terça-feira, 30 de junho de 2015

N@ CAPA: Super-Heróis no Cinema

"Santa Pipoca, Batman!"

A capa dos meses de maio e junho reuniu os heróis da DC e Marvel Comics numa sala de cinema. Se o ambiente parece harmônico entre os super-heróis das duas gigantes dos quadrinhos, no cinema a situação anda um tanto complicada, já que nem os personagens da Marvel são capazes de gerar um tom pacífico entre os estúdios. Tudo porque quando a Marvel não podia bancar seus próprios filmes ela acabou vendendo os direitos de alguns personagens para outros estúdios. Depois de deixar claro que não faz a mínima ideia do que fazer com o Homem-Aranha a Sony aceitou ter apenas uma fatia do bolo com as aparições do herói aracnídeo nas produções da Marvel. Depois de ser encarnado por Tobey Maguire e Andrew Garfield, o novo Spiderman será vivido por Tom Holland no aguardado Capitão América: Guerra Civil (2016). Essa integração com o universo Marvel parece mais distante no mundo dos mutantes. A Fox vai muito bem com sua franquia X-Men (mesmo não tendo alcançado o bilhão de bilheteria, nem com toda expectativa em torno de Dias de Um Futuro Esquecido/2014) e faz vista grossa quando a Marvel tenta aproximar os discípulos de Charles Xavier do seu universo cinematográfico. Em Vingadores: A Era de Ultron (2015), o estúdio arriscou explorar essa interseção entre os dois mundos ao inserir a Feiticeira Escarlate e Mercúrio na aventura de Thor & Cia, mas a Fox fez de conta que não é com ela e prepara X-Men: Apocalipse, com Mercúrio entre os destaques do elenco da oitava aventura no universo mutante - além disso prepara Wolverine 3 (2017) e Deadpool (2016). Diante disso, a Marvel evita grande publicidade para os gibis dos X-Men ou mostrar os mutunas em suas campanhas da divulgação de sua nova fase nas bancas. Mais radical foi a Marvel declarar recentemente o fim das histórias do Quarteto Fantástico por conta de sua pendenga com a Fox, que prepara o lançamento do reboot do Quarteto com novo elenco, novo conceito, nova atmosfera... e estão tão otimistas que uma sequência já foi anunciada para 2017 (antes mesmo do lançamento do primeiro longa dessa nova fase), além de uma possível aventura encabeçada pelo quarteto e os X-Men (prevista para 2018). Enquanto isso, a DC Comics vive da divulgação de seus novos lançamentos: Batman Vs Superman (2016) e Esquadrão Suicida (2016), que devem servir de porta de entrada para filmes da Liga da Justiça e outros heróis como Mulher Maravilha, Aquaman e um novo Lanterna Verde. Ao que parece o próximo ano será decisivo para a DC nas telonas, porém, quem está acostumado com a coesão do universo Marvel nas telas deverá estranhar o conceito por trás da DC Comics no cinema, já que seus filmes não prometem ter um universo tão amarradinho, deixando a cargo dos diretores e produtores criarem de forma mais livre. Se a criatividade agradece, a longo prazo a situação pode ficar meio confusa, afinal, todos ainda estão desconfiados para ver como Batman Vs. Superman irá lidar com a saída de Christopher Nolan e Christian Bale das aventuras do Cavaleiro das Trevas, além da curiosidade falar mais alto quando lembramos que o Coringa ganha nova versão no Esquadrão com a encarnação de Jared Leto. Essa mudança de atores consagrados em suas atuações marcantes começa a assombrar também a Marvel, que já começa a estudar a renovação dos seu elenco principal (Robert Downey Jr. não tem contrato para um novo Homem de Ferro, por exemplo), o mesmo ocorre na Fox, que deve estar tremendo depois que Hugh Jackman anunciou sua despedida do personagem Wolverine. Haja pipoca!

sábado, 27 de junho de 2015

KLÁSSIQO: Filadélfia

Hanks: mudando o olhar de Hollywood. 

Embora seja mais lembrado por contemplar Tom Hanks com o primeiro Oscar de sua carreira, o longa Filadelfia foi um marco no cinemão hollywoodiano. Se hoje não vemos muitos filmes com a temática dos soropositivos, imagine no início de 1990? Acrescente a isso um astro querido no papel de um homossexual demitido por discriminação é você terá uma pequena ideia do que o filme representou ao ser lançado, indicado a cinco Oscars (Filme, direção, roteiro,ator e duas na categorias de melhor canção original - ganhou pela música de Bruce Springsteen). Claro que o prestígio conquistado pelo diretor Jonathan Demme com o sucesso oscarizado de seu filme anterior (o clássico O Silêncio dos Inocentes/1991) ajudou muito a bancar uma produção arriscada, afinal, além dos temas complicados, ainda tinha o medo da resistência da plateia diante de um filme pautado no sofrimento de seu protagonista. Andrew Beckett (Hanks) era um promissor advogado de uma prestigiada firma da cidade da Fildélfia. Aos poucos, Andrew percebe que seu organismo começa a apresentar algumas mudanças e, em meio a esses sinais de que algo está diferente em seu corpo, ele é acusado de ter cometido uma falha em um processo, o que causa a sua demissão. Embora guarde segredo, Andrew é soropositivo e suspeita que sua demissão tenha mais relação com isso do que com sua competência. Com a ajuda do advogado  Joe Miller (Denzel Washington), Beckett processa a empresa, cobrando uma indenização por conta do preconceito que sofreu. Soma-se ao seu estado de saúde, o fato do personagem ser gay e os rumos desse filme de tribunal muda ao revelar as impressões dos demais personagens sobre Beckett não pelo seu mérito ou competência, mas por sua sexualidade. O próprio Miller terá que lidar com seus preconceitos, enquanto percebe que o julgamento é mais sobre sexualidades do que qualquer outra coisa. Embora criticado na época por ter feito um filme comportado em excesso (os grupos gays não se contentaram com as poucas cenas pudicas de Hanks ao lado de seu companheiro vivido por Antonio Banderas), Demme realiza aqui um dos seus melhores trabalhos, especialmente por trabalhar nas entrelinhas o olhar que a sociedade, os espectadores e a própria indústria cinematográfica da década de 1990 possuíam (ou ainda possuem?) sobre a homoafetividade. O roteiro indicado ao Oscar de Ron Nysmaner é cheio de detalhes que fazem a diferença, dos comentários maldosos, as piadinhas no trabalho, os olhares reprovadores, o distanciamento dos personagens que antes pareciam tão próximos (a cena da reunião é a mais notável), na verdade o que era para ser o julgamento por direitos violados, torna-se o julgamento do personagem por sua conduta mais íntima (ou, se virarmos a lente, o julgamento dos preconceitos mascarados na sociedade). Assim, enquanto Tom Hanks afasta o personagem do estereótipo e o torna simplesmente humano, ele muda a lente não apenas de Joe Miller, mas do espectador que  não vê mais Beckett sob o peso de um rótulo, mas sob sua própria identidade.  

Filadélfia (Philadelphia/EUA-1993) de Jonathan Demme com Tom Hanks, Denzel Washington, Jason Robards, Antonio Banderas e Mary Steenburgen. ☻☻☻☻

§8^) Fac Simile: Ben stiller

Nosso repórter imaginário estava num hotel no Hawaii quando reconheceu Ben Stiller tomando sol na piscina. O ator ficou um tanto constrangido, mas aceitou responder cinco perguntas nessa entrevista que nunca aconteceu:

§8^) Depois de tanto tempo fazendo comédias idiotas, percebemos seu interesse em viver personagens mais sérios e emocionalmente complexos, isso é porque o senhor completará cinquenta anos em breve ou porque não te levam a sério, Sr. Benjamin?


Benjamin e a sonâmbula desmaiada?
Benjamin: Por favor, me chame apenas de Ben. Honestamente ainda não parei para pensar sobre isso, mas sou filho de comediantes (os atores Jerry Stiller e Anne Meara) e sei o quanto existe preconceito com quem faz rir, tanto que muitos nem o chamam de atores, apenas de comediantes. Em minha carreira sempre tentei fazer personagens diferentes, em Caindo na Real (1994) fiz um personagem todo certinho, em Os Excêntricos Tennenbaums (2001) eu era cheio de neuroses... mas acho que agora combina mais viver personagens diferentes dos somente cômicos, embora o público ainda possa estranhar. 

§8^) Como em A Vida Secreta de Walter Mitty, o senhor concorda que esse é o  pior filme que o senhor já fez, Benjamin?

Benjamin: Por favor, me chame de BEN! Muita gente não gosta de Walter Mitty, mas foi um filme que retratava minhas ideias naquele momento. Nem todos se identificaram... mas eu gosto dele. 

§8^)  Entendo Benjamin, era o momento que o senhor queria uma indicação ao Oscar, não é? Depois do sucesso de Trovão Tropical/2008, que rendeu uma indicação a Robert Downey Jr você quis fazer algo diferente e conseguir uma também, não foi?

Benjamin: Não foi bem assim. Pela última vez, ME CHAME DE BEN! ME CHAME DE BEN!!

§8^) Qual o problema em te chamar de Benjamin?

Benjamin: Parece nome de cientista ou de presidente! Benjamin Edward Meara Stiller é um nome pomposo demais e prefiro que me chame de Ben, além disso meus pais e esposa (a atriz Christine Taylor com quem é casado desde 2000) só me chamam de Benjamin quando estão zangados comigo. 

§8^) Entendo, Benjamin! Mas eu não estou zangado com o senhor, não se preocupe! Gosto muito de alguns filmes que o senhor fez! O novo do Noah Baumbach, Enquanto Somos Jovens/2014, eu achei sensacional! Fiquei surpreso porque achei aquele outro filme que fizeram juntos (Greenberg/2010) um lixo!

Benjamin: ... 

§8^) Soube que o senhor está trabalhando na aguardada continuação de Zoolander (2001)! Tem uma cena no primeiro filme que é quase uma confissão: fantasiado de macaco, o senhor toca pratos enquanto lhe jogam bananas. Você acha que tem cara de macaco, Benjamin?

Benjamin: Que tipo de pergunta é essa?! 

sexta-feira, 26 de junho de 2015

Na Tela: Enquanto Somos Jovens

Stiller, Dree, Naomi e Adam: crise de idade ou identidade?

Lançado oficialmente em março nos EUA após participar de alguns festivais, Enquanto Somos Jovens chega ao Brasil sem estardalhaço - quanto qualquer outro filme de seu diretor Noah Baumbach. Conheço muita gente que curtiu o cultuado  A Lula e a Baleia/2005 (que rendeu uma indicação ao Oscar de roteiro original ao diretor) e que desanimou com os trabalhos seguintes de Noah. A esses devo dizer que podem assistir Enquanto Somos Jovens sem preocupações, já que desde Frances Ha (2012), o diretor tem se mostrado mais simpático com os personagens (Greenberg/2010 tornou-se quase insuportável... mas eu ainda considero que a antipatia fez de Margot e o Casamento/ 2007 meu filme baumbachiano favorito). Acho que dez anos após sua consagração, o diretor começou a sentir o passar do tempo em sua forma de fazer e pensar cinema, buscando o frescor que alguns já consideravam perdido. O filme tem a simplicidade estética de sempre, mas toca em questões sérias com uma leveza absurda, especialmente para um diretor que já rebuscou psicologismos anteriormente... em se tratando de um tema tão batido quanto conflito de gerações a coisa poderia ficar ainda pior... só que não. A forma com que o diretor/roteirista constrói sua narrativa mostra-se bem articulada, divertida e extremamente contemporânea. O filme acompanha um casal maduro que já passaram dos quarenta, Josh (Ben Stiller) e Cornelia (Naomi Watts). Ele é diretor de documentários que há dez anos tenta criar seu novo filme (uma longa entrevista com um intelectual renomado), ela é produtora de filmes, filha de um famoso documentarista (Peter Yarrow) que está prestes a ser homenageado por sua brilhante carreira. Josh e Cornelia tem um casal de melhores amigos que acabam de ter o primeiro filho (e acabam ressuscitando nos amigos sentimentos estranhos por serem casados há tanto tempo sem ter filhos). Com a vida dos amigos voltando-se cada vez mais para o primogênito, Josh e Cornelia se aproximam de um casal mais jovem que nem chegou aos trinta anos: Jamie (Adam Driver) e Darby (Amanda Seyfried) são recém casados. Ele quer fazer documentários enquanto ela produz sorvetes caseiros. Logo, Josh fica fascinado com o gosto de Jamie por cinema, música e cultura em geral e a proximidade dos dois cresce cada vez mais, ao ponto de Josh colaborar no trabalho do jovem amigo. O interessante é como o roteiro, sutilmente, cria algumas situações que demonstram o quanto o casal maduro possui problemas com a passagem dos anos, ao mesmo tempo que Jamie precisa da ajuda dos mais experientes para alavancar seus projetos. Alguns apontam como um problema do roteiro o fato das esposas ficarem meio de lado na história, mas talvez a proposta de Noah seja explorar o lado mais masculino da história (inclusive em suas nuances mais egocêntricas). Para além da relação entre Josh e Jamie, existe uma figura paterna no meio disso tudo: o sogro de Josh. Ele é o personagem do qual os outros homens da história esperam aceitação - embora Josh evite admitir isso (sob o discurso de "encontrar a própria voz", nem que seja produzindo uma interminável entrevista condensada em seis horas de duração), percebe-se desde o início, que a aceitação de Jamie por parte do sogrão irá causar um bocado de ciúme - que cresce ainda mais quando Josh questiona os métodos utilizados pelo amigo para construir seu promissor documentário (que nem está pronto, mas já colhe elogios unânimes). Cheio de camadas, o filme fala mais do que "o processo criativo dos personagens na construção de suas carreiras como autores": fala de suas identidades, anseios, angústias, tudo com uma leveza desconcertante. Existem momentos para gargalhar, mas eles dividem o espaço com indagações interessantes sobre envelhecimento, amadurecimento, ética e um tanto de rabugice. Se no fim da sessão, o protagonista percebe que o jovem cineasta não é "tão" vilão quanto ele imaginava (posto que quase fica para o próprio Josh), ele parece ficar ainda mais assustado com o que as próximas gerações lhe reserva. O cinema de Baumbach continua pensando na vida, mas dessa vez pensou de uma forma mais bem humorada - talvez porque desde 2011 seu olhar sobre a vida mudou depois do casório com sua atual musa Greta Gerwig  (que conheceu nas filmagens de Greenberg e dividiu com ele os holofotes de Frances Ha). Ela ficou de fora dessa empreitada, mas os fãs do casal não precisam se preocupar: ela é a estrela do novo filme de Baumbach, Mistress America (previsto para estrear em julho de 2015 na Terra do Tio Sam). 

Enquanto Somos Jovens (While We're Young/EUA-2014) de Noah Baumbach com Ben Stiller, Adam Driver, Naomi Watts, Amanda Seyfried, Peter Yarrow, Maria Dizzia, Adam Horovitz e Dree Hemingway. ☻☻☻☻

quarta-feira, 24 de junho de 2015

Combo: As Himself

Não são poucos os atores que já viveram a si mesmo nas telonas em obras de ficção. Esse COMBO é para lembrar minhas atuações favoritas dos atores que enfrentaram o desafio de viver uma versão de si mesmos:

05 Zubilândia (2009) Um vírus variante do mal da vaca louca é responsável por uma epidemia que transforma a população mundial em zumbi. É nesse ambiente de filme de terror que o diretor Ruben Fleischer cria sua comédia zumbilesca com Jesse Eisenberb, Woody Harrelson, Emma Stone e Abigail Breslin em personagens que recebem o nome da cidade natal enquanto tentam sobreviver. No meio da jornada, os personagens cruzam com ninguém menos que Bill Murray em sua mansão e com esse aspecto decrépito aí do lado. Murray tem uma participação especial que tornou-se um dos melhores momentos do filme, especialmente por sua morte acidentalmente patética. 

4 Ligado em Você (2003) Todo mundo sabe que se houvesse uma hecatombe nuclear iriam sobreviver somente as baratas e a Cher! Ícone da música e do cinema, a estrela anda cada vez mais afastada das telas por conta de suas inúmeras turnês de despedida e convites raros (depois do efeito das plásticas em suas expressões). Em 2003 ela topou o desafio de viver a versão vilanesca dela mesma nessa comédia dos irmãos Farrely, onde ela contrata gêmeos siameses para sabotar seu próprio programa de TV. Até sua preferência por rapazes mais jovens virou piada (já que no filme ela namora Frankie Muniz, então com dezoito anos, mas com carinha de doze).

3 Quero ser John Malkovich (1999) Nenhum dos artistas presentes na lista teve o privilégio de ter o seu nome no título do filme, motivo mais do que suficiente para John Malkovich aparecer por aqui. No filme de estreia de Spike Jonze, os personagens encontram uma passagem secreta para a mente do ator, que passa a suspeitar que existe algo de estranho em seu comportamento cada vez mais imprevisível. A ideia amalucada, serve para o ponto de partida de uma história genial que mistura crise de identidade, necessidade de ser amado e vontade de tornar-se celebridade (ainda que por poucos minutos). Malkovich está mais que convincente no papel dele mesmo a beira do surto...

 2 Eu Ainda Estou Aqui (2010) Quando no final da década passada Joaquin Phoenix causou o maior estardalhaço na mídia quando aparecia chapado em programas de televisão dizendo que iria abandonar  carreira de ator para virar cantor de rap, eu percebi que tudo aquilo era uma armação. Não me surpreendi quando no ano seguinte estreou esse mockumentary criado por Casey Affleck ao lado do astro onde existe o registro dessa transição estapafúrdia na carreira do moço. A crítica se dividiu diante do projeto (talvez com raiva por não ter curtido a brincadeira filmada no ano anterior), mas a carreira de Joaquin seguiu muito bem depois disso com o lançamento de O Mestre (2012), Ela (2013), Era Uma Vez em Nova York (2013), Vício Inerente (2014)...

1 É o Fim (2013) Não lembro de outro filme de ficção onde todos os atores vivem a si mesmo. Esse talvez seja o grande truque dessa comédiota criada por Seth Rogen onde ele e um grupo de amigos tentam sobreviver ao apocalipse - que se inicia durante uma festa na casa de James Franco. Em meio a catástrofe do fim do mundo, o filme brinca com a imagem de seus atores, Jay Baruchel é o amigo esquecido, Seth Rogen é o líder idiota, Franco é o intelectualizado pedante, Jonah Hill é o bonzinho (e a cena em que é possuído torna-se a cena mais hilariante do filme)... enquanto tentam sobreviver eles precisam lidam com participações especiais inusitadas de Emma Watson, Channing Tatum e muitos outros vivendo a si mesmos - além do coisa ruim em pessoa. 

PL►Y: O Congresso Futurista

Robin: a mais corajosa. 

Não lembro de haver dúvidas de que Robin Wright seja uma boa atriz. A celebrada atriz da série House of Cards ficou famosa mundialmente por sua atuação como a amada Jenny de Forrest Gump/1994, mas desde o oscarizado filme de Robert Zemeckis a atriz não alcançou nenhum sucesso de bilheteria, sendo cada vez mais convidada para trabalhos como coadjuvante em todo tipo de produção. Portanto, reconheço o ato de coragem da atriz aceitar o convite para participar do último filme do diretor israelense Ari Folman, onde ela vive a si própria e enfrenta duras críticas à sua carreira. Sabemos que trata-se de uma versão fictícia da atriz - com um casal de filhos adolescentes (vividos por Sami Gayle e Kodi Smit-McPhee), morando de forma quase ilegal num estilizado galpão ao lado de um aeroporto - no entanto, a atriz permite-se ouvir questionamentos árduos sobre o rumo que sua carreira seguiu nos últimos quinze anos, com citação de fracassos profissionais e amorosos, além do peso dos anos sobre a aparência. O roteiro chega a ser ofensivo perante sua estrela, que embarca na empreitada com sua elegância de sempre. No filme, Robin é convidada para participar de um experimento onde a imagem do artista é totalmente escaneada, inclusive em suas emoções, que são captadas, traduzidas em dados e armazenadas com os direitos de uso vendidos para um estúdio (a fictícia Miramount). Depois desse processo de escaneamento, o estúdio terá total liberdade de escolher os filmes em que sua imagem será utilizada, assim como os rumos que sua atuação deverá seguir. No início a estrela hesita em aceitar a proposta, mas diante da progressiva surdez do filho e os poucos convites que recebe para atuar, acaba aceitando - assinando um contrato onde ela deve se comprometer a nunca mais interpretar (nas telas, nos palcos, em festas...), deixando sua imagem e interpretação totalmente sob o domínio do estúdio. Depois vem a segunda parte do filme, ambientada vinte anos depois, onde ela (a contragosto) se tornou estrela de uma série de ficção científica e ícone dessa nova tecnologia, que está prestes a inovar mais uma vez e torna-se pauta de um congresso. A partir desse ponto, o filme de Folman encontra dificuldades para contar a sua história, num resultado tão surrealista quanto confuso. A ideia de criar um distrito de "animação", onde todos são convertidos em desenho animado, parece bem sacado - especialmente pelo seu visual um tanto anacrônico, onde traços de animações clássicas, se mesclam aos cenários gerados por computador - mas, diante de uma revolução iminente, o filme se torna uma sucessão de acontecimentos um tanto atropelados, onde a personagem passa a ser perseguida e busca reencontrar seu filho transitando entre o mundo real e o animado. Depois da genialidade apresentada no documentário Valsa com Bashir (2008), Folman comprova seu gosto gosto por mesclar realidade e ficção, embora aqui se aproxime mais de Uma Cilada Para Roger Rabbit (1988) depois do uso de LSD, o resultado torna-se mais curioso do que propriamente interessante. Existem críticas pertinentes ao uso da captação de imagens no cinema, a propriedade exercida pelos estúdios sobre os atores, o direito de escolha de atores que não gostam de trabalhar em blockbusters e preferen realizar filmes mais modestos e desafiadores, o culto às celebridades... mas tudo isso dilui-se numa trama que não é desenvolvida em suas possibilidades. O resultado é um amontoado de ideias, cheia de intenções, mas nem sempre bem alinhavadas. A única certeza que tive ao final do filme é que Robin Wright além de boa atriz é bastante corajosa (e nem vou lembrar que ela era casada com Sean Penn). 

Robin: em versão (des)animada.

O Congresso Futurista (The Congress/Israel, Alemanha, Bélgica, França/2013) de Ari Folman com Robin Wright, Jon Hamm, Harvey Keitel, Danny Huston e Kodi Smit-McPhee. 

terça-feira, 23 de junho de 2015

PL►Y: Canibal

Antonio e Olimpia: romance (e canibalismo) platônico. 

Lançado em 2013, o filme espanhol Canibal de Manuel Martín Guenca concorreu a oito prêmios Goya (o Oscar espanhol) depois de virar sensação em festivais europeus. Guenca foi muito esperto em divulgar a característica de seu protagonista logo no título, mas apresentar ao espectador uma história em que o canibalismo é quase um detalhe. Carlos (Antonio de la Torre) é um requisitado alfaiate da cidade de Granada. Solitário em sua vida pessoal, mostra-se meticuloso  em seu trabalho, assim como nos momentos em que precisa encontrar seu alimento favorito entre as pessoas que cruzam seu caminho. O personagem expressa uma rigidez tão grande na vida pessoal que até seus desejos mais íntimos parecem sufocados. O roteiro não perde tempo buscando explicações para seu comportamento - seu pai é citado algumas vezes na história, não vemos amigos ou parentes durante a narrativa, apenas uma senhora que nunca deixa clara a sua relação com o alfaiate. Toda a sua rotina vai por água abaixo com a chegada de uma vizinha massagista, Alexandra (Olimpia Melinte), que tenta se aproximar do vizinho sem muito sucesso. De vez em quando, Carlos escuta discussões de Alexandra com outra pessoa numa língua estrangeira e não demora muito para que ela desapareça. É nesse momento que entra em cena a irmã de Alexandra, Nina (a mesma Olimpia Melinte que impressiona ao interpretar os dois papéis de forma completamente diferente), que considera que Carlos saiba do paradeiro de sua irmã.. Aos poucos Carlos e Nina se aproximam e o espectador passa a especular qual o interesse que existe por trás daquele relacionamento que ganha cada vez mais força. Guenca constrói um filme de detalhes, poucos diálogos, longos silêncios, muitos olhares e gestos contidos na construção de uma atmosfera de mistério que funciona de forma surpreendente. O filme ganha, aos poucos, substância entre o suspense e o romance platônico entre os dois personagens defendidos por um casal inspirado de atores. Olimpia constrói sua Nina de forma tão humanizada que é impossível não arrepiar-se a cada encontro com Carlos - que por sua vez, é fruto de uma criação minuciosa do ator Antonio de la Torre. O porte de galã, ajuda na construção do tipo polido e contido em excesso, que revela seus tormentos com o olhar sempre a espreita, como se fosse um predador domesticado. Mesmo em seu momento catártico, o personagem parece utilizar uma camisa de força imaginária que evita uma expressão maior de suas emoções. Educado e elegante, ele até parece inspirado em Hannibal Lecter, que revolucionou o canibalismo no cinema com O Silêncio dos Inocentes (1991), mas seus segredos parecem ainda mais bem guardados que do clássico personagem de Thomas Harris. Canibal também se distancia da versão quase folclórica da temática exibida no mexicano Somos o que Somos (2010) que recebeu uma ignorada versão americana no mesmo ano que Guenca lançou seu filme. Canibal possui climas muito próprios e envolventes, o que propicia uma narrativa quase hipnótica para a plateia. 

Canibal (Caníbal/Espanha-2013) de Manuel Martín Guenca, com Antonio de la Torre, Olimpia Melinte, Maria Alfonsa Rosso e Delphine Tempels. ☻☻☻☻

domingo, 21 de junho de 2015

PL►Y: Planeta dos Macacos - O Confronto

Serkis como César: como manter a liderança.

Depois do sucesso do reboot iniciado com Planeta dos Macacos - A Origem, a continuação da repaginada série cinematográfica era uma das mais aguardadas do ano passado, tanto que o estúdio não poupou despesas para tornar o filme um sucesso (ou seja, se o primeiro custou 93 milhões, o segundo custou aproximadamente 170 milhões - o que torna sua possibilidade de lucro um pouco mais complicada). Lançado, a bilheteria em solo americano não empolgou, mas, assim como o primeiro, a bilheteria mundial garantiu o sucesso da franquia. O curioso é que senti menos falta do elenco anterior do que da direção emocional impressa por Rupert Wyatt, que foi substituído por Matt Reeves (que também assinará o terceiro capítulo da trilogia: Guerra no Planeta dos Macacos - previsto para 2017). Reeves já provou ser um bom diretor (embora seu melhor momento seja o subestimado Deixe-me Entrar/2010), mas aqui eu senti todo o peso de uma produção milionária sobre suas costas. Se a cena inicial é um primor de concisão ao explicar os acontecimentos que ocorreram após o primeiro filme, existe um contraste inevitável com a arrastada parte inicial do longa. Depois que César fugiu para o bosque ao lado de outros de sua espécie, uma misteriosa dizimou parte da humanidade, deixando apenas poucos imunes vivos. No entanto, as condições de vida foram bastante comprometidas, principalmente com o problema de fornecimento de energia. É justamente a busca por uma represa abandonada que fará o encontro dos humanos com os seguidores de César (novamente com a tecnologia amparada pela interpretação de Andy Serkis) mais uma vez, já que o grupo liderado por Malcolm (Jason Clark) aos poucos ganhará a confiança de César e da macacada (até que um ato de traição comprometa a diplomacia entre macacos e humanos). Reeves consegue construir cenas de ação elaboradas, mas até chegar lá o filme se arrasta demais para mostrar como se organizou a sociedade símia no bosque dos arredores de São Francisco. O foco do filme é César perceber que sua principal lei ("Macaco não mata Macaco!") está em risco e que, macacos e o humanos tem mais semelhanças políticas do que ele imagina. Para além dos efeitos especiais impressionantes (mais uma vez indicados ao Oscar), acho que o elemento que torna o filme interessante é como permanece sustentado nas entrelinhas da clássica saga iniciada na década de 1960. Quem a assistiu percebe a coerência entre os dois momentos cinematográficos inspirados no livro de Pierre Boulle, como se as histórias estivessem sempre ali, apenas aguardando para serem contadas numa telona. Não sendo tão bem resolvido quanto o anterior, Planeta dos Macacos - O Confronto, mostra-se a típica continuação que serve de recheio para uma trilogia, ou seja, dá a impressão que está no meio do caminho. 

Planeta dos Macacos - O Confronto (Dawn Planet of the Apes/EUA-2014) de Matt Reeves, com Andy Serkis, Jason Clark, Gary Oldman, Keri Russell e  Kodi Smit-McPhee ☻☻☻ 

sábado, 20 de junho de 2015

PL►Y: Os Mais Jovens

Elle, Kodi e Nicholas: árida vingança.

Os Mais Jovens parte de uma ideia interessante que já foi usada diversas vezes: a escassez de água num futuro próximo. O diferencial é que além dos personagens viverem num mundo onde a água é o bem mais precioso, o diretor e roteirista Jake Paltrow (irmão de Gwyneth) criou uma história de vingança para esquentar a história. O filme dedica seu início a apresentar a família de Ernest Holm (Michael Shannon, bom como sempre), que vive numa fazenda condenada à aridez pela falta de chuva. Ele cria seus filhos, Mary (Elle Fanning) e Jerome (Kodi Smit-McPhee) da melhor foma possível, realizando visitas esporádicas à esposa -  presa a aparelhos para poder se movimentar após um acidente. Apesar de tudo, a vida dos Holm poderia ser bastante tranquila, mas o jovem Flem Lever (Nicholas Hoult) - filho dos antigos proprietários da fazenda - cruza o caminho de Ernest com interesse especial na jovem Mary. Paltrow disfarça seu filme como uma fantasia futurista, mas no fundo traz uma história de vingança e constrói bem esse arco na narrativa, desde a compra de um robô carregador de carga que terá papel importante na trama, passando por um assassinato cruel e sua revelação tempos depois. O filme conta a história de ascensão de Flem Lever, seu trabalho para recuperar e restaurar a fazenda dos Holm até que um segredo vem à tona. Fosse só a história de vingança, o filme seria muito melhor, mas Jake erra a mão em agregar elementos desnecessários, que torna a tarefa de acompanhar a história um tanto árdua para o espectador. Além da alta concentração de diálogos muito ruins, alguns pontos importantes são abordados superficialmente (como o acidente com a matriarca Holm, porque aqueles personagens preferem viver ali se existem lugares com melhores condições de vida, de onde vem a água utilizada por Flem...), além dos personagens coadjuvantes serem mal explorados - assim como a própria Maria, que revela-se um grande desperdício para o talento de Elle Fanning (que já provou ser capaz de muito mais em outros filmes de sua carreira). O estranho é que conseguimos perceber que Os Mais Jovens tem uma boa história debaixo de todos os elementos que o diretor não soube utilizar. Quem conseguir ver até o final irá perceber que menos diálogos teriam feito milagres na produção, já que além da boa atuação de Michael Shannon, ainda conta com uma surpreendente atuação de Nicholas Hoult, que mostra-se cada vez mais confiante em cena. No entanto, é o magricelo Kodi Smit-McPhee que, com sua já tradicional estranheza triste, cresce gradualmente diante da câmera, revelando que para além de um filme de vingança, o filme quer mesmo ser um western moderninho. 

Os Mais Jovens (The Young Ones/EUA-2014) de Jake Paltrow com Michael Shannon, Nicholas Hoult, Kodi Smit-McPhee, Elle Fanning, Aimee Mullins e Alex McGregor. ☻☻

sexta-feira, 19 de junho de 2015

Pódio: Annette Bening

Bronze: a trambiqueira

3º  Os Imorais (1990) 
Em seu terceiro filme para a telona, Annette conseguiu sua primeira indicação ao Oscar (como atriz coadjuvante) pelo papel da pilantra Myra Langtry, esposa do malandro Roy Dillon (John Cusack) e nora da esperta Lilly Dillon (Anjelica Huston). Stephen Frears cria um suspense dramático ambientado no mundo marginal - e a relação do trio protagonista é mais complexo do que você imagina. Nesse filme Annette provou que conseguia ir do drama à comédia em questão de segundos (e nem imaginava que casaria com o cobiçado Warren Beatty no ano seguinte). 

Prata: a biruta
Bening já era celebrada quando viveu a problemática poetisa Deirdree Burroughs, que abandona seu filho Augusten (Joseph Cross, um verdadeiro achado) na casa do psiquiatra enquanto se entope de remédios em busca da fama que nunca chega. Bening mergulha da insanidade da personagem de forma impressionante e realiza um dos seus trabalhos mais intrigantes. O filme fracassou nas bilheterias, mas Annette foi lembrada no Globo de Ouro por essa comédia de humor negro que retrata a nascente de uma situação bastante atual: tomar remédios para lidar com seus problemas emocionais. 

Ouro: a esposa perfeita?
1º Beleza Americana (1999)
Conforme o tempo passa, considero o filme de estreia de Sam Mendes uma obra-prima ainda maior (e me pergunto como Annette perdeu o Oscar por sua atuação!). Na pele da neurórica Carolyn Burnhan, a atriz está mais sensacional do que nunca! Carol quer manter a imagem do sucesso a qualquer preço, mas isso pode lhe custar mais do que ela imagina. Se a personagem nasce da caricatura, sob a batuta de Mendes, Annette destrói a casca de bem estar da personagem e revela o que ela possui de mais humano debaixo de toda armadura (sobretudo nas cenas finais). Bening tornou-se uma das atrizes mais respeitadas de sua geração por sua performance. 

PL►Y: Uma Nova Chance para Amar

Ed e Annette: encontro de gigantes. 

Não é todo dia que tenho a chance de ver um filme com dois dos meus atores favoritos. Os veteranos Ed Harris e Annette Bening já chegaram numa fase da carreira em que não precisam provar mais nada para ninguém. Ambos têm quatro indicações ao Oscar, mas nenhuma estatueta na estante, o que só serve para dizer como Hollywood tem uma lógica um tanto perturbadora. Os dois fazem o que poderia ser um drama romântico mediano ser um programa de respeito nesse Uma Nova Chance Para Amar do diretor Arie Posin (que antes dirigiu somente o interessante Más Companhias/2005). Houve quem comparasse o longa com (mais denso) Sob a Areia de François Ozon, mas ele segue por um caminho diferente, já que o dilema da protagonista é outro. Nikki Lostrom (Bening) era casada e feliz com Garret (Ed Harris), até que ele morre afogado nas férias que desfrutavam no litoral mexicano. Cinco anos depois, Nikki ainda tem que lidar com a ausência dele, quando conhece um homem idêntico ao falecido. Ele se chama Tom (o mesmo Harris), é professor de História da Arte numa faculdade e apresenta charme suficiente para que Nikki fique um tanto confusa por não perder a oportunidade de conviver mais uma vez com a imagem de Garret. Ao longo do filme, Posin aponta para várias possibilidades da história (teria Garret fingido o afogamento? Seria uma alucinação de Nikki? Tom teria alguma ligação com Garret?), mas investe num tom certeiro de romance, valorizado por dois atores maduros que sabem exatamente o que estão fazendo com seus personagens. ainda que o roteiro escolha ser limitado a um dilema específico, Annette faz mais do que o necessário para tornar sua personagem bastante crível, ciente, desde o início dos problemas que terá ao se envolver com o sósia de seu marido (sem que conte para ele que ele é a imagem e semelhança do falecido), tornando o conflito interno da personagem bastante palpável. Ed Harris também dispensa comentários, criando um sujeito disposto a segurar o que parece ser sua última chance de felicidade na vida, além de ter sua figura masculina cultuada por uma câmera que o transforma quase um fetiche aos olhos de Nikki. Obviamente que a inevitável hora da verdade sera adiada durante a narrativa, mas, diante de toda a a eficiência da narrativa, em determinado momento comecei a ficar preocupado em como o filme lidaria com esse momento e o seu desfecho, já que armou para si uma verdadeira camisa de força. Se contar estraga, mas posso dizer que Posin chega bem perto de tornar seu filme um grande acerto graças a escolha de seu casal protagonista. Com sucesso modesto nos cinemas (o filme foi lançado por aqui somente depois da morte de Robin Williams que faz um papel pequeno sem muito brilho), ele ainda merece ser descoberto. 

Uma Nova Chance para Amar (The Face of Love/EUA-2013) de Arie Posin com Annette Bening, Ed Harris, Robin Williams, Amy Brenneman e Jess Weixler. ☻☻☻

PL►Y: Magia ao Luar

Firth e Emma: romance à moda antiga. 

Ano passado foi especial para Emma Stone. Fazia tempo que a jovem atriz queria ser levada a sério em Hollywood e, de fato, conseguiu. Recebeu sua primeira indicação ao Oscar (de atriz coadjuvante) por sua atuação no genial Birdman, foi a celebrada como a única coisa que prestava no horrendo O Espetacular Homem Aranha 2 - A Ameaça de Electro e tornou-se a nova musa de Woody Allen. Esse ano ela estará em The Irrational Man ao lado de Joaquin Phoenix, provando que o cultuado diretor gostou do seu trabalho no mediano Magia ao Luar. Todo mundo sabe que Allen mantém a invejável carga de trabalho de realizar um longa por ano e, ninguém mais fica surpreso, quando após um grande sucesso (no caso, o premiado Blue Jasmine/2013), Woody lança um filme despretensioso, que vai mal das pernas na bilheteria e acaba agradando somente seus fãs mais fervorosos. Magia ao Luar é um filme até simpático em sua simplicidade. Ambientado em 1928 com belas locações da Côte D'Azur, o filme conta do encontro de um ilusionista Wei Ling Soo, ou melhor, Stanley (Colin Firth), que atende ao pedido de um amigo para desmascarar uma médium suspeita de charlatanismo. A tal médium se chama Sophie (Emma Stone) e torna-se queridinha de uma família endinheirada. Suas revelações e truques como batidas na mesa e velas flutuantes, a torna tão querida que o herdeiro da família milionária, Brice (o subestimado Hamish Linklater), cai de amores por ela e a pede em casamento. Sempre desconfiado, Stanley se aproxima de Sophie, percebe como ela tem a chance de sair da vida de americana pobre para outra mais nobre e, ao mesmo tempo, começa a desconfiar que a moça realmente pode ter um canal direto de comunicação com o além. A melhor parte fica por conta dos embates entre Stanley e Sophie, feitos de provocações sobre o conflito entre o ceticismo dele e a esperança e conforto que os "dons" dela trazem para pessoas que precisam lidar com a morte de alguém querido. Quando até nós passamos a querer acreditar na personagem (defendida com doses cavalares de carisma por Stone), deixamos de nos preocupar com o fato de Sophie ser uma farsante para nos preocupar com o vácuo que a ausência daquele conforto pode provocar em quem depende de seus "dons" para lidar com o fim da vida. Pena que a narrativa pareça um tanto frouxa até chegar em sua cena final, que revela que, no fundo o filme deseja ser da metade do século XX, onde uma Hollywood mais ingênua adoraria um filme feito esses. A produção é bem cuidada, com figurinos e cenários corretos, bela fotografia e edição eficiente, mas Woody parece apressado e entrega um roteiro que explora menos suas intenções do que deveria. 

Magia ao Luar (Magic in the Moonlight/EUA-2014) de Woody Allen com Colin Firth, Emma Stone, Hamish Linklater, Jackie Weaver, Simon McBurney e Eileen Atkins. ☻☻

domingo, 14 de junho de 2015

PL►Y: Laurence Anyways

Laurence: alma feminina num corpo masculino ou alma masculina num corpo feminino?

Em 2012 o jovem canadense Xavier Dolan já tinha dois filmes no currículo e já desfrutava do status de prodígio do cinema. O cineasta tinha vinte e três anos quando Laurence Anyways foi exibido no Festival de Cannes e, apesar de dividir opiniões, recebeu a Queer Palm daquele ano. Dolan confirmou aqui seu capricho estético e o uso da música pop - que aqui parece ainda mais sublimada do que em seus filmes anteriores (a cena de abertura ao som da banda Fever Ray é arrepiante).  Dolan conta a história de Laurence Alia (o francês Melvil Poupaud), professor conceituado com aspirações de ser escritor. Casado com a maluquete Fred (Suzanne Clément - premiada em Cannes) o casal vive feliz, até que Laurence começa a sentir algumas inquietações sobre sua identidade. Laurence decide mudar de sexo e o que acompanhamos (em quase três horas de sessão), é o efeito dessa decisão na vida do casal. Embora o centro da história seja Laurence tentando lidar com sua metamorfose (primeiro com peças íntimas, depois com roupas femininas, jóias, peruca... até chegar às mudanças físicas de fato) perante um mundo que também não sabe lidar bem com ela. O diferencial está em Dolan utilizar a angústia de Fred como contraponto, abordando os dilemas de uma mulher apaixonada pelo seu homem que deseja tornar-se mulher. Embora Fred o apoie no início, aos poucos a tarefa torna-se cada vez mais árdua. O cineasta compõe uma narrativa ambiciosa sobre o impacto da nova identidade de Laurence em seu trabalho, na vida amorosa, familiar, no bairro onde vive e, principalmente consigo mesmo, tanto que suas mudanças acontecem aos poucos e precisando de uma mudança dos cenários que frequenta. Por vezes Laurence e Fred são inseparáveis, se desentendem, seguem caminhos diferentes, se reencontram, se perguntam sobre os caminhos que seguiram e os que poderiam seguir. Centrado no amor dos dois personagens, Dolan cria uma bela reflexão sobre a identidade de gênero, o masculino e o feminino se friccionam o tempo inteiro durante o filme, não apenas em Laurence, mas em vários personagens que cruzam seu caminho (seja de forma consciente ou inconsciente). No entanto, com duas horas e quarenta e oito minutos de duração, Laurence Anyways soa cansativo, o que pode desviar a atenção de seus méritos. Existem cenas belíssimas na trajetória dos personagens, enquanto outras são desnecessárias (tirando a cena inicial, a primeira meia hora eu teria cortado quase que por inteiro, as cenas com a turma de Mamy Rose também não fazem a mínima diferença na história, se ainda cortarmos um maneirismo aqui e outro ali... uma lipoaspiração de quarenta minutos faria muito bem ao filme). Os excessos podem ser creditados à pretensão do jovem cineasta (que não é pouca), mas Xavier Dolan exala a vontade de ter uma assinatura autoral em sua carreira e prova que é capaz de contruí-la na forma de um cinema pulsante, meio pop, meio cabeça, sem medo de parecer desvairado. Há quem o compare com Orson Welles por ter encontrado a consagração tão cedo, mas eu percebo mais a figura de um jovem cineasta do século XXI que tomou muito Pedro Almodóvar na veia. Laurence Anyways só confirma a minha teoria. 

Laurence Anyways (Canadá/França-2012) de Xavier Dolan com Melvil Pupaud, Suzanne Clément, Nathalie Baye, Monia Chockri e David Savard. ☻☻☻

PL►Y: Lunchbox

Ila e Fernandes: amores desconhecidos. 

Lunchbox é uma dessas surpresas que se você não for motivado pela curiosidade, correrá o sério risco de perder um belo programa. Dirigido por Ritesh Batra, o filme participou de vários festivais, ganhou o prêmio da crítica no Festival de Cannes e concorreu ao BAFTA de melhor filme estrangeiro, mas ainda acho que merecia ter alcançado um sucesso maior do que conseguiu nos cinemas. O que constitui o filme numa grata surpresa é como o diretor cria uma história tão envolvente a partir de um ponto de partida tão simples. Tudo começa quando a marmita que Ila (a bela Nimrat Kaur) preparou para agradar o seu esposo é entregue para a pessoa errada, no caso, Saajan Fernandes (Irrfan Khan). No início, Ila não sabe muito bem o que fazer, mas segue o conselho de uma tia (da qual só ouvimos a voz) para enviar uma carta ao homem desconhecido que se deliciou a comida. A partir de então os dois começam a se corresponder, criando uma narrativa a partir das correspondências que revelam suas desventuras cotidianas. Da solidão de Saajan, passando pelas desilusões de Ila, o filme é uma lição de como conduzir uma história sem sensacionalismos e exageros. A trama segue seu fluxo quase inevitável com uma naturalidade desconcertante. Amplia seus dramas (às vezes com doses de humor, destacando até a amizade de Saajan com um novo funcionário de seu trabalho burocrático). Em alguns momentos Batra injeta poesia, em outros tempera com um pouco de tristeza, mas sempre deixa uma sensação esperançosa durante a sessão. Revelando seus personagens aos poucos, o cineasta construiu uma bela história de amor para os tempos em que as pessoas praticamente não escrevem cartas e, coincidentemente, encontram cada vez mais problemas de comunicar seus sentimentos. Se contar mais, estraga a saborosa sensação que é descobrir essa especiaria de rara sutileza.

Lunchbox (Índia, França, Alemanha, EUA-2013) de Ritesh Batra com Nimrat Kaur, Irrfan Kahn, Nawazuddin Siddiqui, Nakul Vaid e Denzil Smith. ☻☻☻☻ 

PL►Y: As Tartarugas Ninja

Coisa de Ninja: falta o terceiro ato. 

Há quem possa se surpreender em imaginar que fazer uma adaptação das Tartarugas Ninja para a telona não é uma tarefa fácil. Ao longo de 25 anos, os personagens dos quadrinhos criados por Kevin Eastman e Peter Laird os personagens já viraram brinquedos, animações para a TV (em 1987, 2003 e 2012), seriado (em 1997) e já rendeu quatro filmes para o cinema. O primeiro foi realizado de forma independente, lançado em 1990, custou apenas 13 milhões de dólares e arrecadou mais de duzentos milhões ao redor do mundo. Com atmosfera sombria e atores desconhecidos no elenco, o filme chamou atenção para o lucro milionário que as tartarugas poderiam ter no cinema. No ano seguinte foi lançado As Tartarugas Ninja - O Segredo do Ooze que foi mais bem humorado com a intenção de chamar mais crianças para o cinema. Ainda mais diluído foi As Tartarugas Ninja 3 (1993), que levou os heróis de volta no tempo para o Japão Feudal. A bilheteria não empolgou e o estúdio engavetou os personagens até 2007 - quando lançaram As Tartarugas Ninja - O Retorno. Apesar da estreia promissora, o filme não alcançou o sucesso desejado e no ano passado o clã mutante recebeu mais uma chance no cinema. Em termos de produção, essa versão assinada por Michael Bay é a mais caprichada. Fotografia, edição, efeitos especiais, trilha sonora... toda a parte técnica tem tudo o que um blockbuster deseja (tanto que o público lhe concedeu mais de quatrocentos milhões de bilheteria ao redor do mundo). No entanto, o filme pode ser dividido em duas partes. A primeira é a parte em que a repórter April O'Neil (Megan Fox, que aprendeu que é muito melhor como coadjuvante do que como protagonista) começa a investigar um clã criminoso chamado Clã Foot e descobre que um grupo de justiceiros misteriosos, especialista em artes marciais também está no caminho dos criminosos. Ela descobre que o grupo é formado por quatro tartarugas mutantes que possuem uma ligação com seu passado. As tartarugas foram parte de um experimento científico e criadas no esgoto por um rato de laboratório alterado geneticamente chamado Splinter (Tony Shalhoub). Não demora muito para que os vilões comecem a procurá-los - e April descubra que um amigo de seu pai, o cientista Eric Sacks (William Fichtner) é menos confiável do que parece. Quem já conhece os personagens deve estranhar a forma como o roteiro apresenta tudo amarradamente redondo já na primeira hora de filme - sem deixar muito mistério para o resto da exibição. O engraçado é que depois de dar os passos iniciais apresentando Leonardo, Donatello, Rafael e Michelangelo, o filme mergulha em sua segunda parte: somente cenas de ação até que chegue o final. Crianças e adolescentes não irão reclamar, mas falta um arremate coerente com o início da sessão. Muita correria, barulhos, piadinhas, referências de cultura pop toma o lugar do desenho dos personagens que se anunciava e todos viram coadjuvantes da ação, que carece uma conclusão para essa nova aventura. Houve quem reclamasse do visual das novas tartarugas, mas eu gostei. As novas Tartarugas Ninja do cinema parecem mais realistas fisicamente, sendo menos fofinhas. Finalmente Leonardo e seus amigos recebem o trato de super-heróis na telona, porém, ainda falta um roteiro melhor para o quarteto. 

As Tartarugas Ninja (Teenage Mutant Ninja Turtles/EUA-2014) de Jonathan Liebesman com Megan Fox, Johnny Knoxville, Tony Shalhoub, William Fichtner e Will Arnet. ☻☻

quinta-feira, 11 de junho de 2015

.Doc: I Am Divine

Divine: Glenn or Glenda?

Difícil imaginar, ainda hoje, uma figura tão chamativa quanto a drag queen Divine no cinema. O documentário I am Divine, mostra que em vinte anos de carreira fazem a diferença na carreira de Harry Glenn Milstead quando o objetivo é romper vários paradigmas - em uma época marcada pelo conservadorismo. Divine foi a musa dos primeiros filmes de John Waters, o qual conheceu ainda na adolescência e aceitou participar de seus primeiros filmes amadores vestido de mulher. O documentário de Jeffrey Schwarz, busca entender um pouco da personagem e do homem que se escondia por trás das roupas, perucas e maquiagens espalhafatosas com a ajuda de cenas de arquivo, trechos de filmes e entrevistas com os amigos dessa figura. Ainda que tivesse sua namoradinha na época de escola, muitos já notavam que Glenn era homossexual e após ir a uma festa à fantasia vestido de Elizabeth Taylor, ficou difícil disfarçar o que o rapaz carinhoso e gentil escondia. No entanto, bastou ver um concurso de travestis para perceber que jamais se enquadraria naquele físico esguio e elegante. Sempre gordinho e bem humorado, Glenn criaria o conceito de Divine nos filmes do amigo. A personagem ganhou forma nos curtas do diretor lançados na década de 1960, mas foi em Multiple Maniacs (1970) que Lady Divine nasceu para o cinema. Com seu humor maldoso, piadas despreocupadas com o que era politicamente correto e figurino inconfundível, Divine nascia para o estrelato, numa antítese do que o pacato Glenn era na vida real. Era como se fosse a versão transex de O Médico e o Monstro! Em cena,  Divine era capaz de perguntar para uma plateia "quem é capaz de morrer pela arte?" e assim que alguém levantasse, ela o acertaria com um tiro. Esse humor surreal foi consolidado com sua antológica atuação em Pink Flamingos (1972), clássico do humor trash, onde Waters a consolidou como sua musa - ainda que brincando de colocar "A mulher mais linda do mundo" num concurso para descobrir quem era a pessoa "mais suja do mundo"! Os filmes seguintes, Female Problem (1974) e Polyester (1981), tornou a personagem numa referência do underground. Tornou-se a estrela que as estrelas pop queriam conhecer, flertou com a música eletrônica, atuou no teatro, trabalhou com outros diretores e paralelo a tudo isso, Glenn Milstead queria ser reconhecido como artista e não apenas uma drag queen. Glenn ainda enfrentou graves problemas com a balança (chegando a pesar 135 quilos) e com a rejeição da família por boa parte da carreira. Jeffrey Schwarz consegue contar a história de Divine/Glenn com ritmo e bom humor, até o falecimento em 1988 aos 42 anos, quando o reconhecimento parecia finalmente ter chegado. Se Glenn faleceu, um amigo diria que Divine não virou purpurina, mas uma enorme lantejoula! 

I am Divine (EUA-2013) de Jeffrey Schwarz com Divine, John Waters, Mink Stole e Greg Gorman. ☻☻☻☻

PL►Y: Um Momento Pode Mudar Tudo

Hillary e Emmy: as intocáveis?

Houve torcida para que Hilary Swank recebesse uma indicação ao Oscar de melhor atriz esse ano. Parte de seus fãs elogiaram sua atuação no denso Dívida de Honra e outros nesse drama açucarado dirigido pelo meloso George C. Wolfe. Em ambos Hillary alcança bons momentos, mas o peso de ter dois Oscars na estante pesa muito quando a Academia lembra dela, especialmente quando pensam em algumas presepadas que ela já se meteu nos últimos anos. Um Momento Pode Mudar Tudo (alguém pode me explicar o sentido desse título?) foi comparado com o sucesso francês Intocáveis (2012) por tratar do relacionamento de uma pessoa com doença degenerativa e um cuidador pouco convencional. As semelhanças param por aí, já que o filme tenta criar sua história por caminhos próprios. Baseado no livro de Michelle Wildgen, nós acompanhamos a vida de Kate (Hillary Swank), uma mulher de vida confortável, casada com um empresário com porte de modelo da Calvin Klein (Josh Duhamel) e de amigas endinheiradas. A vida de Kate poderia ser perfeita se ela não começasse a desenvolver esclerose lateral amiotrófica logo na primeira cena. Existe um corte na narrativa e quando revemos Kate, sua vida mudou bastante, torna-se dependente da ajuda de outros para realizar tarefas simples para a maioria das pessoas, mas, quando decide contratar uma jovem universitária chamada Bec (Emmy Rosssum) para ajudá-la no dia-a-dia, a decisão parece arriscada - afinal, a garota está longe de ser uma acompanhante experiente. No entanto, desde os primeiros momentos, percebe-se que Kate quer mais a companhia de Bec do que ajuda especializada. Hilary consegue construir uma personagem forte, que disfarça as emoções com o mesmo sorriso tranquilo na face a maior parte do tempo, não importa a situação constrangedora a que é exposta ou a sensação de que seu quadro se agrava. O problema é que o filme tropeça em algumas bobagens, como nunca aprofundar a crise no casamento de Kate ou investir em clichês batidos para vender a imagem de que Bec seja uma adolescente problemática em busca da fama. Quando o texto investe na amizade das duas, o filme flui que é uma beleza, quando pesa a mão para que o resultado valorize mais as gracinhas do que a densidade, a situação complica. Parece que Wolfe quer dar conta de uma história dolorosa, mas tem pena de fazer essa dor alcançar o espectador, criando um paradoxo na narrativa criada no filme. Ainda assim, o filme consegue dar o seu recado, humanizando uma personagem que não deseja a piedade de quem a observa, mas que seja vista como um sujeito consciente do mundo ao seu redor. Num ano em que o Oscar premiou dois atores com trabalhos calcados no avanço progressivo de doenças (Eddie Redmayne por A Teoria de Tudo e Julianne Moore por Para Sempre Alice), o trabalho de Hillary perdeu fôlego nas premiações, mas, ainda assim, a atriz tem a oportunidade de honrar as duas estatuetas numa atuação bem construída capaz de salvar o filme. 

Um Momento Pode Mudar Tudo (You are not You/EUA-2014) de George C. Wolfe com Hillary Swank, Emmy Rossum, Josh Duhamel, Ali Lartes e Julian McMahon. ☻☻☻

4EVER: Christopher Lee

27 de maio de 1922 - 11 de junho de 2015

Nascido em Belgravia no Reino Unido, Christopher Frank Carradini Lee, participou de mais de duzentos filmes, o que não impede que ele seja sempre lembrado como o eterno Drácula (1958) do cinema. Atuando desde 1946, sua carreira no cinema começou em 1956,  com o longa A Batalha no Rio da Prata.  Famoso por sua voz e elegância, sua carreira continuou ativa nos últimos anos, participando de filmes de sucesso como a trilogia O Senhor dos Anéis (2001, 2002 e 2003), a trilogia O Hobbit (2012, 2013 e 2014) e A Invenção de Hugo Cabret (2011). Além de filiado à organização PETA (que luta pelos direitos dos animais), Lee foi nomeado cavaleiro real em 2009. O ator foi casado com a modelo Gitte Lee, com quem teve uma filha (Christina Erika Lee). Lee morreu num hospital em Londres, após ser internado por problemas cardíacos e respiratórios. 

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Na Tela: Miss Julie

Chastain e Farrell: flerte com a tragédia. 

Miss Julie é um daqueles papéis que toda atriz deseja interpretar. Além de dezenas de versões para os palcos, a peça escrita por August Strindberg (1849-1912), coleciona, pelo menos umas sete versões entre cinema e televisão. Em 1999, Mike Figgis dividiu opiniões com sua versão chamada Desejos Proibidos de Miss Julie (1999) estrelada por Saffron Burrows e Peter Mullan. Ano passado foi a vez da eterna musa de Ingmar Bergman, a atriz e diretora Liv Ullman, adaptar o texto para a telona. Em termos de elenco a repercussão estava garantida, escolheu Jessica Chastain para viver a protagonista,  Colin Farrell para viver John (o lacaio que a faz companhia) e Samantha Morton para viver Kathleen (a empregada, noiva do lacaio que finge não entender o jogo de sedução instaurado entre o casal). Quando o filme começa, o comentário entre o casal de empregados é uma dança entre Miss Julie e Jean (Farrell) que aconteceu na noite anterior. Hoje isso poderia ser visto com naturalidade, mas em 1890, no abismo social que separava a nobreza anglo-irlandesa (Julie é filha de um barão) de seus criados, o escândalo seria iminente. Enquanto a dupla de empregados discute, Miss Julie aparece convidando John para dançar novamente e... começa um estranho flerte entre os dois. Por vezes autoritária, em outras ingênua, Julie parece brincar com as reações do criado. Os diálogos ás vezes são ásperos, outras vezes poéticos, mas o centro da discussão está a divisão de classes que existe entre os personagens. Liv Ullman já conta sete trabalhos na direção, mas aqui, ela briga o tempo inteiro com o formato de teatro filmado e, nem sempre, sai vitoriosa. No início as marcações e diálogos são filmados de forma tão teatral que incomoda bastante, depois, Ullman relaxa e o filme consegue fluir melhor, pelo menos até chegar o último ato, onde as emoções do personagem oscilam constantemente e perder o tom parece inevitável, evidenciando que os atores ficaram um tanto desamparados nesse momento perigoso. Ainda assim, Jessica Chastain está ótima como Miss Julie, provando mais uma vez o motivo de ser uma das atrizes mais requisitadas do cinema atual. Ela consegue explorar todas as complexas camadas de Julie diante do tormento que causará a si mesma, sua dor, vergonha e desespero são realmente palpáveis e poderia funcionar ainda melhor se Colin Farrell não caísse no exagero quando Johan mostra-se bem menos frágil do que Julie desejava. Samantha Morton está indefectível como Kathleen, entregando uma boa construção da personagem nas poucas cenas que possui. Essa nova  versão de Miss Julie só não consegue ser melhor porque consegue é menos cinema do que teatro, algumas cenas poderiam ter sido mais lapidadas, os cenários poderiam ser mais explorados e algumas analogias poderiam ter sido mais sutis (a do cachorro funciona bem, a do canário... nem tanto). Porém (vocês vão me crucificar) mas eu adoraria ver Miss Julie ser interpretada por uma jovem atriz de vinte e cinco anos (idade da personagem), Chastain é uma atriz excepcional, mas ela já está com trinta e oito anos e fica estranho quando Colin Farrell (que tem trinta e nove) a chama de criança - nesse ponto, a versão de Figgis tinha a vantagem de ter Burrows (uma atriz sem os encantos de Chastain, mas que na época tinha uma petulância juvenil que funcionava bem aos vinte e sete anos) fazendo par com Peter Mullan (que tinha 40 anos na época e também é  melhor ator que Farrell).  Na versão de Ullman, a idade de seus intérpretes pesa em alguns pontos que o texto naturalista de Strindberg. Ainda assim, a complexa Miss Julie permanece sendo o último suspiro de uma aristocracia decadente, ameaçada por um bando de plebeus que aprendiam que os nobres tinham sangue tão vermelho quanto os demais mortais. 

Miss Julie (Noruega-Reino Unido-Canadá-França-EUA-Irlanda/2014) de Liv Ullman com Jessica Chastain, Colin Farrell, Samantha Morton e Nora McMenamy. ☻☻☻

sábado, 6 de junho de 2015

PL►Y: Tom na Fazenda

Jean e Xavier: as sombrias engrenagens do proibido. 

Depois de três filmes com histórias criadas por ele mesmo, o canadense Xavier Dolan resolveu adaptar uma peça de outro autor para o cinema. Sua escolha foi a densa obra de Jean Marc-Bouchard, que caiu como uma luva nas mãos do jovem cineasta considerado por muitos um prodígio. Tom na Fazenda é o veículo ideal para provar que Dolan consegue explorar uma história mais sombria, com nuances psicológicas ainda mais densas do que a exibida em seus filmes anteriores. A tensão sexual, sempre presente nas obras de Dolan, aqui ganha tons ainda mais densos na história de Tom (vivido pelo próprio Dolan), que vai até a fazenda da família de seu companheiro, Guillaume, para participar do funeral dele. Lá, ele é acolhido por Agathe (Lise Roy), que fica muito feliz em receber a visita de um amigo próximo do filho, o problema está no truculento irmão do falecido, Francis (Pierre-Yves Cardinal). Desde o seu primeiro encontro com Tom, ele deixa claro que está disposto a fazer de tudo para manter a homossexualidade do irmão em segredo, para isso, conta com a ajuda de Tom, que irá sofrer torturas físicas e psicológicas praticadas por Francis para manter o segredo. O texto de Bouchard (adaptado de forma mais que eficiente por Dolan), tempera a relação entre os três personagens com alguns segredos revelados aos poucos (como a existência de uma namorada inventada por Guillaume ou o motivo de ninguém na cidade conversar com Francis) e um bocado de sadomasoquismo. É estranhamente envolvente o jogo que se instaura entre os dois personagens masculinos, deixando nas entrelinhas muitas interpretações psicológicas. O protagonista quando tem chance de fugir daquele tormento é capaz de retorna para pegar a mala (que depois ele nem dá mais tanta importância), sem falar da necessidade de um ter o outro por perto, como se carregassem um espectro do falecido tão necessário para aguentar a rotina árdua da fazenda. No fundo, o trio de personagens soa coerente no desequilíbrio emocional que apresentam ao longo do filme e, acho muito difícil, que outro cineasta conseguisse explorar com tanta elegância e coesão uma engrenagem tão complicada - o que torna ainda mais notável o trabalho do cineasta (que tinha apenas vinte e quatro anos quando o filme foi lançado no Festival de Berlim). Dolan (que é ator desde os cinco anos) está irrepreensível como Tom, equilibrando certo desleixo, fragilidade e um bocado de masoquismo (bastante diferente do jovem topetudo que interpreta em seus filmes anteriores), apresentando aqui o seu trabalho mais impressionante como ator (e o mais redondo como diretor). Ele conta ainda com as belas atuações de Lise Roy (como a matriarca que aos poucos percebe que as peças em cena não se encaixam) e Pierre-Yves Cardinal que consegue expressar um sex-appeal psicótico difícil de descrever (e que gera atração e repulsa na trama). Em Tom na Fazenda, o diretor faz um trabalho mais contido, sombrio, claustrofóbico chegando à uma atmosfera inédita em seus trabalhos. Existem cenas memoráveis, como a reveladora cena em que os personagens dançam tango e Francis faz revelações desagradáveis a cada passo, ou a abertura da caixa de Pandora de Guillaume. (que mostra que a verdade sempre estava ali, mas nunca quis ser descoberta).  Acho interessante que depois de criar filmes tão urbanos, Xavier utilize o clima bucólico da fazenda para criar um universo a parte, pesadelesco, separado de suas outras obras - ainda que coerente com elas. Considero o último ato um primor de realização - e a cena em que sobem os créditos deixa claro o quanto foi estafante para o diretor  lidar com o lado mais obscuro do desejo dos personagens adotados para seu filme. A última cena de Tom, após os créditos, fica ainda melhor quando percebemos que Dolan deixou aquele mundo e voltou para o seu universo tão peculiar (que gerou o premiado Mommy/2014), sendo que ele pode voltar àquela outra atmosfera sempre que questionarem sua versatilidade na sétima arte. Densamente sensacional. 

Tom na Fazenda (Tom à La Ferme/Canadá-França/2013) de Xavier Dolan com Xavier Dolan, Pierre-Yves Cardinal, Lise Roy, Evelyne Brochu e Olivier Morin. ☻☻☻☻

sexta-feira, 5 de junho de 2015

PL►Y: Vizinhos

Momento DeNiro: o elenco se diverte. 

Eu admito que sou um tanto rabugento com comédias, sobretudo as que apelam para baixaria para arrancar risadas da plateia. O problema não é com a baixaria, o problema deve ser meu, já que não acho graça nela. No entanto, de vez em quando surge uma comédia que consegue me fazer lembrar que uma comédia que eleva a idiotice ao nível ilimitado merece respeito. Vizinhos pode não ser um primor em seu humor juvenil, mas consegue gerar risadas sempre que se afasta do ponto cômodo a que a plateia se acostumou durante a exibição. A história do casal Radner (Seth Rogen e Rose Byrne) que compra a casa do sonhos num bairro sossegado para sua filha bebê graciosa e... percebe que tudo foi posto a perder quando uma fraternidade universitária se muda para a casa ao lado possui momentos realmente hilariantes. Um dos acertos do roteiro é não mostrar os Radner como uma dupla de vizinhos careta, digamos que eles acabaram de crescer e, de certa forma, até entendem o comportamento inconsequente de seus vizinhos - tanto que até participam de algumas das festas da fraternidade sempre que podem -, mas sabem que precisam dar conta de manter um ambiente seguro e agradável para o desenvolvimento de sua pequena herdeira. Por outro lado, a fraternidade liderada por Teddy (Zac Efron) e Pete (Dave Franco) realmente não tem limites quando o assunto é fazer barulho nas festas regadas a muita bebedeira e drogas. O que poderia ser apenas mais uma história de humor repetitivo, prova ser uma grande surpresa quando prepara surpresas para o espectador na guerra que se instaura entre os vizinhos. É verdade que algumas piadas parecem um tanto soltas e pouco inspiradas, mas, na maior parte do tempo, Vizinhos cresce consideravelmente ao criar situações mais elaboradas e criativas. Cenas como a festa onde os universitários se fantasiam de personagens de Robert DeNiro, as armadilhas com airbags, o inchaço sofrido pela senhora Radner  e (Rose Byrne literalmente perde as estribeiras nessa comédia, demonstrando ser uma ótima comediante de aparência certinha) e os planos mirabolantes para que a fraternidade seja destruída, geram momentos realmente divertidos. Obviamente que existem alguns excessos de gosto duvidoso (afinal, todo filme de Seth Rogen precisa dessas cenas), mas o filme consegue escapar das armadilhas do moralismo e do politicamente correto criando personagens que tem lá seus problemas pessoais para resolver (se perceber, há pouco mais do que pura implicância de ambos os lados do muro - com um pouco de medo de envelhecer e assumir responsabilidades de ambos os lados da vizinhança). Vizinhos não quer ser inovador ou reflexivo, quer apenas fazer rir com uma guerra de bairro elevada à enésima potência e, amparado por um elenco que não consegue disfarçar o quanto acha graça de todo esse absurdo, alcança seus objetivos sem esforço. 

Rogen e Byrne: ela rouba a cena. 


Vizinhos (Neighbors/EUA-2014) de Nicholas Stoller com Seth Rogen, Rose Byrne, Zac Efron, Dave Franco, Carla Gallo e Christopher Mintz-Plasse. ☻☻☻