segunda-feira, 31 de maio de 2021

domingo, 30 de maio de 2021

PL►Y: Relíquia Macabra

Avó, mãe e filha: o corpo é uma relíquia. 

Nos últimos anos um grupo de diretores estão procurando fazer filmes de terror na contramão do saturado mercado de serial-killers, monstrengos assassinos e lunáticos que vigoraram no gênero por tanto tempo. Em forma de narrativas mais contidas e atuações intimistas, o gênero passa por uma espécie de renovação que lhe cai muito bem e tem como expoentes Robert Eggers (A Bruxa/2015 e O Farol/2019) e Ari Aster (Hereditário/2018 e Midsommar/2019). Em 2020 duas diretoras entraram para o grupo, uma foi a inglesa Rose Glass (Saint Maud) e a outra foi a australiana Natalie Erika James deste Relic, que no Brasil ganhou o nome de Relíquia Macabra. Acho que o título brasileiro não cai muito bem às ideias do filme, já que de fato existe uma relíquia no filme (um vitral ligado a um  trauma presente na história), no entanto, o horror do filme se relaciona muito mais às relações das três mulheres e o medo do abandono, do envelhecimento e da morte  (algo que conforme a última cena deixa claro, deve se perpetuar no trio). Quem está acostumado à esta renovação do gênero já sabe que o horror é mais psicológico e se desenvolve aos poucos, especialmente pelo constante flerte com a loucura de forma que o espectador não sabe ao certo o que está acontecendo até o desfecho. Aqui, mãe (Emily Mortimer) e filha (Bella Heathcote) vão para a casa da avó (Robyn Nevin), que está desaparecida e ninguém sabe ao certo o que aconteceu com ela. A casa está visivelmente deteriorada, com madeiras envelhecidas, podres e bolores subindo pelas paredes e, para completar, até os poucos vizinhos percebem que aquela senhora andou com um comportamento estranho nos últimos tempos. A casa é arrepiante por si só, com seu potencial para ser mal assombrada em seu processo de deterioração e barulhos soturnos. Eis que a vovó aparece e o que poderia ser interpretado como traços de senilidade começa a se tornar algo muito mais complicado, especialmente pelo estranho hematoma que ela exibe no peito. Uma mancha escura que se assemelha a mesma que pode ser vista em diversas partes da casa. A coisa fica mais estranha quando a vovó é acolhedora em um instante e no outro é capaz de ser agressiva e impaciente, aguçando no espectador a curiosidade e uma certa perplexidade. Nos minutos finais o filme deixa a sugestão de lado e parte para o tipo de terror mais comum com ataques, sangues e monstros estranhos e deixa na cabeça do espectador uma interrogação ainda maior, no entanto, o que a diretora parece dizer é que não adianta tentar fugir: o futuro é inevitável. Relíquia Macabra deixa a impressão que demora muito para engrenar, mas na verdade se constrói nos laços entre as três personagens, evidenciando posturas que se reproduzem e elas parecem não perceber. Reside aqui uma estranheza que lhe rendeu comparações com Hereditário, mas não chega a ousar tanto. Visivelmente com orçamento mais modesto e menos radicalismo, Relic se comporta como um exercício interessante de suspense até que toda sua estranheza se revela. Ainda que soe pouco empolgante para a maioria dos espectadores, a diretora Natalie Erika James demonstra ser bastante promissora no gênero. Tendo aqui a sua carta de apresentação é o tipo de cineasta em que vale a pena ficar de olho nos projetos futuros. 

Relíquia Macabra (Relic / Austrália - EUA / 2020) de Natalie Erika James com Emily Mortimer, Robyn Nevin, Bella Heatchcote, Chris Bonton e Steve Rodgers. 

#FDS Jodie Foster: O Mauritano

Rahim e Foster: ótimas atuações. 

Mohamedou Ould Slahi (Tahar Rahim) foi um dos casos reais de suspeitos presos após os atentados de onze de setembro que foram levados pelos Estados Unidos para a base em Guantánamo, em  Cuba, e comeu o pão que o Tio Sam amassou em torturas variadas sob as acusações de ter sido o responsável pelo recrutamento que gerou os ataques. Embora jurasse ser inocente, seu caso evidencia como um conjunto de direcionamentos tendenciosos era capaz de forjar uma rede de relações que faria qualquer um que se encaixasse em determinado perfil parecesse suspeito. Eis que seu livro (Diários de Guantánamo) foi lançado e se tornou um best-seller, tornando pública a sua história e a desumanidade dos procedimentos que serviram apenas para que os prisioneiros dissessem o que os agentes queriam que fosse dito. Após anos como prisioneiro, sem que houvesse sido feita qualquer acusação sobre ele,  sua situação chamou a atenção da renomada advogada Nancy Hollander (Jodie Foster), que percebia todos os equívocos que giravam em torno do caso construído na histeria coletiva que se abateu sob os EUA - e que parece ter feito boa parte da população ter perdido o senso crítico e a possibilidade de questionar suas próprias ações. No fundo, este é o ponto mais forte de O Mauritano, a capacidade que as autoridades possuem de gerar uma verdade e fazer toda a realidade ter que se curvar perante a construção dela. É o tipo de filme que cai como uma luva para a inquietação de Kevin MacDonald (que funciona muito melhor quando tem em mãos roteiros de carga política como O Último Rei da Escócia/2006 e Intrigas de Estado/2009) que sabe construir a tensão e a ambiguidade dos seus protagonistas com grande desenvoltura. O filme também se beneficia muito com o trabalho de seu elenco. É ótimo matar a saudade de Jodie Foster (que infelizmente filma pouco ultimamente) na pele de uma sagaz advogada que é mais esperta e possui uma clareza de ideias muito maior do que os outros personagens que cruzam seu caminho (fruto de vivências em tribunais desde a época do Vietnã), não é por acaso que Jodie levou o  Globo de Ouro de atriz coadjuvante para a casa, no entanto, não podemos esquecer do excelente desempenho de Tahar Rahim, que talvez tenha aqui o seu melhor papel desde o inacreditável O Profeta (2009) – e o acho cada vez mais a cara de Richard Gere.  Quando a narrativa se prende aos dois o filme funciona que é uma beleza, pena que ele desliza toda vez que aparece o outro lado da moeda centrado no advogado vivido por Benedict Cumberbatch, tudo em volta  dele soa tão clichê e previsível que parece postiço durante todo o filme, apesar de Benedict ser um ótimo ator, ele não consegue fazer milagres com a parte mais tediosa da história, sorte que esta parte é pequena. Na maior parte do longa, a narrativa é dinâmica e sabe utilizar os efeitos que brincam com a percepção da realidade aliada à ambiguidade do protagonista. Muita gente compara o filme à O Relatório (2019) lançado em 2019 e que foi esquecido das premiações, de fato, os dois filmes parecem complementares, mas O Mauritano ainda me parece mais interessante. 

O Mauritano (The Mauritanian / Reino Unido - EUA / 2020) de Kevin MacDonald com Tahar Rahim, Jodie Foster, Benedict Cumberbatch, Shailene Woodley, Zachary Levi e Clayton Boyd. ☻☻☻☻

sábado, 29 de maio de 2021

#FDS Jodie Foster: Mentes Que Brilham

Wiest, Adam e Jodie: estreia promissora como cineasta.  

Pode se dizer que profissionalmente o ano de 1991 foi o mais transformador da carreira de Jodie Foster. Além de ser o ano em que ela estrelou o antológico O Silêncio dos Inocentes/1991 - que lhe rendeu  segundo Oscar de Melhor atriz da carreira - ela também estreou como cineasta com este Mentes que Brilham. O filme conta a história de uma mãe solteira que começa a lidar com o fato de seu filho ter altas habilidades. Tendo um vida comum a maioria dos mortais Dede Tate (Jodie Foster) vê a vida de seu filho transformada quando notam que ele não é apenas mais inteligente que as outras crianças da sua idade, como mais até do que a maioria dos adultos que estão por perto também. Neste ponto, Jodie faz a mãe atenciosa e amorosa, mas que começa a questionar se o que ela pode oferecer ao seu filho, Fred (Adam Hann Byrd), é o suficiente para que ele alcance plenamente seu potencial. Desde que ele era muito pequeno, Dede percebia que ele era diferente das outras crianças, mas não sabia exatamente o que fazer com ele.  É neste ponto que surge Jane Grierson (Dianne Wiest), espécie de mentora do pequeno Fred Tate, que será capaz de lapidar sua genialidade e fazer por ele o que a mãe não seria capaz de fazer sozinha. Neste ponto, surge um dos pontos mais interessantes o roteiro de Scott Frank (aqui em um dos seus primeiros trabalhos no cinema,  bem antes de ser indicado ao Oscar por Irresistível Paixão/1998 e Logan/2017, além da consagração com a minissérie O Gambito da Rainha/2020), já que apesar de todas as habilidades, Dede percebe Fred como uma criança a ser amada como filho e Jane o vê como um gênio a ser estimulado. Conforme a trajetória do menino "progride" longe da mãe, o filme mergulha numa melancolia que é ressaltada ainda mais pelo tom da narrativa sóbria e a fotografia de cores frias. Some isso ao desempenho de Adam Hann Byrd (que depois fez apenas outros sete filmes e dedica-se mais à carreira de roteirista, inclusive de jogos de video game) que constrói um personagem infantil interessantíssimo, com poucas palavras, grande seriedade e um olhar um tanto perplexo diante das pessoas que o cerca e o filme fica ainda mais interessante. Adam e Jodie constrói uma bela dinâmica durante todo o filme que funciona como uma espécie de crônica, sem pesar a mão e sabendo utilizar pontos cômicos para ganhar a simpatia da plateia. Jodie demonstra bastante segurança como diretora, não faz firulas ou invencionices e apresenta pleno controle do que deseja apresentar. No entanto, é um trabalho interessante e um tanto na contramão do que se esperava em sua estreia atrás das câmeras. No entanto, muito da trajetória do "homenzinho Tate" (numa tradução fiel do título em inglês), reflete bastante da trajetória da própria Jodie, que desde muito cedo foi considerada uma garota prodígio e precisou fazer sua própria jornada para encontrar sua identidade perante o que se esperava dela. Pena que no filme seguinte (Feriados em Família/)  ela enveredou por uma comédia que não funcionou como o esperado. No entanto, seus trabalhos em Um Novo Despertar (2011) e Jogo do Dinheiro (2016) provaram cada vez mais o interesse de Jodie em trabalhar atrás das câmeras nos últimos anos. Mentes Que Brilham pode ser considerado uma das melhores estreias do cinema americano. 

Mentes que Brilham (Little Man Tate / EUA - 1991) de Jodie Foster com Jodie Foster, Adam Hann Byrd, Dianne Wiest, Nathan Lee e Harry Connick Jr. ☻☻☻☻

sexta-feira, 28 de maio de 2021

#FDS Jodie Foster: Acusados

Jodie: desafiando a cultura do estupro. 

Tema deste #Fim de Semana, a carreira de Alicia Christian Foster começou muito cedo no mercado publicitário. Ainda criança foi ela que aparecia no famoso anúncio da Coppertone em que um cachorro puxava o traje de banho da menina para revelar o bronzeado. No seu primeiro trabalho como atriz na televisão ela tinha sete anos, foi no Doris Day Show (1969), depois veio a participação em Disneylandia (1970), Bonanza (1972), Família Dó Ré Mi (1973), Família Adams (1973)... além dos trabalhos como dubladora em desenhos como Scooby Doo (1972) - num início de carreira que se mistura com a história da TV americana. Apesar de ter feito papéis para o cinema durante este período, ela chamou atenção do diretor Martin Scorsese quando a escalou para o premiado Alice não Mora mais Aqui (1974) para depois lhe garantir respeito como a garota de programa em Taxi Driver (1976) quando a atriz tinha apenas quinze anos. O trabalho de gente grande lhe garantiu a primeira indicação ao Oscar e provou que ali existia uma estrela que desafiava padrões. Jodie cresceu com fama de garota difícil em Hollywood. Nada delicada e sendo considerada fria perante as outras atrizes adolescentes de sua geração que cresciam diante da câmera. Embora tivesse um sucesso aqui e outro ali, sua carreira não apresentava mais o mesmo lampejo de interesse da indústria até que ela ressurgiu em Acusados, num papel complicado e com um roteiro provocador que permanece atual até hoje. Em tempos de debates acerca da violência contra a mulher, a cultura do estupro e denúncias de abuso, o filme de Jonathan Kaplan ainda é capaz de chocar e chamar a plateia para refletir sobre os estigmas produzidos em nossa sociedade. Afinal, após Sarah Tobias (Jodie Foster) ser estuprada em um bar, o que parece estar em julgamento não é a postura dos homens que praticaram o ato e sim, a postura de Sarah, que usava roupas curtas, bebia, fumava e dançava num bar cheio de homens. O roteiro faz questão de não apresentar Sarah como uma donzela indefesa, ao mesmo tempo em que indaga à plateia "e daí?", nada do que ela fizesse justificaria o que aconteceu naquela que se tornou a pior noite de sua vida. Ao mesmo tempo, por vezes ter sua vida pessoal exposta pela mídia e tribunal parece mais uma colagem de humilhações. A sorte é que lutando pelo seu caso está uma outra mulher, Kathryn Murphy (Kelly McGillis que estava no auge e que anos depois disse que aceitou o papel por ter sobrevivido a um estupro e considerar que o tema merecia ser abordado com a devida seriedade no cinema), que é capaz de perceber todos os absurdos que se acumulam em torno do caso. Kathryn quer não apenas que os estupradores sejam condenados pelo que fizeram, ela quer provar que aqueles que testemunharam o ato e não tentaram impedi-lo de acontecer são cúmplices e portanto, culpados sobre o ocorrido. Acusados se constrói como um filme de tribunal diferente, afinal, já conhecemos os culpados e o que interessa é como aquele acontecimento revela uma série de posturas e situações que constroem uma verdadeira rede de mazelas, muito bem representado pela inversão total do caso que parece julgar a vítima e não os criminosos.  Embora o filme tenha sido somente indicado ao Oscar de Melhor Atriz, rendendo a primeira estatueta da carreira de Jodie, revisto hoje, o filme de Kaplan permanece relevante, especialmente pela marcante ousadia de Jodie desafiar os preconceitos na plateia na construção de sua personagem. Embora seja pouco lembrado, o filme merece ser redescoberto. 

Acusados (The Acused / EUA - Canadá / 1988) de Jonathan Kaplan com Jodie Foster, Kelly McGillis, Bernie Coulson, Leo Rossi, Tom O'Brien e Steve Antin. ☻☻☻☻

domingo, 23 de maio de 2021

FILMED+: O Mensageiro

 
Fyodor e Anastasiya: adolescentes na União Soviética de Gorbatchev. 

Não lembro se já comentei aqui no blog que a Centro Popular de Cultura da União Municipal dos Estudantes Secundaristas de São Paulo (CPC-UMES), responsável por distribuir e comercializar os filmes do Estúdio MosFilm no Brasil, realiza até  final deste semestre a mostra anual Cinema Soviético Russo em Cena no Youtube. A Iniciativa teve início no ano passado, muito inspirada pela pandemia, e prosseguiu neste ano sempre exibindo um filme por semana, das 19 horas de sexta até as 19 horas de domingo (por vezes fica até o final de domingo, ou seja, dá tempo de você assistir esta pérola do cinema soviético). Diante dos filmes exibidos este ano, O Mensageiro chama a atenção por ser um filme diferente da grande maioria que integra a mostra. Sua temática não gira em torno de histórias de guerra, mas numa trama ambientada no período em que a Guerra Fria começava a perder força. Trata-se do início do governo de Mikail Gorbatchev - que ficou famoso pelo uso dos termos glasnost (transparência ) e perestroika (reestruturação) e gerou consequências irreversíveis para a história da União Soviética (prestes a se quebrar em vários países independentes). É neste ambiente de maior abertura do país que conhecemos a história de Ivan Mirosnikov (Fyodor Dunayevsky), que caba de enfrentar o divórcio dos pais e passa a viver somente com a mãe, com quem não parece ter muito diálogo. Ivan é adolescente, gosta de música, tem ambições, mas não faz faculdade e o serviço militar (de dois anos) está à sua espera. Ele passa a maior parte do dia andando por aí com os amigos, curtindo músicas e sem saber muito bem que caminho seguir na vida. Ou seja, ainda que seja um jovem de 1986, Ivan é em sua essência um adolescente muito parecido com tantos outros no dia de hoje e este ponto é fundamental para que o filme continue funcionando tão bem. A vida de Ivan começa a ter um pouco mais de sentido quando a mãe arranja um emprego de mensageiro em uma editora e ele conhece a filha de um professor, a bela Katya (Anastasiya Nemolyaeva) por quem se apaixona e se inspira a contar algumas mentiras por aí (e ela ao invés de rejeita-lo por conta disso, se aproxima cada vez mais). Com diálogos bem construídos e geralmente divertidos, O Mensageiro se torna a versão soviética dos inúmeros filmes de "coming of age" que tanto gostam de fazer sobre adolescentes em sua transição para a fase adulta. Aqueles que estão acostumados com os clássicos do cinema russo irão estranhar muito, não apenas pela trilha sonora pop e a jovialidade impressa em cada cena, mas por ver os adolescentes usando casacos da Adidas ou dançando break na rua. Os meus momentos favoritos estão na cena do jantar, não apenas pelo momento em que Ivan se atreve a cantar, como também pela explosão de Katya pelo peso das insatisfações ou pelos diálogos dos personagens mais velhos que refletem o que esperam da geração que dominaria o país no futuro. Ivan, por exemplo quer um salário decente, um carro, um apartamento no centro, uma casa de veraneio e... trabalhar menos.  Parece dito nos dias de hoje? Na verdade era o diretor  Karen Shakhnazarov (autor do livro em que o filme se inspira) captando a mudança irreversível que estava por vir em seu país (que explorou novamente em cores mais surrealistas em seu filme seguinte, Cidade Zero/1988 que também foi exibido na mostra deste ano). O Mensageiro recebeu o prêmio especial do júri ao ser exibido no Festival de Moscou e merece ser redescoberto. 

O Mensageiro (Kuryer/União Soviética - 1986) de Karen Shakhnazarov com Fyodor Dunayevsky, Anastasiya Nemolyaeva, Oleg Basilashvili e Inna Churikova ☻☻☻☻

PL►Y: Depois a Louca Sou Eu

Débora: o eu em descompasso. 

Procurando um filme para assistir despreocupado, encontrei Depois A Louca Sou Eu, adaptação do livro biográfico de Tati Bernardi, estrelado por Débora Fallabella (que eu adoraria ver em mais filmes) e dirigido por Júlia Rezende. Sei que muita gente vai olhar torto para uma comédia em que existem momentos torturantes para a protagonista, mas vejo que o grande desafio do filme é encontrar este equilíbrio perigoso sem parecer ofensivo ou de mal gosto. Eu achei que a produção funciona muito bem com o que tem em mãos e confesso que me identifiquei em muitos momentos, especialmente com a ideia fixa de que tudo pode dar errado quando algo bom cruza o seu caminho. No entanto, a Dani (a protagonista) precisa de medicamentos para lidar com o que para muita gente seria normal e ainda procura terapias alternativas para exorcizar seus problemas. É neste ponto que o filme ganha contornos muito interessantes, abordando tanto as angústias quanto a sensação de tranquilidade, euforia ou até sensação alguma (através de medicamentos) vividas pela personagem. O filme faz questão de ser divertido,  mas sem perder a mão quando a barra pesa (como aquela cena em que ela caminha e sente-se ridicularizada por todos os personagens, ou o momento em que tudo pareceu ter acontecido bem numa entrevista redentora e na verdade foi tudo um desastre em rede nacional). Entre as crises e problemas com a percepção da realidade (seja por conta própria ou por conta dos medicamentes), Debora Falabella realiza aqui mais um trabalho marcante em sua carreira no cinema brasileiro, conseguindo inserir camadas de humor e drama em uma personagem que poderia ter uma nota só e primar pela chatice diante da câmera, com seu trabalho, não vemos uma caricatura, mas uma pessoa com qualidades e conflitos. Também ajuda muito a edição esperta que faz graça com as mentiras que Dani conta ou cede às lembranças e, principalmente, intensifica as oscilações entre sentir-se bem e sentir-se muito mal. Outro detalhe que faz a diferença é que quando a trama parece enveredar pela comédia romântica, o faz de forma diferente, sem que um namorado seja a solução de todos os seus problemas, afinal o Gilberto (o excelente Gustavo Vaz que era parceiro de Débora na vida real e isso explica muito da química irresistível entre os dois) é psicanalista mas tem seus próprios dilemas para lidar quando o assunto é romance (ou a morte do pai que vai muito bem de saúde, obrigado). Depois A Louca Sou Eu consegue ser tão engraçado quanto angustiante e, boa parte deste mérito vem da sinceridade com que Tati Bernardi olha para a vida e para si. 

Depois a Louca Sou Eu (Brasil/2021) de Julia Rezende com Débora Falabella, Gustavo Vaz, Yara de Novaes, Beatriz Oblasser, Débora Lamm, Rômulo Arantes Neto, Duda Batista, Elizângela, Evandro Mesquita e Cristina Pereira. ☻☻☻☻

sexta-feira, 21 de maio de 2021

NªTV: Halston

 
Ewan McGregor: Halston e sua corte fashion.

Roy Halston se tornou  um dos maiores nomes da moda mundial quando esta era dominada por nomes europeus. Nascido em Iowa no ano de 1932, seus planos sempre foram mais ambiciosos do que a realidade local poderia compreender. Ele ganhou fama quando a primeira dama Jaqueline Kennedy apareceu com uma de suas criações, o chapéu pillbox (aquele que parecia uma caixinha de base arredondada) e o tornou uma febre no mundo da moda. Outras criações fizeram a glória de Roy, como a criação do ultrasuede (um tipo de camurça que resistia à água), um badalado perfume de frasco exótico e toda uma coleção de roupas de costuras minimalistas, cortes precisos e uma leveza que proporcionava um movimento quase hipnotizante - e que caiu nas graças de Liza Minnelli que apelou para o estilista para melhorar seus figurinos no clássico Cabaret (1972). Você deve estar se perguntando o motivo de não ouvir falar muito de um nome que já foi tão badalado no mundo fashion... o motivo pode ser visto na minissérie da Netflix produzida por Ryan Murphy e protagonizada por Ewan McGregor (em momento inspiradíssimo). Apesar de ser um gênio no corte e na costura, Halston nunca foi muito bom em administrar os negócios, motivo pelo qual mesmo em tempos de enorme procura por suas criações, ele não conseguia dar conta da produção por não ter dinheiro para organizar a linha de produção. Este foi o motivo de aproximar-se cada vez mais das grandes lojas de departamento, algo visto com  desdém por alguns, mas que garantiu financiamento para suas criações fora da caixa do mundo da moda. Li muitos comentários reclamando da forma como o personagem é apresentado como temperamental, arrogante, vaidoso, presunçoso e blábláblá mas, sinceramente: e daí? Ainda existem mortais que acreditam que a maioria dos grandes nomes do mundo da moda não são verdadeiras divas? Podem até dizer que esta parte do roteiro não acrescenta novidade alguma para o que se espera de um grande nome da moda e azar de quem acha que isso depõe contra o artista. Assim como a parte em que sua homossexualidade é abordada com a cara da liberação dos anos 1970 pós revolução sexual e antes da chegada da AIDS nos anos 1980. Quem acha que é um clichê, lamento informar, mas foi isso mesmo que aconteceu no período.  Foi triste. Foi feio. Foi traumatizante e motivou discursos moralistas que perduram até hoje (e que a série apresenta de forma até muito discreta). Além disso, Ryan Murphy tem cacife suficiente para apresentar estes momentos sem parecer um julgamento de seu protagonista, ele é daquele jeito, goste dele ou não. Além disso, Ryan teve a ótima ideia de escalar o escocês Ewan McGregor para personificar o estilista com todos os predicados que ele merece, sendo impossível não se comover com os momentos em que a vida sai do controle junto com sua vida profissional. Atrevo-me a dizer que se fosse um filme, McGregor poderia ser indicado ao Oscar pela primeira vez, como não é, os prêmios de TV já tem um grande nome na disputa de melhor do ano (e ele é seguido de perto por Krysta Rodriguez que pode não ter o jogo a ginga de Liza Minelli, mas capta a essência da estrela com precisão). Depois da irregularidade das suas últimas produções da Netflix, Halston mostra-se um grande acerto. Acho que nem precisa comentar a exuberância visual da série que já se tornou uma marca de Murphy (se Murphy acertou este detalhe até mesmo o claudicante Ratched/2020, imagina o que ele não faz em torno de um ícone da moda americana?). Halston é tão envolvente que pode ser visto todo de uma vez, como um grande filme. 

Halston e as modelos: olhando fora da caixa fashion. 

Halston (EUA-2021) de Daniel Minahan com Ewan McGregor, Rebecca Dayan, Krysta Rodriguez, Rory Culkin, Sullivan Jones, Regina Shcneider e Vera Farmiga. ☻☻☻☻

quarta-feira, 19 de maio de 2021

Pódio: Margot Robbie

Bronze: A Esposa Esperta.
3º O Lobo de Wall Street (2013) Nascida em Dalby na Austrália, Margot Robbie já era relativamente conhecida pelos trabalhos na TV em sua terra natal, mas sua fama ganhou escala mundial quando apareceu nesta insana comédia de Martin Scorsese. No papel de esposa do pilantra vivido por Leonardo DiCaprio, percebemos que ela é uma atriz a ser levada a sério. Sem se contentar em ser apenas um rostinho bonito, aos vinte e três anos, Margot parecia nada intimidada por todo aquele universo ao seu redor e rouba algumas cenas com a maior desenvoltura (como aquela em que coloca o pé na testa de DiCaprio ou a que declara que aquele casamento não funciona faz tempo). Por deixar um sabor de grande estreia em Hollywood, merece estar no pódio. 

Prata: A PHD doidona.

2º Aves de Rapina (2020) Eu sei, podem reclamar! O filme não fez o sucesso esperado (mas foi o último que vi no cinema e o achei super divertido), mas ressalto que o pódio é sobre a atuação e não sobre o filme. Além disso a Arlequina que aparece aqui tem muito mais camadas do que a vista no caótico Esquadrão Suicida (2016) e o melhor de tudo é que hoje é impossível pensar na namorada tresloucada do Coringa sem pensar em Margot Robbie. Aqui ela ainda ganha o acréscimo de analisar outros personagens ao longo da história (afinal ela é PHD em psiquiatria eou seria psicanálise?) e tem cenas antológicas como da arma que solta glitter e a perseguição de patins. Ela voltará em Sereias de Gotham e no prontinho Esquadrão Suicida2. 


Ouro: A Patinadora Arruinada. 

1º Eu, Tonya (2017)  Eu ainda acho que a Margot merecia aquele Oscar de Melhor Atriz em 2018 (e acho que a até a Frances McDormand achava a mesma coisa depois daquele famigerado discurso). Ao viver a controversa patinadora Tonya Harding, a atriz produz a versão da história nunca contada através da ótica de Tonya. Passando pelos relacionamentos abusivos, os preconceitos, o conflituoso relacionamento com a mãe (que deu o Oscar de coadjuvante para Alisson Jeanney) e com o esposo (Sebastian Stan), até aquele episódio que colocaria toda a carreira da atleta a perder o filme funciona muito bem. Este retrato tragicômico de uma episódio real, cada vez que o assisto, acho mais interessante (especialmente por aquela cena ao som de ZZTop).

PL►Y: Dreamland

Margot e Finn: amor bandido.

Revelada para Hollywood com o aval de Martin Scorsese, a australiana Margot Robbie aprendeu rápido que se quisesse fugir do papel de "a mulher linda do filme" teria que partir para produção. Assim, ela continua linda, mas escolhe papéis em que demonstra o motivo de ser uma das atrizes mais interessantes do cinema dos Estados Unidos. Assim, ela produziu Eu, Tonya (2017) que lhe rendeu a primeira indicação ao Oscar de sua carreira (a segunda veio com O Escândalo/2019) - vale lembrar que ela também é produtora do oscarizado Bela Vingança (2020) e faz um tempinho que chegou no Amazon Prime Video este Dreamland em que vive uma fugitiva da polícia no período da Grande Depressão da economia norte-americana. Aqui ela e o parceiro (Garrett Hedlund) precisam lidar com as consequências de um assalto a banco mal sucedido. Enquanto fogem, algumas vítimas ficam pelo meio do caminho e ela termina se escondendo em um celeiro. Logo o jovem Eugene (Finn Cole) a conhece e tenta ajuda-la e, logicamente, irá se apaixonar por ela até que problemas acontecem como em todo amor bandido. Fosse apenas sobre o relacionamento dos dois já estaria de bom tamanho, mas o filme quer mais. Ele tenta explorar o conflito entre Eugene e o padrasto policial (Travis Fimmel), a insatisfação do rapaz em viver num lugar em que nada acontece e ainda é narrado pela pela irmã de Eugene especulando sobre os sentimentos do casal. O início do filme é bastante promissor, mas depois quando o romance precisa se destacar, o filme se torna cada vez menos interessante - e a perseguição policiar vira o nosso maior interesse na reta final (e nem é grandes coisas). Dreamland tem alguns detalhes interessantes, como a ideia de inverter os papéis e deixar o papel de frágil para o rapaz da história, mas convenhamos que Finn Cole é engessado demais para convencer no papel e o pior, não tem química alguma com Margot Robbie (o que seria fundamental para que o filme funcionasse). Enquanto a trama amontoa referências a filmes do gênero,  Margot segue plena com seu porte e sorriso de diva do cinema, pena que ao seu redor os outros personagens não se desenvolvam tão bem no andamento que se torna cada vez mais esquemático e previsível.  É verdade que o filme tem seus bons momentos, como transmitir a a sensação de estarmos no centro de uma tempestade de areia e ousa fazer uma cena de banho em que a câmera concentra-se no rapaz e deixa sua estrela fora da tela quase o tempo todo. O diretor Miles Joris-Peyrafitte (que antes chamou atenção com As You Are/2016 - que eu assisti quinze minutos e dormi) demonstra ser esforçado para manter a trama funcionando, mas paga o alto preço do longa parecer com tantos outros. 

Dreamland (EUA/2019) de Miles Joris Peyrafitte com Margot Robbie, Finn Cole, Travis Fimmel, Kerry Condon e Garrett Hedlund. ☻☻

terça-feira, 18 de maio de 2021

PL►Y: A Mulher na Janela

Amy: final desastroso em nome da audiência. 

Anna Fox (Amy Adams) sofre de agorafobia. Sair de casa para ela é uma verdadeira tortura. Ela costuma conversar com o ex-marido (Anthony Mackie num papel minúsculo) que ficou com a guarda da filha depois que o casamento foi desfeito. Ela tem contato com poucas pessoas em sua rotina, um deles é o terapeuta (Tracy Letts bom ator e reconhecido dramaturgo que assina o roteiro desta adaptação do livro de AJ Finn) e  o outro é David (Wyatt Rusell), o rapaz misterioso para quem alugou o porão para ganhar uns trocados. Presa dentro de casa a maior parte do tempo, Anna consome muitos remédios, e garrafas de bebida alcoólica, tento como maior diversão assistir filmes clássicos na televisão até adormecer e olhar a vizinhança através da janela. Eis que um dia ela percebe que tem novos moradores no apartamento em frente e acaba se aproximando da recém chegada vizinha (Julianne Moore) e seu filho (Fred Hechinger). Os dois com posturas bastante diferentes e marcadas pelo relacionamento com o patriarca da família (Gary Oldman). Tendo estas peças postas no filme, Anna acredita ter testemunhado um crime e a trama escancara de vez sua referência com o clássico Janela Indiscreta (1954) de Alfred Hitchcock. Dirigido por Joe Wright, seria uma maldade quase covarde comparar os dois filmes. Hitch é inimitável, mas Joe já provou em várias de suas obras anteriores que tem talento suficiente para filmar, tomando cuidado com os cortes, os planos, enquadramentos, ritmo, uso de cores, sobreposição de imagens (as de Anna com com os filmes que assiste são bastante interessantes), sem ter medo de por vezes usar até recursos teatrais como se a história se passasse num palco. Com um diretor destes, craque em adaptações literárias (entre elas Orgulho e Preconceito/2005 e Desejo e Reparação/2007), e um elenco deste quilate nada poderia dar errado. Ou pelo menos até que o estúdio inventasse de fazer sessões de teste de audiência e retalhar o filme todo, alterando completamente o tom, especialmente de sua reta final com sabor de pastel de vento estragado. Wright não escondeu a surpresa com a reação negativa ao corte original de seu filme e ficou bastante frustrado em ter que mexer em sua obra o deixando um tanto desengonçado perante a total desistência de investir nas ambiguidades da história pautada na percepção de sua protagonista. O resultado é que o filme que começa bem e cheio de possibilidades termina beirando o desastre. Depois de sabotarem o filme, venderam para a Netflix que o colocou entre os mais assistidos (apesar das críticas negativas). Um aspecto do filme vale um comentário especial é sua atriz principal: Amy Adams. Não é fácil carregar seis indicações ao Oscar e nenhuma vitória, além da expectativa de todo projeto poder ser aquele em que será finalmente lhe render o reconhecimento da Academia. Amy é uma ótima atriz, mas seus últimos dois filmes devem ter feito soar o alarme de sua agente, afinal, este ao lado de Era Uma Vez um Sonho de Ron Howard (ambos em cartaz na Netflix) foram adaptações promissoras que saíram pela culatra. Sorte que Amy tem crédito (mas até quando?).

A Mulher na Janela (The Woman in the Window/EUA-2021) de Joe Wright com Amy Adams, Gary Oldman, Julianne Moore, Fred Hechinger, Wyatt Russell, Tracy Letts e Jennifer Jason Leigh. 

PL►Y: Tudo de Novo

Gillian e seus amigos: de volta à faculdade. 

Geralmente fico curioso e desejando sorte quando algum artista reconhecido por seus trabalhos na televisão se aventura no cinema. Este é  o caso de Gillian Jacobs, atriz que já é famosa por seus trabalhos em seriados do porte de Community (2009-2015), Love (2016-2019) e pela participação especial na última temporada de Girls (2012-2017). Gillian começou a trabalhar no cinema em 2005, mas foi na televisão que seu trabalho recebeu maior destaque. Embora tenha vários filmes no currículo, acho que é neste Tudo de Novo em que recebe destaque como protagonista. No filme ela encarna Kate, uma escritora que acaba de lançar seu primeiro livro. Fica visível no início o esforço que foi para criar a obra, assim como a tensão do lançamento não funcionar como ela esperava - ao ponto de sua turnê de divulgação ser cancelada - assim como um certo deslocamento em sua vida social. Entre críticas e alguns problemas pessoais, ela recebe o convite de um ex-professor para visitar à universidade em que se formou para um bate-papo com os alunos. Obviamente que aquela atividade que poderia soar apenas profissional, vira uma visita ao passado, desde a evidente atração que sente pelo professor David (Jemaine Clement, ator que gosto de graça, só de vê-lo no filme eu já acho legal) até a dúvida se aceita o convite para trabalhar na faculdade e o efeito que isso terá em sua vida. É interessante como o filme aborda esta imersão que provoca mudanças no comportamento de Grace naquele espaço, antes pretensamente séria e ciente das responsabilidades da vida adulta, aos poucos ela se enturma com os novos moradores da república em que viveu anteriormente e parece finalmente relaxar. Ela faz amizade com os adoráveis Animal (Forrest Goodluck), Emma (Khloe Janel), Brandon Alto (Brandon Taley) e Hugo (Josh Wiggins) - por quem sente um interesse quase instantâneo. Inserida no quarteto (por vezes aumentado pelo prestativo Elliot (Rammel Chan), Kate mergulha de vez na inevitável nostalgia de lembrar dos tempos de universitária com os novos colegas do campus (na qual parece bem mais ajustada do que nas cenas do início com sua rotina de vida de "adulta"). O filme é bastante despretensioso nas situações que provoca e a direção de Kris Rey (antes uma atriz conhecida como Kris Swamberg) não complica o que tem em mãos, sempre deixando um clima leve, mas sem deixar de cutucar as contradições de Kate no contato com os outros personagens. Leve e divertido, o maior problema é o desfecho apressado quando se esperava mais uns quinze minutos de filme para o arremate que se espera. Do jeito que está parece um piloto de uma série para a televisão - e o fato de Gillian remeter bastante à sua personagem na série Community por vezes cria a sensação de um spin-off. Com personagens cheios de potencial e relações promissoras, aproveitar as pontas soltas do filme para fazer uma série não seria má ideia.  

Tudo de Novo (I used to go here / EUA - 2020) de Kris Rey com Gillian Jacobs, Jemaine Clement, Josh Wiggins, Forrest Goodluck, Brandon Taley, Khloe Janel, Rammel Chan e Zoe Chao. ☻☻

sábado, 15 de maio de 2021

4EVER: Eva Wilma

 
14 de dezembro de 1933 ✰ 15 de maio de 2021

Filha de um alemão com uma portenha de origem Russa, Eva Wilma Riefle Buckup Zarattini nasceu na cidade de São Paulo e se interessou pela carreira artística quando tinha 19 anos. No início pensou em ser bailarina, mas alguns meses depois foi convidada para trabalhar no Teatro de Arena para semanas depois ser convidada para trabalhar na TV TUPI com o programa Alô, Doçura em que atuaria com o então namorado John Herbert. O programa durou dez anos e fez história nos anos 1950. Durante os anos 1970 fez novelas importantes como Meu Pé de Laranja Lima (1970) e protagonizou Mulheres de Areia (1973). Com o fim da Tupi foi contratada pela Rede Globo em que permaneceu desde então com vários trabalhos marcantes em sua carreira. Em 65 anos de carreira se tornou uma das atrizes mais admiradas de sua geração, com vários prêmios no teatro e na televisão. Ao longo da carreira, Eva fez trinta filmes, entre eles os clássicos São Paulo S/A (1965) e Feliz Ano Velho (1986), além de ter feito um teste para filmar Topázio com Alfred Hitchcock (mas perdeu o papel para a alemã Karin Dor). Eva faleceu em consequência de um câncer no ovário. 

PL►Y: Oxigênio

Mélanie: angústia quase solitária. 

Tenho alguns problemas com filmes pautados em atores solitários em um verdadeiro tour de force. A coisa também complica quando o filme é ambientado em somente um cenário, mas isso um diretor esperto pode contornar com os artifícios que ainda podem ser utilizados para alavancar a narrativa. Também ajuda se o roteiro não infla demais a história e depois murcha gradativamente jogando fora tudo o que construiu até então. Parece simples, mas as armadilhas são muitas. É preciso ser envolvente, ter uma tensão crescente, uma dinâmica imagética fluente e um texto competente para dar suporte o artista que tem em mãos. Ou seja, não é uma tarefa fácil, mas também não é impossível. O elogiado Oxigênio que entrou em cartaz na Netflix consegue se sair bem nestes critérios, a começar por ter Mélanie Laurent (a eterna Joshana de Bastardos Inglórios/2009 de Tarantino) no centro da história. Na trama ela acorda dentro de uma câmara criogênica e não faz a mínima ideia de como foi parar ali. Ela também não lembra quem é, sua história ou para onde vai. Na maior parte do tempo interage com a Inteligência Artificial responsável por zelar por sua segurança dentro da câmara. Vale ressaltar que enquanto busca por respostas, suas conversas, emoções e reações afetam diretamente o consumo da quantidade limitada de oxigênio daquele recipiente - e pode até gerar a sua morte. É interessante como para o roteiro se desenvolver revelando sempre mais sobre a história de sua personagem, ela corre cada vez mais riscos. Conforme ela consegue se comunicar com outros personagens e redescobre um pouco mais de sua história, o diretor utiliza flashbacks para ilustrar suas memórias e o filme começa a preparar algumas surpresas para o espectador que cria suas próprias teorias enquanto assiste ao filme. Lá pela última meia hora algumas revelações mudam bastante o contexto do filme e insere aspectos de cinema catástrofe. Oxigênio é um exercício interessante, tem um belo trabalho de luzes em sua fotografia que o torna bonito visualmente, além de dar a chance de Mélanie ser mais uma vez lembrada pelo seu talento (é inexplicável como os produtores parecem não ligar muito para ela). Mas voltando às armadilhas que citei neste tipo de filme, pode assistir despreocupado, o filme não murcha em sua reta final, apenas ousa ao ir além do que o espectador pode esperar. 

Oxigênio (Oxygène / França - EUA / 2021) de Alexandre Aja com Mélanie Laurent, Malik Zidi e Laura Boujenah e Marc Saez. ☻☻

quinta-feira, 13 de maio de 2021

§8^) Fac Simile: Elijah Wood

Elijah Jordan Wood
Elijah Wood é um caso raro de ator prodígio que consegue se reinventar e continuar a carreira na fase adulta. Apesar de não participar de super-produções, ele é bastante presente em filmes independentes e também trabalha como produtor, dublador e DJ. Em 2021 o ator completa 32 anos de carreira e nesta entrevista (que nunca aconteceu) com nosso repórter imaginário, ele conversa um pouco sobre os rumos de sua carreira:

§8^) Você começou a atuar com oito anos e se tornou um dos atores mirins mais elogiados de Hollywood. Depois você cresceu e você sente que mudou o olhar das pessoas sobre você?

Elijah Sempre muda. Você cresce, o corpo muda, o rosto, os dentes, você vai perdendo aquela fofurice na infância e as pessoas começam a ser mais severas quanto à sua aparência. No entanto, percebo que posso não me encaixar em alguns papéis no cinema, mas sobra bastante coisa interessante para  fazer. 

§8^) É verdade que as pessoas ainda te chamam de Frodo na rua?

Elijah Todo o tempo. Acho que elas pensam que sou um hobbit na verdade (risos), não importa o que eu faça com o cabelo ou a barba, as pessoas sempre se lembram de O Senhor dos Anéis... isso é bom, mas cansa um pouco. Já fiz tantas coisas desde então, mas não tem jeito: sou o Frodo em todos os filmes. 

§8^) Eu gosto bastante de você em "Uma Vida Iluminada" (2005) e também em "Tempestade de Gelo" (1997) e "Brilho Eterno de Uma Mente sem Lembranças" (2004). Na fase em que você era criança eu curto "Eternamente Jovem" (1992) com Mel Gibson e "O Anjo Malvado" (1993) com Macaulay Culkin. Tem algum filme que seja o seu favorito?

Elijah Nossa, você lembrou de tanta coisa boa! Os filmes tem relação com o período em que você está e o quanto você se dedica a ele. Sempre que embarco em um projeto eu quero que dê certo. Sei que agora as pessoas me associam a filmes estranhos (risos) mas são os que mais me motivam a fazer algo diferente. Eu também não tenho o tipo para fazer o rapaz bonitinho da história... outra fase está chegando, depois dos quarenta  e com um e sessenta e oito de altura, fica difícil imaginar o que farão comigo. Não tenho porte de pai de família, não sirvo para ser um super-herói, não sou intimidador para fazer um policial ou advogado... fico pensando o que o futuro me reserva. 

§8^) E você tem problemas por conta de sua altura?

Elijah Para quem começou a carreira criança chega a ser uma ironia, você não crescer tanto assim... mas não penso muito nisso. Tenho só dois centímetros a menos que Tom Cruise e Al Pacino, alguns tênis resolvem esta diferença sem problemas... e estes dois já provaram que tamanho não é documento. 

§8^) Como é ter mais de trinta anos de carreira e nunca ter sido indicado ao Oscar?

Elijah Isso é bastante normal por aqui, conheço pessoas que trabalharam a vida inteira e nunca tiveram este reconhecimento da Academia. Tenho muito orgulho de alguns filmes que participei, se merecem prêmios ou não, não sou eu quem decide. Claro que o Oscar te oferece uma projeção gigante para a carreira, mas também envolve muito marketing e campanhas milionárias... nãos sei se minha carreira mudaria muito de rumo depois de uma indicação. Acho que ela continuaria do mesmo jeito. Afinal, meu talento, minha altura e aparência não mudariam.

PL►Y: Vem com o Papai

Steven e Elijah: herança de pai para filho. 

Depois de crescer em Los Angeles ao lado da mãe, um produtor musical recebe uma carta do pai que não o vê desde pequeno. O rapaz parte para rever o pai, mas a recepção é menos calorosa do que imagina. Aquele homem é bastante diferente do que ele imaginava e também parece não fazer a mínima ideia do que o filho foi fazer por ali. Entre estranhas provocações, diálogos tortos e a sensação de que alguma coisa está fora do lugar, o rapaz permanece na casa mesmo até que percebe que existe realmente algo de muito errado acontecendo por ali e que sua vida está em risco. Vem com o Papai é o primeiro longa-metragem do diretor neozelandês Ant Timpson e pode se dizer que tornou-se um dos mais surpreendentes pela sua total falta de pudores em subverter a zona de conforto do espectador. Em sua hora e meia de duração, a impressão é que tudo pode acontecer enquanto os créditos não subirem ao final da sessão. Com uma estética que parece retirada dos filmes da década de 1970, o filme ainda encontra um equilíbrio inusitado entre o cômico e o horror, por vezes com resultados tão absurdos quanto os tipos que apresenta. Elijah Wood prova mais uma vez que seus enormes olhos azuis combinam bastante com uma trama regada à suspense e sustos, assim como deixa claro seu gosto por filmes independentes estranhos e arriscados (nada mal para um ex-astro infantil fofinho de Hollywood), assim como é interessante ver Martin Donovan (badalado astro indie dos anos 1990) demonstrar que o passar dos anos lhe deu mais leveza e a cara de parecer o cara certo no lugar exato neste tipo de filme. Vem com o Papai é uma colagem de situações que se desenrolam numa fluência impressionante, mesmo que pegue a ideia de um encontro afetuoso entre pai e filho e o vire do avesso. Fique atento às frases que aparecem no início, elas revelam mais do que parece sobre o filme que coloca um  jovem herdeiro face à face com a trajetória de seu pai. Um passatempo tão divertido quanto sangrento e que deve agradar se você entrar no tom desta sandice. 

Vem com o Papai (Come to Daddy / Irlanda - Canadá - Nova Zelândia - EUA/2019) de Ant Timpson com Elijah Wood, Steven McHattie, Garfield Wilson, Martin Donovan, Madeleine Sami, Michael Smiley e Ona Grauer. ☻☻

NªTV: O Legado de Júpiter

 
Duhamel (ao centro) e seus parceiros: não matarás. 

Ouvi tantas críticas negativas sobre a nova série de heróis da Netflix que  confesso que imaginei que ela seria um verdadeiro desastre. Não é para tanto. O Legado de Júpiter não está destinado a se tornar um clássico, mas é honesto ao tentar seus próprios caminhos em tempo de heróis desconstruídos como vemos em The Boys e Invencível (ambos da Amazon Prime Video). Sim, aqui existe cenas de violência com intestinos, cabeças decepadas e tudo mais, só que a narrativa é bem mais contida e com tendência para explorar o drama de seus personagens. Criado por Steven S. DeKnight baseado na graphic novel de Mark Millar (também criador de Kick-Ass e Kingsman). A história bebe diretamente na fonte da era de ouro dos quadrinhos e mostra um mundo em que os heróis envelhecidos precisam lidar com seus filhos e uma nova geração em contato com um código moral que passa a ser questionado. O protagonismo da série fica por conta da família Sampson, liderada por Sheldon (Josh Duhamel) e a matriarca Grace (Leslie Bibb) que ficou conhecido como o casal de super-heróis Utópico e Lady Liberdade, que lideraram por décadas um grupo de heróis - formada por um grupo de conhecidos que se aventuraram ao lado deles em uma jornada misteriosa nos anos 1930. A série vai e volta no tempo, retratando este passado (e se alonga um pouco demais até chegar a dizer como os heróis receberam seus poderes) e o presente, em que os filhos destes heróis começam a questionar o código que prega o mandamento máximo de não matar o pior vilão que seja. Não por acaso é através do herdeiro Brandon Sampson (Andrew Horton), o Paradigma, que o questionamento deste mandamento heróico passa a ser duramente questionado.  Por outro lado temos a irmã dele, Chloe (Elena Kampouris) que prefere seguir a carreira de modelo e usar drogas a voltar a lutar pelo legado dos pais. Junto a esta nova geração de heróis (e vilões) o discurso de que os tempos são outros e medidas extremas devem ser adotadas são ditas a toda hora enquanto Utopia é irredutível em manter-se em seus princípios. A primeira temporada enrola demais em trabalhar as questões citadas, mas sabe construir um universo próprio e ampliar o número de personagens ao longo de seus oito episódios (com duração variada de quase uma hora a pouco mais de trinta minutos). A maquiagem e os efeitos especiais também não de encher os olhos, mas o melhor é que a série deixa claro que tem muito potencial para novas temporadas, ainda mais com um mistério que revela-se uma grande conspiração em seu último episódio. Menos agressiva que as séries badaladas da Amazon Prime, mais adulto que as da CW e sem a necessidade de se conectar com um vasto universo como as séries da Marvel, O Legado de Júpiter lembra bastante o tom da versão para o cinema de Watchmen com seus heróis entre o passado e o futuro regado a um bocado de desilusão. No entanto, a primeira temporada parece na verdade um grande epílogo para tudo o que virá pela frente. 

O Legado de Júpiter (Jupter's Legacy / EUA-2021) de Steven S. DeKnight  com Josh Duhamel, Leslie Bibb, Ben Daniels, Andrew Horton, Elena Kampouris, Mike Wade, Tyler Mane e Matt Lanter. ☻☻ 

segunda-feira, 10 de maio de 2021

PL►Y: Matthias e Maxime

Xavier e Daniel: dois amigos e um beijo. 

Alçado ao posto de garoto prodígio por seu primeiro longa-metragem (premiado em Cannes) quando tinha apenas vinte anos de idade, Xavier Dolan já beirava os trinta anos quando resolveu filmar este Matthias e Maxime e ouso dizer que ele tentou fazer algo diferente do que vimos dele até aqui. Embora a homossexualidade esteja presente na história (como em 99% dos filmes do cineasta), ele tenta aqui contar a história de uma forma mais contida, sem utilizar os maneirismos que lhe rendem críticas desde que começou sua carreira atrás das câmeras. A ideia é bastante simples: dois amigos de longa data são convidados a participar de um curta-metragem de uma amiga e precisam lidar com uma cena de beijo durante a produção. Se existe uma certa tensão antes e um preparo sutil para aquele momento, nada se compara ao que acontece com os personagens depois disso, afinal, eles começam a repensar não apenas a relação existente entre os dois como também os rumos de suas vidas a partir dali. A adolescência já se despediu dos dois e se Matthias (Gabriel D'Almeida Freitas) tem uma vida profissional promissora e está prestes a se casar, Maxime acha que partir para outro país é o melhor caminho para seguir sua vida - especialmente pelo relacionamento complicado com a mãe dominadora. Entre familiares e amigos, estão presentes o peso das expectativas sobre os dois, as piadinhas desagradáveis, infantilidades e a dificuldade de dizer o que se sente quando as emoções saem do controle e revelam o que antes estava escondido até de si mesmo. O roteiro do próprio cineasta desenvolve-se pelas bordas, o que pode incomodar a maioria dos espectadores que esperam desdobramentos mais explícitos daquele beijo diante da câmera (e que não é mostrado pelo diretor, num dos cortes mais odiados do cinema recente, mas que deixa claro que o objetivo do filme não é explorar o beijo em si, mas os desdobramentos dele). No entanto, o filme é prejudicado pela sua longa duração, que se estende meia hora mais do que deveria. Apesar de  fazer cinema já há mais de uma década, Dolan ainda tem problema com os cortes do seus filmes e isso o colocou em sérios problemas quando partiu para seu filme realizado anteriormente, o ambicioso Vida e Morte  de John F. Donovan/2018 que teve problemas com seu corte de quatro horas e a distribuição (mesmo tento nomes badalados como Kit Harington, Natalie Portman, Jacob Tremblay, Susan Sarandon e Jessica Chastain - que acabou fora do corte final). Sua primeira experiência com Hollywood parecia ter vindo na hora certa, já que seu longa anterior (o áspero É Apenas o Fim do Mundo/2016) lhe rendeu o César de melhor direção e veio logo depois de dirigir o clipe Hello de Adele. Mais pop do que nunca, o tombo com seu projeto hollywoodiano o fez retornar para o Canadá, filmar com os amigos, ter um roteiro despretensioso nas mãos e deixar de lado suas invencionices. Embora por vezes o filme soe estar numa camisa de força, os atores principais apresentam trabalhos sensíveis que valorizam um texto que está longe de ser original, penas que os outros personagens não tem muito desenvolvimento na história. No entanto, o diretor sabe criar bons momentos como a cena do lago, a cena do espelho e da ventania, no entanto, este é o filme menos Xavier Dolan já realizado. 

Matthias e Maxime (Matthias et Maxime / Canadá - 2019) de Xavier Dolan com Gabriel D'Almeida Freitas, Xavier Dolan, Anne Dorval, Pier-Luc Funk e Samuel Gauthier. ☻☻

sexta-feira, 7 de maio de 2021

4EVER: Cassiano

 
16 de setembro de 1946 07 de maio de 2021 

Genival Cassiano dos Santos nasceu em Campina Grande na Paraíba e quando criança aprendeu os primeiros acordes do violão com o pai (muito próximo de Jackson do Pandeiro). Ao se mudar para o Rio de Janeiro, Cassiano começou a trabalhar como ajudante de pedreiro - e nas horas vagas treinava tocar violão e bandolim. Durante os anos 1960 formou o Bossa Trio, que se tornou uma grande difusora da música negra produzida no Brasil. Não por acaso, a banda se juntou ao icônico Tim Maia e colocou de vez o Soul brasileiro no mapa. É de Cassiano as composições de Eu Amo Você e Primavera que se tornaram famosas na voz de Tim, mas em 1971 o cantor lançou seu primeiro LP e em 1976 faria o lançamento de sucessos como A Lua e Eu e Coleção. Nos anos 1980, devido a problemas respiratórios foi submetido à retirada de um dos pulmões, levando ao enfraquecimento de sua voz e uma aposentadoria precoce. Embora tenha escrito novas composições e feito participações especiais em trabalhos de outros artistas, Cassiano seguiu pouco  lembrado dentro de sua importância e influência na música brasileira. O cantor faleceu em decorrência de uma arritmia cardíaca. 

Combo: Filmes Frutas

05 Jenipapo (1996) A história de um padre e um jornalista que se envolvem nas lutas dos sem-terra no nordeste brasileiro (e suas consequências) marcou a estreia da produtora Monique Gardenberg como cineasta e teve que ouvir muitas piadinhas sobre a cara de filme estrangeiro que imprimiu ao longa. Com atores brasileiros (Marília Pêra, Daniel Dantas, Julia Lemertz...) em papéis secundários falando em inglês e o protagonismo por conta do canadense Henry Czerny e do belga Patrick Bauchau, o filme segue esquecido (encontrar fotos da produção na internet é complicado) e recebeu o título da fruta de sabor forte por conta de uma cena com seu famoso licor - o filme quase se chamou A Hora do Lobo

04 Bananas (1971) Antes de enveredar por temas mais sérios em sua carreira (e se envolver em polêmicas sobre sua vida pessoal), os primeiros filmes de Woody Allen tinham como única intenção fazer rir, muitas vezes sem medo de apelar para o absurdo. Aqui ele vive um estadounidense que reclama de tudo e que após o fim do seu romance com a namorada ativista, parte para um país sul-americano que atravessa uma situação política complicada. Ele acaba se metendo no meio de uma revolução só para impressionar a pretendente. Allen está bastante elétrico na pele do protagonista e realiza algumas das cenas mais engraçadas de sua carreira em uma República de Bananas. 

03 Tangerine (2015) O cineasta Sean Baker fez história com este filme por dois motivos. O primeiro foi a repercussão por ter se tornado o primeiro filme totalmente filmado com iPhone e o segundo foi dar o protagonismo a duas atrizes trans em papéis trans - um verdadeiro marco para os filmes da terra do Tio Sam. O filme acompanha as amigas Sin-Dee (Kitana Rodriguez) e Alexandra (Mya Taylor, melhor atriz coadjuvante no Independent Spirit daquele ano) pelas ruas de Los Angeles perto do Natal. As duas encontram outros personagens interessantes e com problemas amorosos sempre de forma espontânea, divertida e bafônica.  Seu despojamento lembra muito os primeiros filmes do Almodóvar.

02 Tangerinas (2013) Lançado na mesma época e com trama totalmente diferente, esta tangerina é do outro lado do mundo. Este  magnífico filme estoniano foi indicado ao Oscar de Filme Estrangeiro (perdeu para o polonês Ida) com a história de um produtor de tangerinas que em 1992 presencia um confronto sangrento em sua porta e acolhe um homem ferido. Mal sabe ele que sua casa se tornará o cenário para dois inimigos de guerra ponderarem sobre o ódio que a guerra instaurou na região. Um filme simples que fala de questões sérias com uma profundidade impressionante e (o mais importante) sem ser chato. Assista com um lenço por perto.  

01 Apples (2020) Fonte de inspiração para este combo, o filme grego que marca a estreia de Christos Nikou é tragicômico na medida certa. Ao retratar uma epidemia de amnésia ao final perto do final do século XX, o diretor conta a história de um protagonista que precisa reaprender tudo sobre a vida com um severo tratamento comportamental. Entre fotos e uma lista de coisas a fazer, ele começa a pensar se tudo aquilo faz realmente sentido. Contido, hipnótico e provocador sem ser escandaloso, o filme é elogiado desde o seu lançamento no Festival de Veneza e bem que poderia ter entrado no páreo de filme estrangeiro no Oscar deste ano.