso, Shainberg utiliza jogos de sedução bizarros (uma carta de amor para ele - que é na verdade uma minhoca -, as cartas com erros de datilografia emolduradas pelo escritório, dias de desprezo do amado ou greve de fome por ele...) que não chamam mais atenção do que outras simbologias muito mais interessantes (a mudança no visual de Lee, a compulsão de Grant por exercícios físicos quando fica excitado, o excesso de zelo por parte da mãe de Lee...). Até o momento em que Lee tem que decidir entre a vidinha normal com seu noivo (Jeremy Davies) - que menciona também ter problemas nervosos, mas que está tão empenhado em ser um bom moço que na melhor das hipóteses consegue ser apenas chato - e uma vida de realização ao lado de um homem que realmente a entende (e vice-versa). Maggie personifica as angústias de sua personagem de forma magistral, com os ombros curvados e a expressão de quem está cada vez mais disposta a desafiar o desconhecido. Talvez os maiores elogios tenham sido para a triz por que este é o terceiro papel de gostos sexuais diferentes feito por Spader, o ator com cara de bom moço já filmou suas parceiras em Sexo, mentiras e Video Tape (1988) e teve fetiche por acidentados de carro em Crash - Estranhos Prazeres (1996). Nesse gosto por desejos diferentes ele tem identificação com Shainberg, que explorou outro amor diferente em A Pele (2006) que não conseguiu metade da projeção alcançada com este aqui. Talvez porque mesmo num filme sobre sadomasoquismo ele consiga alcançar momentos de puro romance.
Secretária (Secretary/EUA-2002) de Steve Shainberg com Maggie Gyllenhall, James Spader, Jeremy Davies e Amy Locane. ☻☻☻
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