domingo, 31 de julho de 2022

HIGH FI✌E: Julho

 Cinco filmes assistidos no mês que merecem destaque:

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PL►Y: Em Família

 
Wang e Trevor: pendenga familiar. 

Confesso que não conhecia o trabalho de Patrick Wang que está em cartaz na MUBI com todos os seus  filmes por tempo limitado, mas confesso que fiquei instigado com o que vi no seu sensível filme de estreia: Em Família. O filme poderia ser a história de um casal homoafetivo e sua rotina com a criação de um filho, mas o destino (ou o roteiro) prepara um acidente de carro para Cody (Trevor St. John) e deixa Joey (Patrick Wang) com a tarefa de criar o pequeno Chip (Sebastian Braodziak), ou pelo menos seria assim se vivêssemos num mundo ideal... como não estamos, Joey irá se meter numa verdadeira pendenga judicial com a irmã do companheiro, que não apenas quer a casa em que viveu até o falecimento de Cody, como também quer a guarda legal do menino que está prevista no testamento deixado pelo falecido. Acontece que a história desta família tem alguns detalhes que serão esclarecidos somente no decorrer da trama em cenas de flashback que contam como os dois se conheceram e passaram a formar um casal e gerou o estranho testamento - que nunca foi revisto pelo falecido. Lembrando que o filme é de 2011, espero que a perspectiva apresentada aqui tenha mudado, já que ela beira ainda mais o absurdo (mas não duvido que ainda aconteça por aí). Se todos sabiam que Cody e Joey eram um casal, seria óbvio que Joey era a pessoa mais indicada para cuidar de Chip (fruto do casamento de Cody com a esposa que pereceu no parto) é o viúvo. No entanto, a ideia de uma vontade sagrada do finado (respaldada por um conservadorismo tacanha) perpassa toda a discussão do filme. Assim, não bastasse a dor de ter perdido o parceiro, o protagonista ainda perderá tudo conquistado afetivamente na relação. Esta pendenga familiar rende até uma cena de audiência das mais constrangedoras em que uma série de insinuações sobre a vida particular de Joey são postas em julgamento, mas que não dissipa a pergunta enunciada por ele na reta final: em que momento ele deixou de ser o Joey para se tornar um completo estranho daquela família? Em Família fica mais interessante quando paramos de demonizar o papel de irmã e percebemos como às vezes as pessoas são capazes de crueldades impensáveis para silenciarem a sua própria dor. Obviamente que ela sente falta do irmão e o sobrinho simboliza o que resta dele e faz com que deseje que esteja sempre por perto, mas por outro lado, isso demonstra um egocentrismo que só acarreta situações em que o preconceitos variados emergem sem grande esforço. Embora eu considere a longa cena da audiência um tanto apelativa e melodramática, o efeito pesadão é dissipado magistralmente na cena final. Em Família é um drama familiar, mas bem que poderia ser visto como um filme de horror em família, assim como outro filme sobre amores entre iguais e suas famílias "amigáveis", o bom O Amor é Estranho (2014). Ambos os filmes parecem beber na mesma fonte e tocam em feridas que pareciam não existir em torno de seus personagens gays e seus parentes amorosos...  

Em Família (In the Family / EUA-2011) de Patrick Wang com Patrick Wang, Trevor St. John, Sebastian Broadziak, Lisa Altomare e Conan McCarty. ☻☻☻

PL►Y: Persuasão

 
Dakota: fazendo o que pode. 

Não deixa de ser surpreendente que o atual filme a ser massacrado a ser lançado pela Netflix seja uma adaptação da cultuada escritora inglesa Jane Austen. Venerada por plateias até hoje, a autora costuma render boas adaptações para o cinema e, como ela não possui tantos livros assim (seis romances publicados, uma peça de teatro, um conto, duas obras incompletas e alguns textos que escreveu antes de ser consagrada), chegou a hora das refilmagens começarem a ser tornar comuns. Assim, alguns diretores tendem a buscar um diferencial para suas obras, assim como as comparações se tornam inevitáveis. Persuasão é uma obra póstuma de Jane, publicada em 1818, um ano depois da morte da escritora aos 41 anos de idade. Neste livro estão lá a visão astuta da sociedade da época, uma sensibilidade especial para desenvolver a situação das mulheres naquele período e aquela refinada ironia na abordagem de convenções sociais e relações de classe. No filme da Netflix dirigido pela diretora Carrie Cracknell (famosa por seus trabalhos no teatro e versões televisionadas no programa National Theatre Live) o que existe é a tentativa de modernizar o que já é bom - e o resultado não agradou. A trama gira em torno de Anne Elliot (Dakota Johnson), mocinha que foi pedida em casamento pelo amor de sua vida, Wentworth (Cosmo Jarvis), mas que foi persuadida a não aceitar a proposta por conta da origem humilde do rapaz. Acontece que ele foi para as forças armadas e ela seguiu a vida. Oito anos depois ele está de volta e ela continua solteira... cogitando que ter aceitado aquela proposta não era uma ideia tão ruim assim. Da trama original de Austin, sobrou exatamente esta premissa, já que todo resto é uma versão diluída de todo o estilo e intenções da escritora. Para os fãs da escritora trata-se de um sacrilégio, para o resto dos mortais pode ser um passatempo aceitável, ainda que o filme soe cada vez mais sem graça no decorrer de suas quase duas horas de duração. Até mesmo o recurso que coloca Anne quebrando a dita quarta parede e conversando com o espectador não parece bem utilizada. Se o longa já sofria comparações com as versões anteriores da obra, a coisa piorou quando o uso deste recurso de falar para a câmera rendeu comparações com a cultuada série Fleabag, especialmente pela ausência da qualidade de escrita esperta de Phoebe Waller-Bridge. Resta ver o esforço de Dakota Johnson para entreter a plateia ao lado do charme de Cosmo Jarvis e Henry Golding (que vive Mr. Elliot). O fato é que para além de Fleabag eu vi traços de uma tentativa de inserir a história num universo próximo de outra série de sucesso, Bridgerton da própria Netflix. Como dá para perceber, este Persuasão parece com coisas demais para soar como Jane Austen. 

Persuasão (Persuasion/EUA - 2022) de Carrie Cracknell com Dakota Johnson, Richard E. Grant, Henry Golding, Cosmo Jarvis, Jordan Long, Simon Paisley Day. 

PL►Y: A Professora do Jardim de Infância

Sevak e Maggie: boas intenções obsessivas. 

Assistindo à interpretação de Maggie Gyllenhaal em A Professora do Jardim de Infância, eu só lembrava de sua estreia na direção com A Filha Perdida (2021). Se no antológico Secretária (2002) a atriz de rosto meigo já demonstrava sua atração por personagens complexos em seus trabalhos como atriz (o que deixa o contraste ainda mais interessante), com sua estreia atrás das câmeras, demonstrou também extrema habilidade narrativa emoldurando este tipo de protagonista (tanto que foi indicada ao Oscar pelo roteiro adaptado do livro de Helena Ferrante). Caso o roteiro caísse nas mãos dela hoje em dia, provavelmente a Maggie iria tentar fazer deste seu novo projeto na direção. Desculpe se daqui em diante possa aparecer alguns SPOILERS. Não sei se é apenas na minha cabeça, mas enxergo um bocado de semelhanças entre os dois filmes. A primeira delas é que ambas tratam de professoras. A segunda é que ambas estão visivelmente insatisfeitas. A terceira é que a relação que possuem com os filhos vai de mal a pior. A quarta é que eu não ficaria surpreso se a personagem de Olivia Colman fizesse exatamente o que a de Maggie neste aqui se tivesse a chance - e existem semelhanças nos desdobramentos reservados ao roteiro sobre o "sequestro" de algo importante. Vamos à história: Lisa Spinelli (Maggie Gyllenhaal) é a professora do título que parece ter deixado de achar graça no trabalho. A vida em família também não anda muito empolgante. Por debaixo de toda a rotina, percebe-se que existia uma mulher com grandes ambições literárias que foram silenciadas ao longo do tempo e das obrigações que ele trouxe. Sua vida recebe uma luz diferente quando ela descobre em sua sala um menino de cinco anos capaz de fazer poesias espontaneamente. Lisa fica fascinada com a forma como o garotinho diz seus pensamentos de forma poética e tenta contar com a ajuda da babá dele para descobrir outras preciosidades que ele possa recitar ao longo do dia. Jimmy (Parker Sevak) é um menino comum, que não recebe muita atenção da família, mas que aos poucos Lisa começa a construir uma verdadeira obsessão. Admiradora das criações do menino, ela começa a ter atitudes cada vez mais radicais em nome do talento que enxerga nele, mesmo que isso possa custar tudo o que construiu até ali. A diretora Sara Colangelo utiliza o encontro destes dois personagens em fases de vida completamente diferentes em suas vidas para que a professora comece a entrar em conflito com o que construiu em sua vida e os desejos que tinha para si. Diante das suas atitudes cada vez mais desesperadas existe um tanto de fazer o que se pode para preservar o  talento do menino, mas também um tanto de medo de cair no abismo que ela mesmo construiu para si perante o pragmatismo da vida adulta. A Professora do Jardim de Infância é um destes filmes aparentemente simples que se torna mais interessante quando notamos o que está em suas entrelinhas, e estas são escritas com maestria por Maggie em um dos melhores trabalhos de sua carreira de atriz.  

A Professora do Jardim de Infância (The Kindergarten Teacher/ EUA - 2018) de Sara Colangelo com Maggie Gyllenhaal, Gael Garcia Bernal, Michael Chernus, Parker Sevak e Sam Jules. ☻☻☻

sábado, 30 de julho de 2022

4EVER: Nichelle Nichols

 
28 de dezembro de 1932✰ 30 de julho de 2022

Se ainda hoje precisamos falar sobre a importância da representatividade na composição de elencos - e muitas vezes segue um debate acalorada sobre isso e aquilo -, imagino quando surgiu a ideia de em 1966 (em meio às discussões sobre os direitos civis dos afro-americanos) escalar uma atriz diferente para viver a tenente Nyota Uhura em Star Trek. Nascia então mais do que uma musa, mas uma inspiração para milhares de garotas ao redor do mundo. Imagino Nichelle Nichols ouvindo Whoopi Goldberg dizendo que ao vê-la na TV gritou pelos seus pais para celebrar sua alegria em ver uma mulher negra sendo apresentada não como empregada ou escrava, mas como uma tenente enviada para missões no espaço. Nichelle nasceu em Illinois numa família de dez crianças e antes de se tornar atriz foi cantora e dançarina. Nos anos 1970 foi contratada pela NASA para campanhas de recrutamento de jovens astronautas e em 2016 ganhou um Satellite Awards pelo conjunto da carreira. Embora tenha feito inúmeros trabalhos para o cinema e a TV, foi no infinito universo de Star Trek que a atriz encontrava maior notoriedade e a devoção de milhares de fãs ao redor do mundo. A atriz faleceu de causas naturais aos 89 anos. 

Na Tela: Elvis

 
Butler: dá logo o Oscar para ele!

Vendo Elvis de Baz Luhrman, lembrei quando ouvi aquele CD, o #1Hits (a famigerada coletânea com os maiores hits do Rei do Rock) e minha irmã caçula disse que preferia ver as apresentações dele cantando. Na hora eu disse que não tinha entendido, ela sabiamente respondeu "você acha que a gente gosta dele só por causa da voz?". Este é o espírito que esta cinebiografia dirigida pelo australiano Baz Luhrman consegue captar com perfeição. Embora as músicas do cantor esteja imortalizada em um legado inquestionável, o filme tenta reproduzir o impacto da figura de um branco cantando músicas de inspiração na música negra americana com toda a ginga, rebolado e entonações vocais numa época em que segregação e conservadorismo eram [sic?] palavras de ordem.  Quem conhece Baz Lurhman sabe que ele sempre capricha no visual, mas seu cinema não se conectava com o público desde Moulin Rouge (2001). Suas andanças pela seara dos épicos românticos (Austrália/2008) e das refilmagens (O Grande Gatsby/2013) não agradaram os críticos ou as plateias com seus resultados fora do tom. Aqui, com o perdão do trocadilho, nada está fora do tom. Baz demonstra principalmente ser um expert em construir uma narrativa musical de forma inebriante (vale lembrar que seu primeiro grande sucesso, Vem Dançar Comigo/1992 também tinha nas músicas um instrumento narrativo fundamental). Aqui, ele conta a história do garoto de Memphis nascido em 1935 e o impacto da música negra em sua vida desde pequeno. Se você acha a tensão racial nos Estados Unidos hoje acirrada, você não faz ideia de como era naquele tempo. O filme deixa claro como tirou a sonoridade que seria conhecida como rock do gueto especialmente pelo impacto de sua figura sobre as plateias femininas (e masculinas, já que mexia com as fantasias de ambos os lados). Nesta empreitada, Baz controla sua tradicional montagem picotada para que possamos apreciar ainda mais seu visual irresistível, tão colorido e luminoso quanto sedutor. No entanto, quem bilha mesmo é o pouco conhecido Austin Butler (e o fato de deixar seus cabelos louros em tons negros para o filme o torna ainda mais difícil de ser reconhecido). Butler é mais conhecido por fãs dos seriados Arrow e Carrie Diaries, mas até então não havia realizado nada tão grandioso quanto a sua encarnação de Elvis Presley, porém, parece que Baz Luhrman encontrou o ator num centro espírita da Califórnia e o escalou para personificar o protagonista. Butler faz um trabalho fenomenal de expressão facial e corporal, de forma que em poucos instantes você acredita que Elvis não morreu! Dando conta dos momentos mais dramáticos e mais, digamos, incandescentes do personagem sobre um palco, o ator já está cotado para o Oscar do ano que vem (e com chances verdadeiras de levar a estatueta para casa). Repleto de sucessos do Rei e números de palco, o filme pega leve no lado sombrio do astro (o vício em drogas, as traições, a crise no casamento e a decadência) para homenagear  a importância do artista, mas destaca bastante sua conflituosa relação com o misterioso Coronel Tom Parker (Tom Hanks),  um oportunista que percebeu todo o potencial do rapaz quando ele ainda era desconhecido. Embora muita gente considere que Hanks esteja caricato no papel e que a narrativa seja chapa branca demais, o que mais me incomodou foi alguns aspectos cafonas do roteiro quando resolve falar do amor dos fãs por Elvis, especialmente naquela parte final. O ideal era que o filme terminasse naquela última cena do cantor se despedindo da esposa Priscilla (Olivia DeJonge) que daria conta da emoção necessária para ficar na memória da plateia que sai animada do cinema. P.S.: fiquei com vontade de enviar uma carta para Baz Luhrman e sugerir mais três biopics, as próximas seriam de David Bowie, Bob Fosse e Cher. Acho que o visual do diretor faria a diferença para contar estas carreiras extraordinárias!

Elvis (EUA - Austrália) de Baz Luhrman com Austin Butler, Tom Hanks, Olivia DeJonge, Kodi Smit-McPhee, David Wenham, Luke Bracey, Helen Thomson e Richard Rocburgh. ☻☻☻☻

PL►Y: Psychobitch

Elle e Tidemann: pena que o filme acaba...

Uma das sensações mais deliciosas do universo (e sempre que escrevo isso, penso em fazer uma lista prosaica listando as dez mais na minha humilde opinião) é você encontrar um filme do qual você nunca ouviu falar, assistir e perceber que ele é um verdadeiro tesouro. Tive esta sensação esta semana com Psychobitch, dramédia romântica adolescente norueguesa que estava prestes a sair da MUBI  - o que me fez correr para assistir na minha lista. O filme se passa quase o tempo todo dentro de uma escola em meio às situações mais corriqueiras da adolescência. A trama gira em torno do garoto exemplar Marius (Jonas Tidemann), que tem ótimo comportamento, tem boas notas, é esportista e precisa lidar com seu total oposto: Frida (Elli Rhiannon Müller Osborne), uma garota instável com fama de temperamental, irresponsável e um tanto doidinha (pois é, o título do filme é em sua homenagem). Eis que um professor resolve juntar os dois para fazerem um trabalho (e com isso melhorar as notas da menina) e, os dois começam a se estranhar até que começam a perceber que os sentimentos que começam a nascer entre ambos podem ser bastante transformadores para ambos. Este é o terceiro filme do diretor Martin Lund que demonstra aqui o quanto é esperto para saber que o melhor do cinema é compor uma cena e não ficar descrevendo para o espectador o que se vê na tela. Aqui os personagens não precisam ficar ressaltando oralmente as suas características para nos fazer entender o que se passa na cabeça de cada um deles (e estamos falando de adolescentes, o que torna tudo ainda mais complicado). Desde o início sabemos que Marius é um bom moço, assim como percebemos que existe um bocado de dor e ação defensiva no comportamento de Frida (que tem sua cota de fantasmas para exorcizar). O mais legal é a forma como o laço entre o jovem casal de fortalece e mexe um bocado com a estrutura das relações que os cercam, seja com os pais, com os colegas, com a pretendente que nunca sabe direito o que quer fazer... o fato é que Lund parece manjar bem sobre este universo e faz com que o filme cresça com as inseguranças de seus personagens, os medos, as pretensões e os conflitos com aquele momento em que você se vê diante da escolha de deixar de ser o que os outros esperam de você e ser o que você deseja. Psychobitch pode até ser previsível, mas é conduzido de forma impecável e bastante sensível sobre as dores da adolescência e os amores que serão eternos enquanto durem. É precisa ressaltar a importância da trilha sonora e o trabalho dos jovens atores no resultado final. Elli consegue nos fazer simpatizar gradativamente com sua personagem conforme o roteiro lhe oferece novas camadas, assim como Marius que por vezes tem algumas atitudes questionáveis em nome de uma reputação que nem ele sabe se quer continuar mantendo. Uma verdadeira pérola que se tornará um clássico juvenil europeu no meu calejado imaginário cinéfilo. 

Psycobitch (Noruega/2019) de Martin Lund com Jonas Tidemann, Elli Rhiannon Müller Osborne, Saara Sipila-Kristoffersen, Bethina Nærby e Eilov Gravdal. ☻☻☻☻

PL►Y: Eduardo e Mônica

Gabriel e Alice: outra versão de Eduardo e Mônica. 

Eduardo e Mônica é um clássico do rock nacional, além disso é uma das músicas mais populares (e fofas) da Legião Urbana. Aquele tipo de música que conta a história de personagens, mas que ao invés de toda a densidade da famosa Faroeste Caboclo (que virou filme em 2013 pelas mãos de René Sampaio), aqui a sensação é de leveza, descontração e alegria proporcionada pelo encontro com sua alma gêmea - ainda que por vezes, pareça que são diferentes demais para dar certo. Existe uma simpatia tão grande pela música que é como se aqueles personagens fossem velhos conhecidos que, sempre que ouvimos a música, lembramos que existem e a história de ambos se passa na nossa cabeça feito um filme. Levar uma história destas ao cinema era uma ideia que já parecia ter metade do apelo perante o público garantido. A outra metade ficaria por conta da capacidade do cineasta e a equipe honrarem o legado da canção em tom leve e despretensioso. No entanto, mais uma vez, tenho a sensação que René Sampaio escuta outras versões das músicas da Legião quando resolve fazer um filme sobre elas. No caso, a versão que ele ouviu de Eduardo e Mônica deveria ser um LP arranhado que e sem a parte final da faixa. Se tenho minhas reclamações sobre o filme de Faroeste Caboclo, aqui elas são maiores ainda. Em Faroeste pelo menos havia a proximidade com a atmosfera da composição de Renato Russo, aqui, ele filma o que poderia ser uma despretensiosa comédia romântica como se fosse criar um drama denso baseado em Pais e Filhos. Não combina. Pouca coisa combina para falar a verdade. Os anos 1980 parecem presentes somente na trilha sonora de hits daquele época (embora misture punks ouvindo B52's), tem muita festa estranha com gente (não tão) esquisita (este deve ser o trecho favorito do diretor sobre a história do casal). Ele também lembrou que Eduardo jogava futebol de botão com seu avô, mas desperdiça todas as chances de diálogos e assuntos que a canção oferece para as conversas entre os dois. Chega a dar raiva como as preferências de ambos é simplesmente jogada no meio das conversas até que eles comecem um romance que não ata, desata ou empolga. O Gabriel Leone está bem como Eduardo e o torna convincente com o que o roteiro capenga lhe oferece. O maior problema está na escalação de Alice Braga para viver a Mônica. Desde que soube de sua escolha achei algo bastante problemático. Todo mundo sabe que ela a personagem é mais velha que sua cara metade, mas Alice já está beirando os quarenta e está longe de ter a leveza que a personagem pediria para convencer ao lado de um garoto que "tinha dezesseis". Na sua concepção, a Mônica é uma chata prestes a ficar velha e sozinha. Assim, a diferença entre os dois aparece principalmente porque ela e Gabriel estão em filmes diferentes que teimam em se misturar por alguma magia estranha da montagem final. Difícil convencer que os dois são caras metades destinadas a passar a vida juntos, acho que nem um, nem outro são apaixonados para isso.  Para completar a estranha sensação que o filme oferece, no final surge todo o elenco cantando a música com uma animação que ficou fora de todas as cenas do filme. Sendo mais denso do que precisava (ele começa com cinzas de alguém sendo jogadas ao vento e termina com o clássico verso "quem um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração" exposta de forma, digamos... "tão criativa"), a pretensão pesou sobre o projeto.  Prefiro botar meu LP (anos oitenta, tá pessoal) e ouvir a música fazendo o filme na minha cabeça. É muito mais divertido. 

Eduardo e Mônica (Brasil - 2022) de René Sampaio com Gabriel Leone, Alice Braga, Juliana Carneiro da Cunha, Otávio Augusto e Victor Lamoglia. 

domingo, 24 de julho de 2022

Pódio: Michelle Yeoh

Bronze: A Sogra Milionária. 

3º Podres de Ricos (2018) Nascida na Malásia em 1962, Michelle Yeoh estudou balé desde os quatro anos de idade e foi para Londres estudar na Royal Academy quando era adolescente. Pouco depois, foi premiada como Miss Malásia e desde que chegou em Hollywood com 007 - O Amanhã nunca Morre (1997) a ideia de viver personagens femininas empoderadas se tornou constante em sua carreira. Falta só uma indicação ao Oscar para consagrar de vez sua carreira  - e ela passou bem perto como a milionária Eleanor Young que fará de tudo para seu filho não correr o risco de sofrer um golpe do baú. Michelle é pura elegância na pele de uma sogra bastante desconfiada. 

Prata. A Guerreira Destemida. 
2º O Tigre e o Dragão (2000) Não sou grande fã deste filme de Ang Lee, mas é inegável o apelo que o filme ostenta ao redor do mundo com sua plasticidade e lutas hipnóticas. No meio de tudo isso, Michelle Yeoh brilha como Yu Shu Lien, uma guerreira responsável por entregar uma espada lendária ao governador Yu, mas nem tudo corre como o esperado. Yeoh é uma das responsáveis por temperar toda a ação do filme com doses generosas de obstinação e paixão, gerando algumas das melhores cenas da produção. O filme ganhou 4 Oscars (filme estrangeiro, fotografia, trilha sonora e direção de arte), mas faltou indicar a atriz por seu trabalho fascinante (que foi lembrada somente no BAFTA). 

Ouro: A Mulher no Multiverso. 
1º Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo (2022) Depois de passar os últimos anos servindo de coadjuvante de luxo em todo tipo de produção, a atriz ganhou finalmente um papel capaz de fazer com que todo o seu talento seja explorado. Na pele da imigrante chinesa que se vê envolvida numa verdadeira conspiração no multiverso, Michelle faz de tudo. Faz drama, comédia, romance, luta Kung Fu e guia a plateia em uma narrativa tão frenética quanto ramificada. O mais legal é que em momento algum o filme perde seu ritmo ao conduzir a plateia nesta deliciosa sandice. Posto entre os melhores lançamentos do ano, a torcida para o Oscar finalmente lembrar da atriz é grande! 

#FDS Na Tela: Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo

Hsu, Yeoh e Quan: família em apuros nos maiores delírios do multiverso. 

Existe um consenso de que Hollywood já viveu dias mais criativos em sua história. Basta ver o número de indicados ao Oscar de melhor filme de 2022 (entre dez produções, quatro são novas versões de obras já assistidas anteriormente - e, ironicamente o ganhador da honraria foi o remake de um filme francês). Some isso à tristeza do período de vacas magras cinematográficas na pandemia e a avalanche de blockbusters que parecem inúmeras versões de si mesmos, que você nota como assistir Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo tem um gosto especial, não apenas pela sua originalidade e complexidade, mas também pela forma como os diretores perdem as estribeiras sem a menor cerimonia. Os chamados Daniels (Dan Kwan e Daniel Scheinert) já assinaram juntos o estranho Um Cadáver para Sobreviver (2017) - e deixaram claro que a visão criativa de ambos extrapola qualquer caixinha que se possa imaginar. Aqui eles resolveram extrapolar mais ainda, ao contar a história de pessoas comuns envolvidas numa conspiração multiversal. Evelyn Wang (Michelle Yeoh) é a dona de uma lavanderia que já viveu dias melhores. Casada com o simpático Waymond (Ke Huy Quan) e mãe de Joy (Stephanie Hsu), ela tem dificuldades para lidar com todas as reponsabilidades da casa enquanto o esposo parece alheio às dificuldades que os cerca e a filha tenta impor sua homossexualidade no cenário conservador de sua família de origem chinesa. Para deixar tudo mais tenso, Evelyn começa a ter problemas com a Receita Federal dos Estados Unidos e suas burocracias (personificada por uma imprevisível Jamie Lee Curtis). O que começa como uma comédia dramática sobre imigrantes, logo muda radicalmente de tom quando uma versão de Waymond alerta Evelyn sobre os perigos que a aguarda nas diversas versões que o multiverso abriga. Ela demora um pouco a acreditar que sua vida é diferente em outros universos, já que cada escolha realiza uma bifurcação e seu destinos se transforma infinitamente.  A partir daí, Evelyn atravessará as várias versões de si mesma numa caótica aventura que tem como maior desafio não deixar o espectador perdido diante de todas as possibilidades que anuncia. É mais ou menos o que o belga Jaco Van Dormael fez no pouco visto Sr. Ninguém (2009), só que de forma bem menos dramática ou controlada. É visível como os Daniels se divertem ao lado de seu elenco perante as sandices que apresentam, assim, sobrepõem realidades em que Evelyn pode ser uma estrela do cinema ou uma exímia lutadora de Kung-Fu ou uma mulher com dedos de salsicha ou, até mesmo, uma pedra. Nem vale a pena citar as várias referências que os diretores utilizam para construir estes universos alternativos (são obras de Kubrick, David Lynch, Ang Lee, Wong Kar-Wai e até animações da Disney), o resultado é um visual tão espalhafatoso (e ao mesmo tempo coerente) que só mais tarde nos damos conta de que tudo aquilo é o disfarce para um drama familiar. Neste ponto, vale destacar o trabalho do elenco, especialmente Ke Huy, que era um menino quando se tornou famoso com sucessos do porte de Indiada Jones no Templo da Perdição (1984) e Os Goonies (1985) e depois deixou o cinema em segundo plano. Aqui, ele prova que seu carisma foi ainda mais enriquecido com a passagem do tempo. Jamie Lee Curtis também merece destaque por sua melhor performance em muito tempo, provando que fica ainda melhor quando vivencia personagens capazes de surpreender o espectador. No entanto, a alma do filme é Michelle Yeoh, que faz tempo merece todo nosso respeito e ainda carece de maior reconhecimento em Hollywood. Se ao longo de quase quarenta anos de carreira cinematográfica a ex-miss Malásia já interpretou todo tipo de personagem, aqui ela dá conta de uma gama de personalidades de forma que sua versatilidade torna-se ainda mais notável. Prestes a completar 60 anos, Michelle desponta como um nome forte para a temporada de premiações, só espero que lembrem da experiência que o filme proporciona até lá. Esteticamente impressionante e atmosfericamente bem humorado, Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo já é um dos melhores filmes do ano. 

Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo (Everything Everywhere all at Once/ EUA - 2022) de Dan Kwan e Daniel Scheinert com Michelle Yeoh, Jamie Lee Curtis, Ken Huy Quan, Stephanie Hsu, James Hong, Jenny Slate, Harry Shum Jr. e Randy Newman. ☻☻☻☻☻

sábado, 23 de julho de 2022

#FDS Na Tela: O Telefone Preto

Hawke: a arte de interpretar com rosto coberto. 

No ano de 1978 uma série de sequestros aterroriza a cidade de Denver nos Estados Unidos. Adolescentes desaparecem com frequência e a polícia se percebe sem pistas sobre o paradeiros dos meninos ou a identidade dos responsáveis pelos crimes. Quando O Telefone Preto começa, não sabemos muito mais do que isso, e ao longo da história pouca coisa é acrescentada às razões que motiva o sádico assassino interpretado por Ethan Hawke - e tudo se torna ainda mais assustador. Os meninos desaparecidos são apresentados rapidamente através de cenas de seu cotidiano comum de jogos de baseball ou de brigas na escola. O sujeito que os sequestrada é apresentado rapidamente antes dos crimes e só. Curiosamente é uma menina que desperta a atenção dos policiais por saber mais do que é noticiado. Ela é a pequena Gwen Shaw (a ótima Madeleine McGraw), que tem sonhos assustadores sobre os sequestros que assolam a cidade. Ela e o irmão, Finney (Mason Thames) tem suas próprias doses de tragédias pessoais para administrar. A mãe é falecida e o pai está claramente instável para cuidar das duas crianças (e é impressionante como Jeremy Davies passou de bom moço para viver adultos transtornados em sua carreira). Como se não bastasse os traumas que a família precisa exorcizar, Finney se torna o próximo alvo do sequestrador e vai parar num quarto isolado do resto do mundo, sujeito às vontades do sequestrador mascarado. Fazendo companhia ao rapazinho está um telefone preto desativado que, de vez em quando, toca sem maiores justificativas para que vozes diferentes orientem Finney a como sobreviver àquela situação. Baseado num conto de Joe Hill, autor das obras que deu origem aos filmes Amaldiçoado/2013 e a série Locke & Key da Netflix e filho do cultuado Stephen King, tem aqui sua chance de começar a chamar a atenção no cinema com uma história em que elementos comuns do filme de terror se confrontam. Estão presentes as crianças assombradas, um serial killer e almas penadas em uma história conduzida pelo diretor Scott Derrickson com mais foco no suspense e nos dramas de seus personagens do que na sanguinolência. Vale lembrar que Derrickson ficou famoso por seu excepcional trabalho em O Exorcismo de Emily Rose (2005), filme em que conseguir misturar terror e drama em uma sintonia perfeita (o que o coloca entre uma das obras do gênero mais relevantes do século XXI). Scott ganhou o mundo com a primeira aventura do Doutor Estranho (2016) nas telonas e, por divergências criativas com a Marvel, seu filme seguinte é este. Não contente com o teor de horror da trama, o cineasta tem a chance de construir um diferencial com base na relação dos dois irmãos e nas imagens envelhecidas que conseguem conferir grande autenticidade à narrativa, que por vezes parece até documental. Embora tenha claras referências aos filmes baseados nas obras de Stephen King, Derrickson confere a O Telefone Preto uma atmosfera própria, até imprevisível pela forma como utiliza os elementos que tem em mãos. Com as crianças recheando o filme de carga dramática, cabe a Ethan Hawke construir o contraponto sinistro do filme. Quando mais jovem, Hawke criou para si o desafio de se tornar um ator respeitável quando a imprensa teimava em confrontá-lo com o contemporâneo River Phoenix. Phoenix nos deixou cedo, mas Ethan continuou se esforçando para ser reconhecido como ator. No entanto, embora tenha quatro indicações ao Oscar (duas como ator coadjuvante e duas como roteirista), o ator segue em sua jornada de criar personagens icônicos nos últimos anos. Colocando em perspectiva sua carreira, ele parece se espelhar em Willem Daffoe na diversidade de papéis que escolhe. Aqui, ostentando uma máscara praticamente o tempo inteiro (uma magistral criação do mestre Tom Savini), resta à Hawke mostrar que o trabalho de um ator se constrói muito de gestos, olhares e trabalho vocal. Neste duelo entre o bem e o mal, embora um lado saia vencedor no desfecho da trama, em termos de talento, existe praticamente um empate de seus intérpretes. Não por acaso, já se fala de novos filmes explorando a história do misterioso personagem vivido por Hawke (só espero que encontrem crianças tão talentosas quanto as que aparecem neste filme).

Madeleine e Mason: artistas promissores. 

O Telefone Preto (The Black Phone - EUA/2022) de Scott Derrickson com Mason Thames, Ethan Hawke, Madeleine McGraw, Jeremy Davies, James Ransone, Tristan Pravong e Jacob Moran.  

sexta-feira, 22 de julho de 2022

#FDS Na Tela: Thor - Amor e Trovão

 
Taika, Natalie, Tessa e Chris: que os deuses nos protejam. 

Acho que hoje em dia ninguém duvida que o neozelandês Taika Waititi gosta mesmo é da zoeira. Uma zoeira que até aqui ele conseguiu demonstrar que pode ser muito eficiente quando bem estruturada na vontade de entreter de forma inteligente. Foi assim que ele conquistou fama para além do seu país com O Que Fazemos nas Sombras (2014) e ser escalado para colocar o Deus do Trovão da Marvel nos eixos com Thor: Raganarok (2017). Naquele filme, Taika demonstrou que para ele nada era sagrado e Thor (Chris Hemsworth) ressurgia repaginado, regado de humor e um visual colorido que bebia nas HQs mais psicodélicas do herói. Parte dos fãs adorou a empreitada, a outra parte torceu o nariz ao ver o deus nórdico virar uma espécie de comediante. Este segundo grupo deve detestar ainda mais esta nova empreitada de Waititi no universo da Marvel, quanto aos primeiros... parte deles dará as mãos aos segundo. Thor: Amor e Trovão é uma verdadeira bagunça, seja no roteiro ou na narrativa que abraça para si tantos assuntos (alguns tão complicados quanto promissores) mas que mal consegue dar conta do básico: desenvolver os personagens enquanto conta uma história. Desculpem se o que escreverei nas próximas linhas pode parecer uma sucessão de SPOILERS, mas é praticamente a sinopse do filme: O início é bastante promissor ao contar a origem de Gorr (Christian Bale), uma espécie de Jó (aquele da Bíblia) às avessas que após perder tudo que tem se revolta com os deuses após perceber que desejam dos humanos apenas a adoração eterna. De posse de uma espada lendária, Gorr começa a dar cabo de todos os deuses que cruzarem seu caminho (com exceção do Zeus vivido por Russell Crowe, que este estará no caminho do Thor mesmo). Os assassinatos chamam a atenção de Thor que está ao lado dos Guardiões da Galáxia resolvendo pendengas intergalácticas, até que resolve colocar sua vida nos eixos novamente. Enquanto isso na Terra, a doutora Jane Foster (Natalie Portman) sofre com seu tratamento contra o câncer e descobre, por acaso, ser honrada o suficiente para usar o lendário Mjolnir... já Valquíria (Tessa Thompson) transforma Nova Asgard em uma espécie de parque temático até que o vilão da vez apareça para atrapalhar os negócios. Como podem perceber são muitas pontas para o filme dar conta (e tempo ele tem de sobra para fazer isso com suas duas horas de duração), mas tudo é tão superficial e caricato que não chega a empolgar. Parece uma grande colagem de esquetes com piadinhas sobre heróis e deuses, o que deixa o amor de título em último plano. Nem vou citar a pobreza com que a dualidade da morte iminente de Jane é tratada com sua jornada super-heróica, o que chega a ser revoltante para quem imaginava que a oscarizada Natalie Portman finalmente teria o destaque merecido no Universo Marvel. Se Chris Hemsworth começa a cansar com seu humor gaiato, resta para Christian Bale dar alguma dignidade ao filme nas suas cenas mais dramáticas (a primeira e a última). A cena final também é bem borocoxô e não motiva o a imaginar o que está por vir com o Deus do Trovão - coisa que fica a cargo da cena pós-crédito que promete colocar Thor diante do filho de um deus com, digamos, a mesma envergadura que ele. Assim como em Thor: Ragnarok, Taika parece estar brincando com suas action figures, mas desta vez (talvez por ter ganho o Oscar de roteiro adaptado por Jojo Rabbit/2019 e a confiança dos produtores), faltou um coleguinha para dizer que não estava entendendo nada daquela sandice. O pior é que comparado com Doutor Estranho: No Multiverso da Loucura/2022 e Eternos/2021, o filme demonstra mais uma vez que, a cada filme que passa, a Fase 4 da Marvel parece mais perdida em sua expansão. Não é por acaso que após ver o público sair em silêncio da sala de cinema, o único comentário que ouvi foi uma espectadora animada ao dizer "eu vi o bumbum do Thor". Odin deve estar orgulhoso.

Thor: Amor e Trovão (Thor - Love And Thunder / EUA - Austrália / 2022) de Taika Waititi com Chris Hemsworth, Natalie Portman, Christian Bale, Tessa Thompson, Taika Waititi, Russell Crowe, Chris Pratt, Dave Bautista e Jaimie Alexander.   

§8^) Fac Simile: Jack Quaid

Jack Henry Quaid
Ao ver aquele rosto já conhecido da série The Boys em filmes como o novo Pânico, pouca gente se dá conta de que Jack Quaid é fruto do que foi considerado um dos casais mais queridos de Hollywood. Carregando a genética de Meg Ryan e Dennis Quaid, Jack conversou com nosso repórter imaginário em um balneário enquanto desfruta do sucesso da terceira temporada da série do Prime Video e se prepara para o lançamento de Oppenheimer, novo filme de Christopher Nolan nessa entrevista que nunca aconteceu:

§8^) Como é ser filho de um dos casais mais famosos de Hollywood do século XX?

Jack É se olhar no espelho e sempre enxergar aqueles dois. Quando se é pequeno não temos muita noção do que é isso. Eu cresci em sets a minha vida inteira e isso cria uma certa bolha quando se é criança. Era quase inevitável eu desejar aquilo para mim... mas decidir pela carreira dos pais, faz você receber um peso imenso sobre as suas costas. Um dos maiores dilemas que tive foi na hora de escolher meu nome artístico, mas o fato de já existir um Jack Ryan naquele livro que virou filme e série, me fez optar pelo nome do meu pai. 

§8^) Imaginei que era por você ser a cara da sua mãe...

Jack Oh meu Deus, você percebeu... os genes de dona Meg são fortes! Cresci ouvindo isso o tempo inteiro. Era como se um destes aplicativos pegassem a altura e a testa do meu pai, e encaixassem o rosto de mamãe nele. Acho que por isso evito fazer comédias românticas até hoje. De certa forma, eu ter aceitado fazer o papel do namorado da protagonista em Pânico tem relação com isso, era como se eu quisesse matar o gênero em minha filmografia. Freud explica.

§8^) Mas você não acha que seu personagem em The Boys tem momentos de comédia romântica ao ser um cara comum namorando uma super-heroína?

Jack É verdade, mas agora eu tenho poderes também e você não costuma ver um namoradinho do gênero pelado tantas vezes quanto eu apareço na nova temporada [risos]. Quando li o roteiro imaginei que meu poder era aparecer com o traseiro de fora, foi tipo "o que está acontecendo por aqui?"! Só depois me dei conta do, digamos, efeito colateral do meu poder.

§8^) Foi difícil para você aparecer sem roupa em todas aquelas cenas em que seu personagem consegue se teletransportar, mas não consegue fazer o mesmo com as roupas?

Jack Bem... estamos falando de The Boys, a série de heróis mais insana da história, não uma produção da Marvel. Quando me disseram que eu teria poderes na nova temporada eu sabia que alguma coisa muito estranha iria acontecer. Quando soube que apareceria peladão eu só pensava em fazer dieta e exercícios. Você sabe, eu não tenho o físico do meu pai e não sou muito fã de academia... bateu uma insegurança que é comum neste tipo de exposição, depois foi só tomar cuidado com a câmera para não mostrar mais do que devia - e você não faz ideia de como o ar-condicionado do estúdio é gelado!

§8^) Os super-heróis costumam ter nomes de guerra, qual seria do seu personagem diante do poder que recebeu?

Jack o Hughie é um bom moço e escolheria algo simples como SuperHugh, ou talvez algo mais elaborado como Transporter... mas a gaiatice do programa o faria ser conhecido como Nakedman (algo como Peladão no seu país), Naturista ou, com sorte Adão. 

§8^) Mas sem a folha de parreira...

Jack Sim, eu sou alérgico!

PL►Y: Pânico

Pânico: franquia repaginada ou "tira este número daí!"

Vá saber o que se passa na cabeça de um produtor para lançar mais um filme de uma das franquias de terror mais cultuadas do cinema e resolver cortar seu número do título. A ideia pode parecer confusa ao espectador desavisado que pode entrar no cinema e imaginar que é uma refilmagem ou um reboot, quando na verdade esta nova edição de Pânico é o início de uma nova fase para a saga idealizada por Wes Craven (falecido em 2015) e o roteirista Kevin Williamson. A cinessérie sempre foi famosa pelo tom esperto com que analisa e explora os clássicos e seus clichês do terror, sendo assim, esta nova cria não poderia ser diferente. Talvez a maior graça do filme seja a forma como ele gira em torno das cenas e fatos do primeiro, sem deixar de tecer comentários sobre o culto aos lançamentos do chamado novo terror (que nada mais é do que o terror clássico que precedeu os slasher movies), fato que rende o diálogo inicial do filme com Tara Carpenter (Jenna Ortega) - que reverencia diretamente a antológica cena com Drew Barrymore no original. Aqui muitos anos se passaram depois do primeiro Ghost Face que perseguia Sidney (Neve Campbell) e seus amigos na cidade de Woodsboro. Novamente, a história também reserva um segredo sobre a mãe da protagonista, Sam Carpenter (Melissa Barrera) que deixou a família para trás sem deixar motivo, mas que guarda um segredo relacionado a todos os filmes anteriores. Quando sua irmã começa a ser perseguida por um novo assassino, ela volta para a cidade natal junto com o namorado (Jack Quaid) e, um tanto cética quanto à maneira de resolver a situação, vê uma série de vítimas se amontoando diante de suas tentativas para salvar a irmã. Os crimes chamam a atenção dos sobreviventes dos filmes anteriores, além de Sidney (que considera ter know-how suficiente para entender as regras do jogo e ajudar Tara), a repórter Gale Weathers (Courntey Cox) e o policial Dewey (David Arquette) também aparecem para ajudar, colocando também as suas vidas em risco. A dupla de diretores Matt Bettinelli e OlpinTyler Gillett fazem um filme bastante controlado para emular os anteriores, mas se esforçam para criar características próprias de uma nova mitologia, pena que os personagens que apresenta são bem menos interessantes. Pitadas aqui e ali sobre tecnologia e o comportamento dos millenials ajudam a sugerir um novo fôlego para a franquia, mas em termos de esperteza, perde para todos os que o precederam - especialmente na capenga forma como aponta para todo lado sugerindo suspeitos que pouco importam. Seria uma maldade dizer que falta aqui a destreza de Wes Craven para lidar com situações e personagens - e os diretores criam homenagens ao diretor durante a sessão, assim como John Carpenter, diretor do primeiro Halloween e marco do gênero ao batizar as duas irmãs perseguidas com seu sobrenome. Este novo Pânico pode até iniciar uma nova fase na franquia, mas, como estou velho e um tanto rabugento, ainda me empolgo mais com a original

Pânico (Scream / EUA - 2022) de Matt Bettinelli e OlpinTyler Gillett com Melissa Barrera, Neve Cambbell, Jack Quaid, Courteney Cox, David Arquette, Jenna Ortega, Mikey Madison, Dylan Minnette, Kyle Gallner e Marley Shelton. 

domingo, 10 de julho de 2022

PL►Y: A Queda do Império Americano

 
Landry (a esquerda): o motivo para o filme funcionar. 

O cineasta canadense Denys Arcand possui dois filmes premiados e fundamentais em sua carreira: O Declínio do Império Americano (1987) e As Invasões Bárbaras (2003). O primeiro ajudou a colocar o nome do diretor no mapa cinéfilo mundial e lhe rendeu uma indicação ao Oscar de Filme Estrangeiro com a história de um grupo de amigos intelectuais que se reúne para passar alguns dias juntos e discutirem sobre os relacionamentos modernos nos anos 1980 em plena ressaca da liberação sexual. O título com pinta de tese de doutorado escondia uma comédia astuta que brincava com o conservadorismo dos Estados Unidos (e de Hollywood) enquanto seus personagens falavam de sexo quase o tempo todo. Dezessete anos depois, o mesmo grupo de amigos se reúne em uma realidade completamente diferente. Envelhecidos e com problemas com casamentos, filhos e doenças, As Invasões Bárbaras eleva à enésima potência a popularidade do primeiro filme, foi premiado como o melhor roteiro e melhor atriz (Marie-Josée Croze) no Festival de Cannes daquele ano. No total foram cinquenta prêmios internacionais, que inclui ainda o Oscar de Filme Estrangeiro, porém, desde então, a carreira de Arcand perdeu fôlego. Realizo este retrospecto só para dizer da sensação enganosa que é ver seu último filme, A Queda do Império Americano (2018) ostentar este título e não ter relação alguma com os dois filmes anteriores. Pode ser apenas uma provocação com seus fãs ou apenas a necessidade de chamar atenção para um filme que é interessante de assistir, mas que está bem distante do auge criativo do cineasta. A trama conta a história de Pierre (o bom Alexandre Landry), um entregador que dá o azar de estar na hora errada no lugar errado e presenciar um assalto desastroso. Como o assalto dá errado, ele vê a chance de levar para casa uma mala cheia de dinheiro, mas não faz a mínima ideia do que fazer com tudo aquilo sem chamar atenção das autoridades. Ele acaba contratando um ex-presidiário (Remy Girard) para lidar com a grana e um contador inescrupuloso (Pierre Curzi) para enviar tudo para um paraíso fiscal. Paralelo a isso, existe uma investigação para encontrar o dinheiro desaparecido e as ações dos bandidos dispostos a encontrar o que consideram ser deles de direito. Arcand mistura tudo isso e cria uma comédia politicamente incorreta um tanto irregular, mas que prende a atenção do espectador que torce para que o protagonista de bom coração se dê bem no final da trama. Neste ponto, vale destacar o talento e carisma de Landry, que deixa um personagem sem sal ser digno de torcida ao lado dos veteranos Girard e Curzi (que aparecem nos outros filmes citados do cineasta citados acima). Seria maldade não mencionar a vida romântica do rapaz ao precisar lidar com todas as suspeitas que pairam sobre a prostituta de luxo vivida por Maripier Morrin. Embora esteja longe de estar entre os melhores filmes de Arcand, pelo menos o filme consegue ser mais atraente do que seus antecessores, A Era da Inocência/ 2007 e O Reino da Beleza/2014 (que tinham mais pompa e menos graça), o que não impede que A Queda do Império Americano esteja esquecido no catálogo da Netflix há algum tempo. 

A Queda do Império Americano (La chute de l'empire américain / Canadá - 2018) de Denys Arcand com Alexandre Landry, Maripier Morrin, Remy Girard, Pierre Curzi e Vincent Leclerc. 

PL►Y: Coerência

 
Coerência: a amizade em realidades alternativas. 

Na noite em que um cometa aparece na órbita da Terra, um grupo de amigos resolve se reunir para jantar e após faltar luz, uma série de situações estranhas começam a acontecer. Esta é a premissa, bastante simples, de Coerência, mas que envereda por desdobramentos que podem surpreender o espectador menos atento. O que era para ser um simples jantar, logo vira um episódio de Além da Imaginação quando somente uma casa no final da rua permanece iluminada. Logo uma dupla de amigos curiosos vai até lá para ver o que está acontecendo e uma sucessão de fatos peculiares começa a acontecer. Coerência brinca com a ideia de mundos paralelos, realidades alternativas e, para falar de um tema que está bastante na moda: o multiverso. Logo os amigos estarão lidando com um suas versões de diferentes realidades e ficando um tanto confusos sobre quem é quem e como seriam suas vidas perante opções diferentes das que fizeram ao longo da vida. Assim, ressentimentos, traições e segredos  começam a aparecer de um lado e do outro, deixando um verdadeiro rastro de problemas a serem resolvidos. Embora o filme tenha bons momentos com a ideia que tem em mãos, por vezes ele se perde justamente por tentar explicar demais o que deveria ser apenas uma trama instigante, sinceramente, ninguém se preocupava com explicações sobre o motivo de tudo aquilo acontecer, o melhor seria aprofundar as tretas entre os convidados. Trechos com explicações astrológicas, metafísicas e até uma tese de doutorado que por acaso aparece na casa dos amigos, colaboram para deixar algumas situações um tanto forçadas, quando o melhor ficaria por conta do que os personagens mais insatisfeitos seriam capazes de fazer para mudar suas vidas perante a possibilidade que tem em mãos. Haja desentendimentos, lavagem de roupa suja e expectativas deixadas por aquele trecho em que as várias versões dos amigos são vistas nos mais diversos desdobramentos daquele jantar. Embora o roteiro conte com oito personagens para dar conta do que se propõe, não são todos que são devidamente desenvolvidos,  cabendo ao elenco (em sua maioria desconhecido) convencer o espectador de que toda aquela sandice é aceitável. O rosto mais conhecido do elenco é de Nicholas Brandon, o Xander da série Buffy - A Caça Vampiros, que envelheceu bem e interpreta um ator que já enfrentou dias melhores na carreira. No entanto, os cinéfilos de plantão irão reconhecer o nome da cineasta Lorene Scafaria entre os nomes do elenco que fica um tanto de escanteio. Coerência tem um final aberto que até faz sentido, mas deixa a sensação que a ideia parece mais o episódio piloto de uma ótima série. 

Coerência (Coherence / EUA - Reino Unido / 2013) de James Ward Byrkit com Emily Baldoni, Maury Sterling, Nicholas Brandon, Lorene Scafaria, Elizabeth Gracen e Hugo Armstrong.