O Festival de Cannes sempre aponta filmes que prometem dar o que falar durante o ano e geralmente lhes dá fôlego até a temporada de Ouro do cinema. Em 2010 foi no Festival que os críticos colocaram primeiro os olhos em Blue Valentine, Biutiful e Trabalho Interno que conseguiram figurar entre as apostas para a cerimônia do Oscar de 2011. Dentre tantos filmes exibidos destaquei dez que devem fazer cinéfilos de todo mundo salivar e ainda dar conta de figurar entre os mais premiados do ano:
10 O Abismo Prateado Podem me chamar de patriota ou cinéfilo tupiniquim deslumbrado, mas fiquei extremamente feliz quando um bando de críticos começou a se perguntar por que o novo filme de Karim Aïnouz (Madame Satã/2002) não foi selecionado para a Mostra Competitiva de Cannes. Muitos consideraram a atuação de Alessandra Negrini irrepreensível e digna de ser lembrada pelo júri. Para nós o filme baseado na canção Olhos nos Olhos de Chico Buarque promete ter um poder ainda mais devastador. O longa conta a história de um casal que chega ao fim da vida a dois. No meio do caminho está o filho de 14 anos do casal e a vontade dela entender o que aconteceu. Tudo é muito marcado pelo não dito, pelas entrelinhas e emoções da personagem. O filme promete fazer bonito quando passar por aqui e - quem sabe - ganhar fôlego em terras estrangeiras.
9 Era uma vez em Anatolia O filme teve uma campanha boca à boca tão poderosa que acabou empatando no Grande Prêmio do Festival (uma espécie de segundo lugar) com o novo trabalho dos badalados irmãos Dardenne (O Menino da Bicicleta não figura na lista por me soar como os outros da dupla). Assinado pelo cineasta turco Nuri Bilge Ceylano filme é baseado em um fato real e opta por um estilo que lembra as narrativas de Tchekov. A trama gira em torno da investigação sobre o aparecimento de um corpo em uma tranquila cidade turca - o que pode ser o indício de um crime. Nada é muito claro para os policiais, o médico e o promotor que acompanham o caso. Por meio do filme o diretor procura provocar uma reflexão muito bem vinda sobre a burocracia, a civilização e a barbárie. Apesar de difícil para a maioria do público, o potencial de um filme assim não deve ser subestimado.
8 We need to talk about Kevin Tilda Swinton era uma das mais cotadas para o prêmio de Melhor Atriz do Festival, mas com as críticas negativas ao filme de Lynne Ramsey sua força foi se perdendo. O filme conta a história de uma família que precisa lidar com o massacre ministrado pelo filho na escola em que estuda. A voltagem da atuação de Swinton e a verve estilística diretora foram muito elogiadas, mas uma pedra no ano de We need é o novo filme de Roman Polanski (Carnage, que deve estrear por aqui com o nome horroroso de O Senhor da Carnificina) que dever ser exibido em Veneza e que também trata de pais com filhos em... conflito com seus coleguinhas. Parece haver um duelo para este ano (e no filme de Polanski, Swinton ainda terá dois pesos pesados para derrotar na disputa por uma vaga em premiações: Jodie Foster e Kate Winslet). Curiosamente o ator John C. Reilly atua nas duas obras!
7 This Must Be the Place O filme do italiano Paolo Sorrentino era um dos favoritos aos maiores prêmios do Festival, mas acabou levando o prêmio de consolação ecumênico do Festival. Apesar de todas as críticas positivas, isso revela mais do que se imagina. O fato de ter Sean Penn com visual de roqueiro vocalista do The Cure deve ter ofuscado os outros predicados do filme sobre um roqueiro judeu cinquentão que resolve se vigar do oficial nazista que maltratou seu pai (com quem não falava há décadas). A pergunta que ficou o ar é se as platéias mais conservadoras vão engolir o filme de temática pesada e apelo pop. Se o pessoal entrar no clima o filme pode ser um sucesso, senão o filme deve virar cult e render indicações apenas para o seu astro nas futuras premiações.
6 Driver O dinamarquês Nicolas Winding Refn já havia chamado atenção em Cannes com sua trilogia Pusher (disponível em DVD por aqui), mas nada se compara ao que o destino preparado para Driver. Pra começar, a trama sobre um motorista (Ryan Gosling) que faz bicos de dublê e serviços para marginais criou uma grande repercussão por se tratar de um filme de ação que mostra uma cadência autoral como há muito não se via no gênero - e o prêmio para o diretor só comprova ainda mais essa sensação. O filme promete fazer bonito entre a crítica e nas bilheterias (o que pode lhe dar fôlego para figurar na memória dos votantes nas premiações). A presença da queridinha Carey Mulligan também deve ajudar.
5 Melancolia Lars Von Trier mostrou que não sabe mesmo controlar a própria língua após as brincadeiras sobre nazismo na coletiva de seu filme. Sorte que o júri do festival era sereno o suficiente para perceber que Melancholia foi uma das raras unanimidades do Festival. A força narrativa da história sobre o fim do mundo anunciado pela colisão de um planeta com a Terra é o motor para um conflito instigante entre o ceticismo, os sentimentos e a ciência. Impossível não se identificar com as angústias de a noiva protagonista que vê os rumos de seus planos alterados pela catástrofe eminente. Por este papel Kirsten Dunst foi lembrada pela atuação precisa (que saiu ilesa das polêmicas de Lars). O elenco conta ainda com Charlote Grainsburg e Kiefer Sutherland e se as pessoas se prenderem às qualidades do filme ele deve ser um dos destaques do ano.
4 Le Havre O filme do finlandês Aki Kaurismaki foi consagrado pela Federação Internacional dos Críticos de Cinema e com isso garantiu uma plataforma de admiradores respeitável para seu filme. Considerado por muitos como uma obra hilariante, o filme retrata a vida de um engraxate que ajuda um menino africano que é imigrante ilegal na região da Normandia. Além da apreciação da crítica o filme possui outros fatores que devem ajudar em sua carreira mundial: o tom bem humorado numa história comovente, a presença de uma criança no centro da narrativa, um protagonista de trabalho humilde e principalmente retratar uma situação que merece cada vez mais a atenção num mundo globalizado: o tratamento dado aos imigrantes. Vendo essas características em perspectiva acho que La Havre merecia estar até no pódio desta lista!
3 Meia-Noite em Paris Fazia tempo que Woody Allen não era tão celebrado por um filme. Foi em Cannes que Match Point (2005) e Vicky Christina Barcelona (2008) foram predestinados ao sucesso. Algo em maior escala foi anunciado para seu novo longa, uma alegoria sobre o efeito de Paris sobre um escritor vivido por Owen Wilson. Misturando realidade e fantasia o diretor retoma o clima bem humorado e otimista que parecia ter perdido nos últimos anos. Além disso, o filme tem no elenco a primeira dama francesa Carla Bruni e a estrela Marion Cotillard (o que chama ainda mais a atenção dos marmanjos). O longa ainda promete um pouco de ouro na vida de Rachel McAdams (já era mais do que na hora) no papel da namorada de Wilson.
2 A Pele que Habito Filme de Pedro Almodóvar e sempre filme de Almodóvar, né não? Se seus fãs ao redor do mundo já garantem a bilheteria o que dizer do apelo gigantesco de depois de quase vinte anos ele se reencontrar com um de seus astros favoritos: Antonio Banderas. Banderas ainda deve seguir o mesmo caminho de Penélope Cruz (que ganhou o status que tem hoje ao voltar às suas origens almodovarianas em Volver/2006) e reencontrar o rumo de sua carreira no papel de um cirurgião com sede de vingança. Não empolgou? Agora imagina que se trata de um filme de terror! Pelo que se viu em Cannes a maioria amou e poucos odiaram essa investida do diretor. Mesmo assim, o Prêmio da Juventude o considerou o melhor da competição.
1 Árvore da Vida Eu não queria ser óbvio, mas tem como? Pra começar o lançamento de um filme de Terrence Mallick (que em quarenta anos de profissão está apenas em seu quinto filme!!!) já é um evento! Levando em consideração que no elenco existe Brad Pitt sedento de reconhecimento (como o pai dominador) e Sean Penn (como seu filho perdido em indagações no deserto da vida) o interesse cresce ainda mais! Adicione a isso a Palma de Ouro em Cannes, os elogios e as expectativas sobre um filme que não tem medo de falar sobre o sentido a vida e o equilíbrio do universo que e a coisa beira o assustador! Agora, para ficar assustado mesmo, quantas vezes um ganhador da Palma de Ouro estreou por aqui duas semanas depois de ser premiado no Festival? Merece ou não o topo da lista?
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