Mühe: um anjo da guarda inusitado.
Aproveitando que O Turista com Angelina Jolie e Johny Depp está chegando nas locadoras vale a dica de ignorar um dos filmes mais sem graça do ano passado e procurar na locadora A Vida dos Outros, que por incrível que pareça tem o mesmo diretor da presepada estrelada por Jolie/Depp. Florian Henckel Von Donnersmarck ganhou o mundo com este filme alemão que retrata a tensão e a vigilância dos últimos anos da separação alemã, o filme foi logo alçado ao posto de querido da crítica (que o elegeu como o melhor de 2006 e o National Review o considerou o melhor do último 25 anos), do público (o filme custou dois milhões de dólares e arrecadou quase cem milhões ao redor do mundo) e das premiações (ganhou o Globo de Ouro e o Oscar de filme estrangeiro). O segredo para tanto sucesso? O somatório de vários talentos. A começar pelo roteiro primoroso escrito pelo próprio diretor que conta a história de um agente da Stasi (a polícia política da Alemanha Oriental) que recebe a missão de espionar um dramaturgo que é suspeito de ter comportamento perigoso para o regime comunista. O agente especialista Gerd Wisler (o ótimo Ulrich Mühe, que faleceu no ano seguinte ao lançamento do filme) começa a trabalhar com escutas clandestinas na casa de Georg Dreyman (Sebastian Koch) e não demora muito para simpatizar com a vida deste escritor. A intimidade de Dreyman con a namorada, a atriz Christa Maria Seiland (Martina Gedeck), só aumenta a identtificação do solitário Wisler com o seu vigiado. No início, Donnersmarck deixa os diálogos do casal cheio de ambigüidades, a partir da interferência do governo na direção da última peça de Dreyman. Mas é com um desentendimento entre o casal que Wisler começa a se arriscar cada vez mais em sua relação com o casal. Ironicamente é deste ponto em diante que o dramaturgo começa a se arriscar cada vez mais em atitudes contra o regime de seu país - o que dá cada vez mais trabalho para Wisler, que vive o dilema de entregá-lo ou encobrir as provas que possam ser usadas contra ele. É essa relação de espião/anjo da guarda que aumenta cada vez mais a tensão do filme, que não perde de vista a sensação de insegurança dos personagens de ser alvos da vigilância governamental - podendo se tornar um inimigo do Estado de uma hora para a outra. Além do excelente trabalho de roteiro, o diretor soube escolher muito bem seu trio de protagonistas. Koch ganha nossa simpatia em suas primeiras cenas, conseguindo construir um intelectual sem pose ou glamour (o que contrasta com seus amigos no filme) e que tem sua dimensão humana cada vez mais ressaltada pelo seu romance com a bela e insegura Christa, numa atuação cheia de ambiguidades de Martina Gedeck. Mas quem costura mesmo as relações estabelecidas é a expressão de tensão constante estampada no rosto de Ulrich Mühe, que consegue prender nosso fôlego em várias cenas onde o perigo é eminente. Ao fim da sessão o diretor se dá ao luxo de estender a narrativa por vários anos, alcançando o fim de seus personagens no mundo sem o Muro de Berlim. O que seria um risco, mostra-se muito valioso quando a narrativa muda seu ponto de vista para o de Dreyman, que nos faz sentir na pele a sensação do horror de ser vigiado sem se dar conta, mas ao mesmo tempo nos faz sentir a grata suspresa de ter um amigo secreto que nos ajudou nos momentos mais cruciais. Espero que Donnersmarck coloque suas ideias no lugar em breve, precisamos de mais filmes que consiga nos transportar para outro tempo e espaço com tanta competência.
A Vida dos Outros (Das Leber der Anderen/Alemanha - 2006) de Florian Henckel Von Donnersmarck com Ulrich Mühe, Sebastian Koch, Martina Gedeck e Ulrich Tukur. ☻☻☻☻☻
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