Keira e Aaron: excelência pela metade.
Joe Wright é um diretor de muitas ideias, o curioso é que elas funcionam melhor num campo que costuma zelar pela mesmice: o filme de época. Quando resolve ser contemporâneo seu cinema costuma decepcionar, basta ver os tropeços em O Solista (2009) e Hannah (2011) que o levaram a buscar abrigo na obra clássica de Leon Tolstoy. Eu já perdi a conta de quantas versões Anna Karenina (contando as produções para a TV, acho que a de Wright é a sétima), diante de tanta concorrência, Wright precisava ter uma assinatura diferencial perante a consagrada obra sobre adultério na aristocracia russa do século XIX - ele consegue um resultado esteticamente exuberante. A grande ousadia do filme está nos momentos em que Wright filma num palco, com movimentos de cena bem marcados como uma coreografia e cenários que se constroem diante da câmera em movimentos belos e inquietantes. O problema é que o diretor parece se cansar da própria proposta e aos poucos transforma o filme numa obra cada vez mais convencional - especialmente depois que Anna cai de vez nos braços de seu amante. Anna (Keira Knightley, a musa do diretor, mas uma escolha arriscada para o papel) é casada com Karenin (Jude Law, mais uma vez querendo ficar feio) e tem um filho pequeno. Numa viagem para ajudar o irmão Oblonsky (Matthew MacFadyen) na crise no casamento com Dolly (Kelly MacDonald) ela conhece uma Condessa (Olivia Williams) e o filho desta que serve ao exército, Vronsky (Aaron Taylor-Johnson). É visível que existe uma faísca entre os dois - que irá atrapalhar ainda mais as intenções casamenteiras da mãe do rapaz. É visível que Wright se esforça para condensar em pouco mais de duas horas a grande quantidade de personagens e subtramas que aparecem nas mais de 800 páginas da obra de Tolstoy. O resultado pode não ser perfeito, mas está longe se ser um desastre. É curiosa a forma como o diretor sobrepões os relacionamentos amorosos que aparecem na trama como se cada um deles refletisse uma perspectiva diferente sobre o mesmo tema, pena que não dispõe de tempo suficiente para desenvolvê-las como deveria. O trio principal consegue ser bastante eficiente. Jude Law tem seu melhor momento em muitos anos num sutil Karenin, seus dilemas diante dos sentimentos contraditórios da traição da esposa conseguem um retrato interessante na pele do ator. Aaron Johnson está completamente distante de seu famoso Kick Ass (2010) e prova mais uma vez que é um ator versátil merecedor de ser levado a sério na safra atual. Obviamente que a maior estrela do filme é Keira Knightley, que retoma a sua parceira com Wright (que lhe garantiu sua primeira indicação ao Oscar pelo memorável Orgulho e Preconceito/2005 e quase chegou lá com Desejo e Reparação/2007), mas aqui as indicações aos prêmios ficaram só na vontade (apesar do filme ter ganho o Oscar de figurino e concorrido em outras três categorias). Em alguns momentos tive a impressão que a atriz se desconecta da personagem e parece apenas uma variação de outros personagens de época que já encarnou. Ainda assim, Knightley merece reconhecimento por abraçar as nuances menos nobres de sua personagem sem firulas. Muitos criticam que a obra de Wright deixou a profundidade dos personagens em segundo plano, privilegiando a preocupação com os cenários e figurinos. Não é para tanto. É verdade que o filme busca um apelo pop que nunca se concretiza, mas não posso dizer que as interpretações do elenco não garantem nuances interessantes ao filme. Acho que o problema maior é o roteiro desigual do consagrado Tom Stoppard, já que a partir do momento em que Karenina assume seu affair proibido, a produção se torna um filme diferente do que vimos em sua primeira metade. Com menos energia na segunda metade, Joe Wright perdeu a chance de fazer outro filme inesquecível.
Anna Karenina (Reino Unido/2012) de Joe Wright com Keira Knightley, Aaron Taylor Johnson, Jude Law, Kelly MacDonald, Emily Watson e Mattheyw MacFadyen. ☻☻☻