O Castelo de Cagliostro: entre nobres e bandidos.
O Castelo de Cagliostro é o primeiro filme de Hayao Miyazaki e não foi lançado pelos Estúdios Ghibli, a propósito foi o único filme dele antes de fundar o estúdio. No entanto, para deleite dos fãs, o longa entrou em cartaz na Netflix junto com o pacote do estúdio. Fiquei bastante surpreso em descobrir que esta animação tem a minha idade (!!) e comprova como Miyazaki pensa as animações de forma bastante diferente há muito tempo, já que enquanto a maioria das animações eram voltadas para a criançada e linguagem de contos de fada, esta aqui é completamente diferente ao girar em torno de um bandido que cai de amores por uma mocinha comprometida (com um duque nada nobre). O protagonista é Lupin III, um ladrão que em uma fuga se depara com uma noiva fugindo de um castelo - e ao vê-la prisioneira do Duque de Cagliostro resolve livra-la do vilão. Este é o ponto de partida que revela aos poucos uma conspiração, misturada com trapalhadas, segredos e coadjuvantes interessantes (como o parceiro Jigen, o detetive Zenibata, uma espiã, um espadachim... que cria alguns momentos bastante absurdos). Baseado nos mangás de sucesso da série Lupin III (desenhada por Monkey Punch e inspirada nos livros de Maurice Blanc), o resultado é uma aventura bastante empolgante, colorida, divertida e com um ritmo frenético. Aqui vários aspectos que seriam ainda mais destacados nos filmes subsequentes de Miyazaki já apareciam: os detalhes dos cenários, a escolha das cores e a ambiguidade dos personagens (especialmente do protagonista). O trabalho se torna ainda mais notável quando percebemos que ele pode ser apreciado por pessoas de todas as idades - já que ainda que tenha armas em cena, ele não é violento e apela para o pastelão em vários momentos. Sucesso nos estúdios Tokyo Movie Shinsha, o longa foi considerado cult perante o grande público, chegando a rivalizar com o Akira (1988) em sua popularidade. Dezoito anos depois, o cineasta lançou Princesa Mononoke (1997), seu sétimo longa metragem. Seu estilo já era reconhecido e consagrado à frente dos Estúdios Ghibli quando surpreendeu muita gente com um filme mais agressivo e visualmente arrebatador. O filme se passa o período Muromachi da história do Japão (século XIV até o século XV) e somos apresentados ao príncipe Ashitaka, que tem sua aldeia atacada por uma criatura possuída e, ao proteger seu povo, o príncipe acaba amaldiçoado. Ciente de que a morte se aproxima ele parte em busca de uma cura através da floresta. É comum a crensça de que a floresta é habitada por espíritos e deuses que a protegem, ainda mais aqui, num período em que homens e animais deixavam a harmonia de lado (especialmente perante a destruição que se iniciava).
Princesa Mononoke: roteiro bastante atual.
Conforme busca a cura, Ashitaka encontra a misteriosa Princesa Mononoke, uma menina criada por lobos que se tornou uma verdadeira guerreira e não confia na raça humana - e para ela confiar cada vez menos temos por perto a Lady Eboshi, que vive em guerra com os deuses e criaturas da floresta que impedem o avanço da cidade criada por ela. Entre as duas, Ashitaka demonstra ser um sujeito virtuoso e conciliador naquele conflito fadado à catástrofe. Ainda que a história tenha vários aspectos vinculados à espiritualidade, à cultura japonesa e até mesmo à fantasia, o roteiro possui uma forte crítica à forma predatória como lidamos com a natureza, como se a única função dela fosse curvar-se à vontade da humanidade. Destaque também para a importância que as mulheres possuem na história com suas lideranças em lados opostos. Lançado há 23 anos, Princesa Mononoke, além de ser uma obra deslumbrante, mantém seu discurso atual até os dias de hoje (motivo que somado à sua estética agressiva pode ter causado grande estranhamento no ano de seu lançamento). Já O Conto da Princesa Kaguya (2014) segue um estilo completamente diferente dentro dos Estúdios Ghibli, mas igualmente arrebatador. Baseado num popular conto japonês (O Conto do Cortador de Bambu), a história muda o foco da história e se concentra no olhar da menina que nasceu de um broto de bambu e cresceu rapidamente. Adotada por um casal de camponeses idosos, ela cresce na montanha em uma vida simples e feliz com seus pais e amigos. No entanto, após encontrar ouro, seu pai investe cada vez mais para que a menina se torne uma princesa. Desde o início é perceptível como a protagonista fica infeliz ao ter que se mudar tão abruptamente. Ela até gosta da casa mais espaçosa, dos pequenos luxos que tem ao seu redor, mas logo começa a sentir-se desconfortável com a educação que começa a receber para se tornar uma verdadeira princesa. De aprender a tocar um instrumento, novas posturas, entonação de voz, jeito de se vestir, maquiagem, sobrancelhas, o que vemos é como a educação da mulher pode ser opressora na sociedade japonesa. O filme critica esta situação de forma sutil, através de muita poesia visual e algumas cenas bem humoradas (especialmente quando envolvem os pretendentes da princesa). aos poucos o que era conforto se torna uma verdadeira prisão de aparências para Kaguya. Ainda que o filme enverede por uma conclusão mística, a ideia de que as vontades da protagonista não são levadas em consideração ao longo da trama é bastante forte e emociona em vários momentos. Vale destacar que o estilo de animação adotado aqui com traços mais simples e uso de tons pasteis, geralmente com uso de aquarela, aprimora o que o diretor Isao Takahata utilizara em Meus Vizinhos, os Yamadas (1999). Tanto estilo e sensibilidade rendeu ao filme uma indicação ao Oscar de Melhor Animação em 2015.
O Conto da Princesa Kaguya: delicadeza e assunto sério.
O Castelo de Cagliostro (Rupan sansei: Kariosutoro no shiro / Japão - 1979) de Hayao Miyazaki com vozes de Yasuo Yamada, Eiko Masuyama, Kiyoshi Kobayashi, Makio Inoue e Gorô Naya. ☻☻☻☻
Princesa Mononoke (Mononoke-hime / Japão - 1997) de Hayao Miyazaki com vozes de Yôji Matsuda, Akihiro Miwa, Masahiko Nishimura e Akira Nagoya. ☻☻☻☻☻
O Conto da Princesa Kaguya (Kaguyahime no Monogatari / Japão - 2014) de Isao Takahata com vozes de Aki Asakura, Kengo Kôra, Takeo Chii, Nobuko Miyamoto e Tomoko Tabata. ☻☻☻☻