Anthony e Yahia: amizade a algo mais.
Vendo a quinta temporada de
Black Mirror, a única semelhança que posso enxergar com suas origens é a quantidade de episódios. Quando estreou em 2011 a série causou estranhamento pela forma como apresentava o efeito da tecnologia na relações humanas. Privilegiando aspectos sinistros, a série sempre primou por apresentar o lado sombrio do ser humano alimentado por suas criações. Foi assim na primeira temporada com seus três episódios arrepiantes e a sensação prosseguiu na segunda (lançada em 2013). A série ganhou maior popularidade quando entrou para o catálogo da
Netflix. Nascida no Reino Unido pode se dizer que a série migrou para os Estados Unidos em 2016, mas o seu tom já estava diferente. Na época fiquei em dúvida se havia me acostumado com a série ou se realmente o tom havia se tornado mais palatável para conquistar um público mais amplo. Animado com o resgate de sua cria, Charlie Brooker criou seis episódios para a
Netflix (um deles,
San Janipero até ganhou um Emmy de Melhor Filme para a TV, embora esteja longe de estar entre os meus favoritos). A quarta temporada trouxe mais seis episódios, resgatou o tom mais sombrio da série e não perdeu a chance de inserir um humor doentio quando era necessário (quer melhor exemplo que
USS Callister?). Após a experiência do filme interativo
Bandersnatch (2018),
Black Mirror voltou com três episódios que não empolgam, embora dois deles tenham premissas interessantíssimas - mas desenvolvimentos equivocados. O primeiro traz a ideia de dois amigos que gostam de jogar games e se reencontram anos depois para uma partida em realidade virtual. Não vou estragar a surpresa que o episódio reserva, mas até chegar lá, você precisa de muita paciência. Arrastado e sem energia, o episódio parece não ter a mínima ideia de como trabalhar uma excelente premissa. Há diálogos demais, melodrama demais e um ar interminável. Quando olhei para o relógio, fiquei realmente surpreso que o episódio ainda estava na metade! Descuidado em sua execução,
Striking Vipers depende muito do carisma de seus atores para prender a atenção (Anthony Mackie, Yahya Abfdul-Matteen II, Nicole Beharie, Ludi Lin e Pom Klementieff - a Mantis de
Guardiões da Galáxia 2 - num desperdício de energia coletiva).
Andrew e Dawson: sequestrador herói?
A coisa piora consideravelmente com Smithereens, um dos piores episódios de toda a série. Na tentativa de criar uma trama surpreendente, a trama caminha como se não tivesse para ter onde ir até sugerir um segredo do protagonista que faz a história mergulhar num melodrama sofrível. Curiosamente é o episódio mais atual da série, sem precisar de saltos no futuro para demonstrar o efeito da tecnologia a longo prazo, aqui o efeito realmente já aparece a olhos vistos com uma crítica às pessoas que não conseguem ficar sem olhar o celular. Não vejo problema em criar uma história sobre o assunto, mas a forma que ela é construída a partir de um encontro, um sequestro, uma chantagem e uma choradeira me deixou com a sensação de que não precisava ter assistido um episódio inteiro para chegar no desfecho. Assim que o episódio terminou, minha vontade foi apagá-lo da memória. O terceiro episódio começa morno, mas depois melhora e termina como o mais interessante da temporada, não porque seja grande coisa, mas por comparação ele se sai melhor. Contando a história de uma adolescente tímida fã de uma popstar que lança um robô interativo com inteligência artificial, Rachel, Jack e Ashley Too também tem doses cavalares de melodrama (a tendência da temporada) e a tentativa de fazer humor. Centrado em duas irmãs que não se entendem contada em paralelo com a história da cantora pop "que é um sucesso na mídia e um fracasso em sua vida pessoal" o episódio tem momentos espertos. Investindo na comédia adolescente, o episódio conta até com Miley Cirus como a estrela pop em crise. Houve quem dissesse que ficou decepcionado com a participação de Miley na série, mas como já sei há tempos que ela não é boa atriz achei que ela fez o de sempre (caretas, gritos e poses...) com a personagem que é quase a versão hardcore de Hannah Montana. Com voz de taquara rachada e dotes dramáticos sofríveis, a graça fica mesmo por conta da robozinha que é uma bela criação de efeitos especiais. Truncados em querer contar histórias que se perde em melodramas, a quinta temporada parece composta de ideias que sobraram das outras. Charlie Brooker precisa repensar se Black Mirror ainda é tão Black Mirror ou apenas um pastiche de si mesma.
Miley: no melhor episódio (e chata como sempre).
Black Mirror - 5ª Temporada (Reino Unido - EUA / 2019) de Charlie Brooker com Anthony Mackie, Yahya Abfdul-Matteen II, Nicole Beharie, Ludi Lin, Pom Klementieff, Andrew Scott, Damson Idris, Topher Grace, Monica Dolan, Miley Cirus, Angourie Rice, Madison Davenport, Susan Pourfar e Marc Menchaca. ☻☻