quarta-feira, 31 de julho de 2024

HIGH FI✌E: Julho

 Cinco filmes assistidos durante o mês que merecem destaque:

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PL►Y: A Sala dos Professores

Leonie e Leonard: a verdade manipulável feito um cubo mágico.
 

Ano passado os filmes de língua não inglesa tornaram nosso ano cinéfilo muito mais interessante, tanto que na temporada de ouro, duas produções em língua estrangeira conseguiram espaço entre os dez indicados entre o Oscar de Melhor Filme (Anatomia de uma Queda e Zona de Interesse, um levou o Oscar de roteiro original, o outro de melhor som e filme internacional). Na categoria destinada aos filmes estrangeiros, alguns títulos já eram dados como certos no páreo, a surpresa ficou por conta do alemão A Sala dos Professores, que ninguém imaginava que cravaria uma indicação. Muito por conta da Alemanha ter um filme de muito mais prestígio perante a crítica (Afire de Christian Petzold), mas preferir voltar sua campanha para outro que fosse capaz de gerar mais burburinho e interesse entre os votantes da Academia. A estratégia deu certo e ofereceu visibilidade a um filme digno de debates após a sessão. O filme dirigido por Ilker Çatak é ambientado em uma escola com regras bastante rígidas que, mesmo assim, está intrigada com uma série de roubos que acontecem por lá. Após recaírem as suspeitas sobre um aluno, a professora recém-chegada Carla Nowak (Leonie Benesch) tem suas próprias suspeitas sobre o que está acontecendo e deixa a câmera de seu notebook ligada na sala dos professores. Embora a câmera não identifique o rosto do ladrão durante um roubo, a câmera permite que se visualize a roupa usada pelo ladrão. Embora cheia de boas intenções, Carla mostra-se bastante precipitada em suas ações e começa uma verdadeira guerra nas relações entre os professores, funcionários e alunos da escola. O campo de batalha instaurado afeta diretamente a relação da professora com seu melhor aluno, Oskar (Leonard Stettnisch). A gravação resulta em um emaranhado tão complicado de situações envolvendo ética, preconceitos, fake news, desinformação e um tanto de autoritarismo que lá pela metade ficamos imaginando como o filme vai resolver tudo aquilo. O roteiro escrito pelo diretor e Johannes Duncker oferece golpes seguidos na mente do espectador, ampliados ainda mais pela narrativa sem pausas para respirar. Essa ideia é ampliada pelo ótimo trabalho da atriz Leonie Benesch que transmite visível desespero pelas sucessivas vezes em que mete os pés pelas mãos e também pela trilha sonora excepcional de Marvin Miller. No entanto, conforme você percebe que muitos pontos do filme ficam soltos, o espectador já imagina que a produção não faz a mínima ideia de como resolver toda aquela situação. Ainda que deixe um gostinho de decepção em seu desfecho aberto (lembre de um amigo dizendo que "Hollywood gosta de solução, o cinema europeu gosta do problema"), A Sala dos Professores oferece uma narrativa vigorosa que impressiona por sua montagem e os desdobramentos que deixa para a imaginação do espectador. Muitas vezes reclamamos de filmes que se estendem mais do que deveriam e deixa a história se perder pelo caminho, com este aqui acontece o oposto, quando o filme termina, temos a impressão que a trama poderia se desenvolver por mais uns quinze ou vinte minutos diante das possibilidades que tinha em mãos. O filme está disponível no Max e merece atenção.

A Sala dos Professores (Das Lehrerzimmer / Alemanha - 2023) de Ilker Çatak com Leonie Benesch, Rafael Stachowiak, Eva Löbau, Canan Samadi, Michael Klammer e Leonard Stettnisch. ☻☻

domingo, 28 de julho de 2024

Pódio: Ed Harris

Bronze: o mergulhador heróico

 3º O Segredo do Abismo (1989) Eu tinha um  punhado de escolhas óbvias para completar este pódio, mas sempre que lembro de  Ed Harris eu recordo da primeira vez que o reparei em um filme. No entanto, o filme foi um dos raros fracassos da carreira de James Cameron, mas fazia o maior sucesso quando passava na televisão. Ele vive um membro da equipe que tem a missão de encontrar um submarino nuclear perdido e descobre na verdade um grupo de alienígenas no meio do oceano. Prestes a completar 40 anos, ele tinha pinta de galã herói de filme de ação, mas deixou claro que era um bom ator para qualquer tipo de filme. 

Prata: O diretor divino.

2º O Show de Truman (1998) foi um filme que se tornou sucesso mundial e rendeu ao ator sua segunda indicação ao Oscar de ator coadjuvante (a primeira foi com Apollo 13 em 1996). Aqui ele interpreta Deus, ou melhor Christof, o responsável por dirigir o programa de televisão que acompanha o crescimento e o cotidiano de Truman Burbank (que não faz a mínima ideia de que sua vida é um reality show). Harris constrói um personagem que é um misto de divindade, paternidade e diretor, misturando o que estes papéis podem ter de mais terno e assustador. O ator era o favorito ao Oscar daquele ano, mas perdeu para James Coburn (por Temporada de Caça), dá para acreditar?

Ouro: O grande escritor
1º As Horas (2002) Depois de se aventurar como diretor em Pollock/2000 e receber sua primeira indicação ao Oscar de melhor ator, Harris voltou ao páreo de coadjuvante por seu trabalho neste filme de Stephen Daldry (e perdeu de novo). O filme sobre histórias paralelas em torno do livro Srª Dalloway de Virginia Woolf lhe trouxe um dos papéis mais complicados de sua carreira. Richard é um escritor que estas prestes a receber o  maior reconhecimento de sua carreira, mas sua mente e seu corpo estão sofrendo os efeitos do HIV. Quem lhe ajuda a enfrentar as horas até o evento é uma ex-namorada, Clarissa (Meryl Streep), que enxerga nele o grande amor de sua vida. Harris é responsável pelos momentos mais surpreendentes do filme e devasta nosso coração em sua última cena.

PL►Y: O Amor Sangra

 
Katy e Kristen: romance temperado com violência. 

Lou (Kristen Stewart) administra uma academia de musculação em meados dos anos 1980. Sua rotina é não baixar a guarda para os frequentadores e zelar por aquele espaço (incluindo desentupir os sanitários do banheiro com mais frequência do que ela gostaria). Ela cortou relações com o pai (o sumido Ed Harris, com madeixas impressionantes) faz algum tempo e tem uma irmã (Jena Malone) que sofre nas mãos de um marido agressivo (Dave Franco). A rotina de Lou é sem encantos,  pelo menos até que ela se depara com Jackie (Katy O'Brian), uma jovem que sonha em participar de concursos de halterofilismo se ser reconhecida como a melhor da região. As duas irão se apaixonar, mas vão ter que enfrentar muitos obstáculos no caminho, entre eles o passado sombrio de Lou e o uso de substâncias perigosas por Jackie, uma mistura que gera consequências violentas para o romance idílico que pretendem vivenciar. Love Lies Bleeding é o segundo longa metragem da inglesa Rose Glass, que chamou atenção anteriormente com o ótimo Saint Maud (2019). A atmosfera dos dois não poderia ser mais diferente. Embora ambos tenham protagonistas femininas, o primeiro era todo contido e sisudo sob o peso do horror que brotava da religiosidade, seu segundo trabalho é visualmente mais exuberante, cheio de cores fortes - o que só ressalta a atmosfera nervosa da narrativa. Glass constrói uma história de amor marcada pela violência e com um verniz de body horror que não tem medo de cair no ridículo quando chega ao seu desfecho. Ela embaralha o destino das personagens num emaranhado digno dos irmãos Cohen dos velhos tempos. Glass ainda consegue arrancar um trabalho competente de Kristen Stewart que consegue a torcida da plateia tanto quanto Katy O'Brian. É verdade que em alguns momentos o romance entre as duas se enrola nas próprias armadilhas, mas a energia impressa pela diretora junto ao elenco compensa qualquer deslize na execução. O resultado consegue ser envolvente, estiloso, cru, luxuriante e surpreendente. Particularmente o filme me deixou muito curioso por imaginar o que a diretora fará daqui para frente, ao ver seu trabalho anterior imaginei que ela se tornaria uma nome imponente do terror atual, mas perante do que ela fez aqui, considero que ela é capaz de qualquer coisa. Há de se ressaltar sua habilidade absurda na construção da tensão de seus filmes, o que me deixa curioso sobre o que ela faria em um drama pesadão, daqueles que chegam com força nas premiações. Falando em premiações, a pouco conhecida Katy O'Brian está digna de reconhecimento na temporada de ouro. Sua performance luminosa na pele (ou seria musculatura?) de Jackie rouba a cena vem vários momentos, mesmo quando o filme quase cai na galhofa com seu, digamos, crescimento. Love Lies Bleeding é uma das maiores ousadias do ano.

Love Lies Bleeding - O Amor Sangra (Reino Unido - EUA/2024) de Rose Glass com Kristen Stewart, KAty O'Brian, Ed Harris, Dave Franco, Jena Malone e Anna Baryshnikov. ☻☻

NªTV: The Bear - 3ª Temporada

Ebon, Ayo e Jeeremy: suflê murcho na terceira temporada. 

Vi muita gente considerar a segunda temporada de The Bear melhor do que a primeira. Não foi o meu caso. Se a primeira eu considero uma das mais empolgantes das séries recentes, a segunda começou a me despertar certo cansaço. Ainda assim, aguardei com grande expectativa a terceira temporada e ver os rumos que o restaurante do título tomaria. Quando saíram os primeiros comentários sobre a temporada, eles não soavam muito empolgantes. Como gosto de tirar minhas próprias conclusões, fui assistir a temporada de coração aberto (ainda que seja no meu ritmo de conseguir ver apenas dois episódios por dia). Infelizmente a sensação de cansaço apareceu com mais força ainda. Tive a impressão que depois de toda a correria caótica da segunda temporada, o criador não sabe muito o que fazer com O Urso. Os episódios são bastante irregulares e dos oito que compõem esta temporada, eu salvaria uns três. O dedicado à Tina (Liza Colón-Zayas) é meu favorito e os dois últimos parecem promessas de algo que ficou para ano que vem - já que a série não tinha mais para onde correr. De resto, acompanhar as desventuras de Carmy (Jeremy Allen White) para se tornar o que ele mais odeia (mesmo que ele não perceba isso) foi bastante árdua. Não por conta dele em si, já que sua obsessão em tornar The Bear em um restaurante estrelado lhe dá o rumo que eu já imaginava. O problema é que durante toda a temporada, o personagem bate sempre na mesma tecla. Esta ideia de que algo não vai bem com o protagonista já é visto no primeiro episódio que é uma colcha de retalhos memoriais do personagem com cenas que o levaram até ali. Se você imagina que haverá desdobramentos sobre o relacionamento do personagem com sua amada Claire... pode esquecer. Carmy está mais preocupado em criar um novo menu todo dia e aguardar uma crítica sobre o restaurante no Chicago Tribune que demora até o último episódio para ser publicada. Enquanto isso temos que aturar muita enrolação durante os episódios, repetindo algumas participações especiais da temporada anterior (especialmente no último episódio), ver Syd (Ayo Edebiri) enfrentar o dilema se continua a seguir as ambições de Carmy (e aceita um convite para se tornar sócia do restaurante) ou embarca em outro projeto, além de ver o tio Jimmy (Oliver Platt) ver suas finanças minguarem com o gasto com o restaurante. A sorte de The Bear é que soube ampliar as dimensões de seus personagens para despertar a atenção do espectador, só que aqui faz a tarefa ingrata de não os levarem para lugares muito diferentes ao longo dos episódios. Tudo parece estagnado. Ao final da temporada, tive a sensação que a série foi concebida para terminar na terceira temporada, mas resolveram esticar a ideia para muitas outras. O que vemos aqui poderia ter rendido dois episódios da última temporada. Eu poderia falar que Christopher Storer poderia repensar  os rumos de sua cria com as críticas que a temporada recebeu, mas a quarta temporada foi filmada ao mesmo tempo que esta. Ou seja, pobre urso. 

The Bear - 3ª Temporada (Ther Bear - Season 3 / 2024)  de Christopher Storer com Jeremy Allen White, Ayo Edebiri, Ebon Moss- Bachrach, Lionel Boyce, Liza Colón-Zayas, Abby Elliott, Oliver Platt, Chris Witaske, Jamie Lee Curtis e Olivia Colman. ☻☻

#FDS Esportivo: Carruagens de fogo

Charleson e Cross: rivalidade com respeito. 

Fechando nosso #FimDeSemana Esportivo está um filme que surpreendeu o mundo inteiro quando foi anunciado como o ganhador do Oscar de Melhor Filme em 1982. Naquele ano as apostas estavam em torno de Reds (ainda mais depois que o longa deu o Oscar de direção para Warren Beatty minutos antes), mas fico imaginando se a Academia (ainda mais daquele tempo) bancaria premiar um filme ambientado na Revolução Bolchevique. O grande público estava na torcida mesmo era para Os Caçadores da Arca Perdida, o clássico de aventura de Steven Spielberg que cravou Indiana Jones na história do cinema. O grande prêmio do cinema americano não foi para um nem para o outro, mas para uma produção inglesa que era vista como o azarão perante seus concorrentes. O filme conta a história real de dois  jovens atletas que sonhavam em se tornar medalhistas nas Olimpíadas de Paris de 1924 (um século atrás!). Eric Lidell (Ian Charleson) era um devoto cristão escocês que sonhava em ser missionário na China, mas que se dedica cada vez mais às corridas para incompreensão de sua esposa religiosa. A história de Lidell é contada paralelamente à de Harold Abrahams (Ben Cross), que sofre preconceito por seu judeu mesmo sendo aluno da prestigiada Universidade de Cambridge. O primeiro acredita que é seu amor a Deus que o faz ser tão rápido, o segundo acredita que se consagrar nas corridas trará o reconhecimento que sempre deseja junto aos seus pares. O diretor Hugh Hudson (falecido em 2023) realiza aqui seu segundo longa-metragem e encara o desafio de equilibrar e costurar a vida dos dois atletas na tela sem pender mais para um lado do que para o outro. O roteiro (também oscarizado) de Collin Welland insere alguns dilemas da vida dos personagens na trama, inclui também algumas implicâncias políticas de suas ações de forma que até a escolha de Sam Mussabrini (Ian Holm) para ser técnico de Abrahams gera polêmica. Muita gente critica o filme como um dos filmes menos estimulantes a ganharem o maior prêmio do cinema americano, muito se deve pela direção quadradinha de Hudson que evoca um cinemão clássico, mas um tanto sem personalidade. Esta sensação é ainda mais intensa na primeira meia hora de filme, em que a trama se estende demais na apresentação dos atletas de forma pouco empolgante, inclusive em seus relacionamentos amorosos. A situação melhora quando o filme aborda a intensificação dos treinos e a tensão das Olimpíadas (lembrando que a reprodução dos jogos merece destaque), aspectos que prendem mais a atenção do espectador. Charleson e Cross estão eficientes em cena, mas quem rouba a cena é Ian Holm (indicado ao Oscar de ator coadjuvante) como o técnico exigente (e no elenco vale destacar a presença de Brad Davis que posteriormente causou polêmica com seu trabalho em Querelle no ano seguinte). O longa também ganhou o Oscar de figurino (aspecto que se torna fundamental para a reconstituição de época). Obviamente que não posso deixar de mencionar a emblemática trilha sonora de Vangelis, que garantiu ao filme mais uma estatueta e se tornou uma espécie de trilha sonora informal das Olimpíadas. Não seria exagero afirmar que a trilha sonora ficou mais conhecida que o filme ao longo do tempo.

Carruagens de Fogo (Reino Unido / 1981) de Hugh Hudson com Ben Cross, Ian Charleson, Nicholas Farrell, Nigel Havers, Brad Davis, Daniel Gerroll, Lindsay Anderson, Nigel Davenport, Cheryl Campbell e Alice Krige.

sábado, 27 de julho de 2024

#FDS Esportivo: O Dia Mais Feliz da Vida de Olli Mäki

Jarkko e Oona: o amor roubando a cena. 

Olli Johan Oskari Mäki nasceu em dezembro de 1936 na Finlândia. Desde jovem começou a se dedicar ao boxe. Em 1959, ainda como atleta amador, ganhou o título de campeão de peso leve europeu após ficar em segundo lugar dois anos antes. Após ser descartado pela delegação olímpica finlandesa em 1960, ele se tornou profissional e disputou títulos até 1973 com 23 vitórias, 14 derrotas e 8 empates. No entanto, o início de sua carreira profissional foi bastante complicada, especialmente quando seu técnico resolveu que ele deveria perder peso para disputar na categoria de peso pena. O filme finlandês O Dia Mais Feliz da vida de Olli Mäki se concentra neste início de jornada de uma figura ilustre do esporte local. O roteiro do diretor Juho Kuosmanen e de Mikko Myllylahti parece mais interessado nos bastidores deste período do que propriamente nos treinos e lutas disputadas por ele, a câmera na mão e a fotografia em preto e branco colaboram muito para criar uma atmosfera realista com base na linguagem documental - e ao chegar no resultado da famigerada luta contra Davey Moore, temos a impressão de saber exatamente o motivo daqueles dois rounds históricos no currículo de Mäki. Ao invés de construirem mais um filme motivacional como tantos outros que usam o boxe como alegoria, o diretor opta por buscar os sentimentos por trás do praticante de um esporte marcado pela força. Jarkko Lahti encarna um Olli Mäki discreto e um tanto deslocado com a fama conquistada. Fica notável sua inadequação com os encontros, jantares, fotos, entrevistas e toda publicidade que sua figura começa a gerar no país, uma pressão que aos poucos começa a pesar muito sobre ele. Olli é muito mais feliz quando está ao lado da namorada, Raija (Oona Airola) e o diretor capricha nas cenas em que os dois estão juntos. Elas parecem saídas de um romance clássico do cinema, especialmente pelo olhar apaixonado impresso pelo casal em cena. O treinador (Eero Milonoff) não vê com bons olhos aquele relacionamento, considera que pode atrapalhar o preparo para a luta, no entanto, ele continua achando uma boa ideia que Olli tenha que perder peso para mudar de categoria em sua vida profissional. É visível como a perda de peso é prejudicial para o atleta, que realiza medidas extremas para atingir o padrão que lhe é exigido (para além da atuação, Jarkko Lahti realiza uma transformação física notável ao longo da projeção). Ainda que exista toda uma tensão no preparo para a luta, o filme ainda consegue destacar alguns momentos cômicos, assim como cenas de sutil romantismo quando Olli e Raija estão juntos. Em determinados momentos, parece que e aquele sentimento é o que mais importa ao longo do filme, tanto que o título e a cena final parecem sinalizar que a felicidade do personagem foi finalmente se livrar de todo aquele stresse. O filme foi premiado na Mostra Un Certain Regard  do Festival de Cannes e assim como o segundo filme do diretor (Compartimento nº6 / 2021) caiu no radar das premiações mundiais pela maneira envolvente com que aborda a relação de seu casal protagonista.

O Dia Mais Feliz da Vida de Olli Mäki (Hymyilevä mies / Finlândia - 2016) de Juho Kuosmanen com Jarkko Lahti, Oona Airola, Eero Milonoff, Esko Barquero, Elma Milonoff e Joonas Saartamo. ☻☻

#FDS Esportivo: Quem Fizer Ganha

Fassbender e seu time: quase um milagreiro. 
 
Em ritmo de Olimpíadas, dedico este #FinalDeSemana a filmes com tramas em torno de esportes. Pra começar, eu escolhi este filme recente que está em cartaz no Disney+ e que não chamou muita atenção nos cinemas. É sempre bom lembrar que Taika Waititi se construiu como artista em sua terra natal, a Nova Zelândia. Filho de pai maori e mãe judia nascida na Rússia, temos uma ideia que suas referências são bastante diferentes da maioria dos cineastas de Hollywood. Waititi começou sua carreira como ator em 1999 e anos depois começou a se exercitar como cineasta em curtas metragens. Por um deles, foi indicado ao Oscar de melhor curta-metragem (Two Cars, One Night/2004). Seu senso de humor peculiar ficou ainda mais evidente em seus longas Boy (2010), O Que Fazemos nas Sombras (2014) e Fuga para Liberdade (2016) , causando surpresa quando a Marvel o escolheu para dirigir Thor: Ragnarok (2017). O filme foi o maior sucesso de uma aventura solo do Deus do Trovão nos cinemas. Com crédito em Hollywood, não só Taika conseguiu bancar uma adaptação polêmica sobre um menino que tinha Hitler como amigo imaginário em Jojo Rabbit (2019), como também ganhou o Oscar de roteiro adaptado pelo trabalho. No entanto, depois a coisa desandou com Thor: Amor e Trovão (2022) e o diretor resolveu baixar a bola com Quem Fizer Ganha, aqui o protagonista é um treinador mal humorado que a contragosto se torna responsável por dar um jeito no time de futebol de Samoa Americana. Ninguém ganha um Oscar impunemente e muito menos se coloca no alto dos créditos um ator do calibre de Michael Fassbender a toa. O filme foi cercado de burburinho e falavam em prêmios e mais um Oscar... mas não era  pra nada disso. Waititi dá a impressão que queria voltar a fazer suas comédias despretensiosas novamente, mas o público e a crítica desejavam, especialmente depois da bomba que foi sua última desventura com a Marvel. A trama aqui é inspirada em uma história real sobre um time que chamou atenção por ser derrotado com a maior goleada em uma eliminatória de Copa do Mundo. Samoa Americana perdeu de 31 a 0 para a Austrália em 2001. Um vexame que abalou definitivamente as estruturas do time da pequena ilha do pacífico que viu na figura sisuda do estadounidense Thomas Rogen a chance de superar seus traumas. Pode se dizer que Waititi faz o básico por aqui amparado pela forma diferente com que Rogen e o time encara a relação com esporte. Esta diferença entre o olhar do técnico e do time reflete muito das diferenças culturais entre o estrangeiro e os habitantes da região. No entanto, estas diferenças nunca se aprofundam muito e só são superadas quando os problemas pessoais do próprio Rogen começam a aparecer em cena.  Eu nunca imaginaria Fassbender para um papel que precisa de alguma habilidade cômica, mas digamos que Waititi inovou ao investir na verve germânica do moço, ainda mais depois dele ficar quatro anos fora dos cinemas. O filme é bastante inofensivo e convencional. As cenas das partidas e treinos também não trazem novidades, mas o que me chamou mais atenção no filme foi o trabalho da estreante Kaimana que interpreta Jaiyah Saelua, que foi a primeira jogadora transgênero do mundo a disputar uma partida de eliminatórias da Copa do Mundo. Na pele de Jaiyah, a atriz injeta nuances inesperadas em um filme voltado para um time de futebol, especialmente pela forma como todos s definem como Fa'afafine (termo que designa na cultura samoana americana as pessoas que têm gêneros fluidos, mostrando dois espíritos coexistindo em uma pessoa). A forma como a personagem é retratada no filme se torna a grande surpresa do filme, mais até do que acompanhar um filme que nem faz questão de ganhar, mas que gostaria de fazer pelo menos um gol em uma partida. Chegado a personagens deslocados, fica fácil entender o motivo desta história real chamar atenção do diretor.
 
Quem fizer Ganha (Next Goal Wins / Austrália - EUA / 2023) de Taika Waititi com Michael Fassbender, Elisabeth Moss, Kaimana, Will Arnett, David Fane, Rachel House, Will Arnett, Oscar Kightley, Beulah Koale e Taika Waititi. ☻☻

sexta-feira, 26 de julho de 2024

NªTV: Slow Horses

 Oldman: o cuidador de pangarés.

Somente agora consegui assistir a terceira temporada de Slow Horses e fiquei surpreso de perceber que ainda não havia realizado uma postagem sobre ela por aqui, uma das minhas séries favoritas da AppleTV. Recentemente começaram a surgir muitos comentários sobre como o streaming da empresa tem uma audiência baixa ao redor do mundo. Acho que muito se deve ao acervo pequeno, mas vale ressaltar que a qualidade de suas produções é bastante elevada. Se pegarmos por exemplo Slow Horses, a situação fica ainda mais exuberante. Para começar a série é protagonizada por Gary Oldman na pele de Jackson Lamb, um agente experiente da MI5 que é responsável pela Slough House - o que é considerado o ponto mais baixo da carreira dentro do renomado serviço de inteligência britânico, afinal, é destinado para lá os agentes que cometeram algum deslize em suas carreiras e forma jogados para escanteio. Lamb cuida de sua equipe com frases de desprezo e o que pode parecer um tanto de desmotivação, mas que se desmonta conforme a cada temporada sua equipe se depara com algum caso que que ganha proporções surpreendentes. É do trocadilho com Slough House (também título da série de livros de Mick Herron que a série se baseia) que nasce o título do programa que é muitas vezes utilizado para se referir a quem trabalha por lá, os Slow Horses, ou pangarés, sonham em provar seu valor e conquistar novamente o respeito do MI5. Se na primeira temporada conhecemos o ambicioso e recém chegado River Cartwright (Jack Lowden), na segunda conhecemos um pouco mais da eficiente secretária de Lamb, Catherine (Saskia Reeves), do hacker Roddy Ho (Christopher Chung), da destemida Louisa Guy (Rosalind Eleazar) e choramos com Min Harper (Dustin Demri-Burns). Embora eu considere que a voltagem da segunda temporada seja menor que a primeira, ela serve para nos dizer que tudo pode acontecer com seus personagens, especialmente quando entra em campo as superiores Diana Taverner (Kristtin Scott Thomas) e Ingrid Tearney (Sophie Okonedo), que travam seus próprios jogos de poder nas altas esferas do serviço de inteligência. A terceira temporada cria aos poucos um território para que as duas personagens assumam de vez a rivalidade em uma trama que começa com um suicídio e um  sequestro, daí em diante existem desdobramentos inusitados que podem comprometer a própria credibilidade do MI5. A série demonstra mais uma vez que não tem pudores em se livrar de personagens relevantes em sua trama - o que só aumenta a sensação de perigo e imprevisibilidade em torno dos personagens. Esta terceira temporada está um primor, com aquele jeito esperto do mudar os rumos dos acontecimentos a cada dois episódios (todas as temporadas são compostas de oito episódios) deixando sempre o espectador tão curioso quanto surpreso. A escala de ação dos últimos episódios da temporada é maior do que tudo que foi visto no programa até aqui, some isso às performances impecáveis do elenco e não falta motivos para acompanhar a série. É verdade que Shirley (Aimee-Ffion Edwards) e Marcus (Kadiff Kirwan) já chegaram naquele momento que merecem mais destaque perante os seus colegas da Slough House, mas diante do trailer da próxima temporada (que deve estrear em setembro) de que um dos pupilos de Lamb perecerá pelo caminho... fico preocupado com os dois. Vale dizer que o personagem de Gary Oldman é o avesso do discretíssimo espião que viveu em O Espião que Sabia Demais (2011), que lhe rendeu sua tardia primeira indicação ao Oscar. Oldman está indicado ao prêmio de melhor ator em série dramática no EMMY por esta temporada, Lowden concorre como coadjuvante e a série concorre em outras seis categorias, incluindo melhor série, melhor direção e melhor roteiro. Se você ainda não assistiu à está pérola do streaming, fica a dica. 

Slow Horses (2022-2024) de Will Smith com Gary Oldman, Jack Lowden, Kristtin Scott thomas, Saskia Reeves, Rosalind Eleazar, Christopher Chung, Chris Reilly, Sophie Okonedo, Jonathan Pryce e Freddie Fox.  ☻☻

quarta-feira, 24 de julho de 2024

FESTIVAL DE VENEZA 2024

Delírio a Dois: roubando os holofotes de Veneza.

O Festival de Veneza divulgou a lista de filmes que estão em competição na sua 81ª edição, que terá início no dia 28 de agosto e terminará no dia 07 de setembro. Algumas das produções mais aguardadas do ano serão exibidas pela primeira vez nas telas do Festival, entre elas o primeiro longa-metragem em língua inglesa do espanhol Pedro Almodóvar (estrelado por Julianne Moore e Tilda Swinton), o novo filme do brasileiro Walter Salles (que não lançava um longa desde Na Estrada/2012), a nova biopic assinada por Pablo Larraín (agora voltado pra Angelina Jolie vivendo a diva Maria Callas), a adaptação de Luca Guadagnino para um cultuado livro de William S. Burroughs, mas obviamente que a maior curiosidade do Festival é em torno de Coringa: Delírio a Dois de Todd Phillips que resolveu fazer uma continuação em tom de musical para o sucesso de 2019. Será que funciona? O júri da edição será presidida por Isabelle Huppert e contará ainda com o brasileiro Kleber Mendonça Filho. Os filmes que concorrem ao prêmio máximo do festival são:

    “The Room Next Door”, Pedro Almodóvar;
    “Campo di battaglia”, de Gianni Amelio;
    “Leurs enfants après eux”, de Ludovic & Zoran Boukherma;
    “The Brutalist”, de Brady Corbet;
    “Jouer avec le feu”, de Delphine & Muriel Coulin;
    “Vermiglio”, de Maura Delpero;
    “Iddu (Sicilian Letters)”, de Fabio Grassadonia & Antonio Piazza;
    “Queer”, de Luca Guadagnino;
    “Love”, de Dag Johan Haugerud;
    “April”, de Dea Kulumbegashvili;
    “The Order”, de Justin Kurzel;
    “Maria”, de Pablo Larraín;
    “Trois amies”, de Emmanuel Mouret;
    “Kill the Jockey”, de Luis Ortega;
    “Coringa: Delírio a Dois”, de Todd Phillips;
    “Babygirl”, de Halina Reijn;
    “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles;
    “Diva Futura”, de Giulia Louise Steigerwalt;
    “Harvest”, de Athina Rachel Tsangari;
    “Youth (Homecoming)”, de Wang Bing; e
    “Stranger Eyes”, de Yeo Siew Hua

sábado, 13 de julho de 2024

PL►Y: Buddies

David e Geoff: no olho do furacão da AIDS.

Por algum tempo foi considerado que Meu Querido Companheiro (1990) de Norman René era o primeiro filme a relatar a epidemia da AIDS nos anos 1980, o filme fez algum sucesso comercial e concorreu ao Oscar de melhor ator coadjuvante pelo trabalho de Bruce Davidson. No entanto, o primeiro filme a abordar o tema surgiu cinco anos antes: Buddies de Arthur J. Brennan Jr. O filme independente de baixo orçamento não recebeu grande distribuição nos cinemas e foi rotulado, como filme gay por um bom tempo (especialmente pelo histórico de seu diretor), mas visto hoje, ele ainda surpreende pela forma direta de sua abordagem, especialmente se imaginarmos que foi realizado no auge da propagação do HIV. O filme conta a história de Robert (Geoff Edholn) que está hospitalizado por estar muito debilitado com o vírus do qual se sabe muito pouco. Pela falta de informações, preconceitos e medo de contaminação, ele se encontra sem visitas de parentes e amigos no leito hospitalar. Por conta dessa situação que era bastante comum, um jovem rapaz desconhecido, David (David Schachter) é designado por uma serviço de assistência social para lhe fazer companhia. Conforme conversam, os dois começam a se tornar amigos e perceber como suas vivências (e temperamentos) são opostos. Robert lembra que quando assumiu sua homossexualidade sofreu rejeição da família, já a de David aceita com naturalidade. Enquanto Robert teve vários parceiros amorosos, David mora com o namorado e vive uma relação sossegada e monogâmica. Se Robert desenvolveu uma postura politizada pelos direitos dos homossexuais, David prefere cuidar de sua própria vida e não se expor em movimentos coletivos. As diferenças por vezes geram alguns conflitos entre os dois personagens, mas conseguem um certo equilíbrio na proposta do diretor em apresentar formas diferentes de vivenciar sua sexualidade nos anos 1980, ou seja, um anúncio de que o fato de ser gay não significava que todos tinham o mesmo estilo de vida. Enquanto havia poucas informações e pesquisas em torno da AIDS, crescia o discurso moralista sobre a "peste gay" e o "castigo divino", temas que eram coletados por David em uma pesquisa que realizada para publicação de um livro. Buddies apresenta uma proposta de exercício de empatia ao espectador, sobretudo diante do sofrimento e da solidão vivenciada por Robert com seus sonhos e expectativas que ficam pelo meio do caminho enquanto ele se despede da vida. A proposta do filme fica bastante vívida quando o olhar de David começa a se transformar em torno daquele rapaz. O diretor mantém o foco todo o tempo sobre os dois personagens, mantendo somente os dois em cena a maior parte do tempo (por vezes escuta-se vozes, sombras de outros personagens e figurantes em poucas cenas externas), esta opção ressalta a sensação de isolamento, mas também a ideia de cumplicidade e proximidade entre os dois. Embora o orçamento limitado seja evidente e os atores estejam apenas eficientes em cena, quando lembro do período em que o filme foi realizado e vejo a abordagem que oferece à temática, considero que Buddies envelheceu muito bem após quase trinta anos de seu lançamento. O longa se mostra como um registro importante de um tempo bastante sombrio, especialmente para a comunidade gay. Buddies é o sétimo longa-metragem de Arthur J. Brennan Jr, que o realizou com conhecimento de causa. Nascido em 1943, Arthur foi um dos pioneiros do cinema queer nos EUA, foi diretor, produtor, documentarista e faleceu em 1987 em decorrência de complicações decorridas do HIV. Assim como ele, Geoff Edholm faleceu das mesmas condições em 1989. 

Buddies (EUA/1985) de Arthur J. Brennan Jr. com Geoff Edholm, David Schachter, Billy Lux e David Rose. ☻☻

PL►Y: Madame Teia

Celeste, Dakota, Izabela e Sydney: um dos micos do ano.

A primeira vez que ouvi falar da personagem Madame Teia da Marvel foi quando Sandra Bullock declarou seu interesse em viver a personagem em uma adaptação que estava em andamento para ao cinema. Obviamente que procurei mais informações sobre a personagem do universo do Homem-Aranha, descobri que ela era uma personagem de idade avançada, cadeirante, cega e que tinha entre os seus superpoderes a propriedade de prever o futuro. Quando ouvi falar da personagem novamente foi quando a Sony decidiu que Dakota Johnson viveria a personagem no cinema. Existe uma diferença de vinte e cinco anos entre Sandra e Dakota. O que poderia ser apenas uma ideia de que o estúdio escolheu uma atriz mais jovem era que ela poderia ser aproveitada ao longo de uma franquia cinematográfica ao longo dos anos, por outro lado, os fãs reclamaram que poderia ser um indício de que a personagem seria descaracterizada no cinema. Como a personagem não é muito conhecida, o pecado não parecia tão grave assim... pelo menos até o filme estrear nos cinemas. A personagem criada em 1980 já sofreu muitas alterações em sua origem, mas nenhuma delas dava indício de que sua ida para o cinema seria tão desprovida de sentido. Embora o filme apresente uma origem para a personagem (envolvendo a floresta amazônica peruana e uma espécie rara de aranha), temos a impressão que a história que o espectador gostaria de assistir está no filme seguinte. A trama gira em torno de Cassandra Webb (Dakota Johnson) descobrindo seus poderes a partir de um acidente traumático. A partir dali, ela começa a ter episódios de dejá vù que na verdade são visões do que irá acontecer no futuro. Sem saber controlar seus poderes, ela irá se deparar com três adolescentes que assombram uma figura do seu passado, Ezekiel Sims (Tahar Rahim), um sujeito que sonha constantemente que o trio irá matá-lo no futuro. Acontece que Julia (Sydney Sweeney), Anya (Izabela Merced) e Mattie (Celeste O'Connor) serão super-heroínas que enfrentarão o vilão num futuro que o filme não apresenta. O roteiro não gasta nenhum instante para explicar como as três irão se tornar futuras "mulheres-aranhas" e como irão se deparar com Ezekiel, elas são apenas perseguidas por ele durante todo o filme e contam com a ajuda de Cassandra para escaparem. O filme é basicamente isso, uma correria para lá e para cá e nunca vai além disso. A impressão que esticaram o epílogo de um filme para deixar a história em si para outro momento, sendo mais uma vítima daquela síndrome que se propagou em filmes de super-heróis de deixar "o melhor" para o filme seguinte.  Pra piorar, o filme desperdiça bons nomes do elenco sem lhes oferecer muito a fazer em cena e, para piorar, apresenta uma apatia irritante de Dakota Johnson em cena. Na pele de Cassie (e o nome Cassandra é inspirado no mito grego de mesma habilidade) a atriz parece não esforçar muito, deixando que as coisas simplesmente aconteçam ao seu redor (o resultado é que momentos como aquele em que um novo poder é revelado perto do final, o riso é inevitável). No entanto, os filmes do gênero já ficaram tão saturados que tive a impressão que já vi coisas piores do que Madame Teia, este aqui serve ao menos para passar o tempo com algum suspense e a forma interessante como insere o futuro embaralhando o presente da narrativa. É pouco, eu sei, mas para ver no streaming até que serve para distrair um pouco a cabeça. Se a ideia do estúdio era guardar ideias para uma continuação... bem, isso já é um problema perante o fiasco nas bilheterias (custou mais de oitenta milhões e rendeu pouco mais que isso ao redor do mundo).

Madame Teia (Madame Web / EUA -2024) de SJ Clarkson com Dakota Johnson, Tahar Rahim, Sydney Sweeney, Celeste O'Connor, Izabela Merced, Adam Scott, Emma Roberts, Zosia Mamet, José María Uazpik, Mike Epps e Kerry Bishé. 

NªTela: Divertida Mente 2

As emoções de Riley: puberdade com ansiedade no controle.

Divertida Mente é uma das minhas animações favoritas e o seu roteiro deve estar entre os melhores e mais criativos da história do cinema. A ideia de dar vida às emoções de uma menina e abordar de forma lúdica como lidamos com as nossas enquanto crescemos é genial. Obviamente que a ideia original do primeiro filme era tão boa que a PIXAR não deixaria as coisas pararem por ali, era preciso apenas de tempo para desenvolverem novas ideias para uma sequência.Agora a Riley cresceu e está ingressando na adolescência e as emoções que conhecemos no outro filme (Alegria, Tristeza, Raiva, Medo e Nojinho) entram em pânico perante o alarme da puberdade. Com esta nova fase, chegam novos novos colegas "de trabalho": Ansiedade, Tédio, Vergonha e Inveja. O problema é que tudo isso acontece quando Riley precisa provar que é digna de estar no time de hoquéi da escola, ao mesmo tempo em que existe o anúncio de uma separação de suas melhores amigas. As coisas poderiam seguir do mesmo jeito com que a menina lidou com a chegada à uma nova cidade com seus pais, mas a Ansiedade (que no Brasil recebe uma dublagem perfeita de Tatá Werneck) resolve tomar conta e confundir as emoções da menina, ou melhor, se livrar de suas emoções básicas. Divertida Mente 2 segue aqui sua jornada em abordar emoções e sentimentos em forma de desenho animado e, embora a garotada possa curtir o tom de aventura, acredito que são os mais velhos que irão desfrutar de todas as nuances propostas pelo roteiro. A começar pela ansiedade metendo os pés pelas mãos, sempre pensando em possibilidades (sempre terríveis) para o futuro enquanto a Alegria se dá conta que talvez dali em diante as outras emoções possam se tornar mais presentes. É preciso dizer que eu sempre me emociono quando revejo o primeiro filme e, embora esta trama não tenha aquele sabor de novidade do filme anterior, ele ainda consegue nos entreter enquanto nos faz pensar sobre a forma como lidamos com nossas emoções. Existem um momento que ressoou forte enquanto eu assistia ao filme: a mudança de percepção que a Riley possui de si durante a crise abordada. Foi por um momento assim que comecei a fazer terapia e juntar os cacos que ficaram um tanto soltos aqui dentro. Existe muito de psicologia e filosofia no encadeamento do roteiro e isso continua fazendo a diferença, seja na compreensão lúdica que o filme proporciona às crianças ou as reflexões que proporcionam aos adultos sobre o processo de amadurecimento. O filme ainda tem o cuidado de não concluir que a Ansiedade é uma vilã, mas uma emoção um tanto atrapalhada, mas que é importante para nos fazer antecipar os riscos de algo que possa acontecer. O problema é quando ela exagera e descontrola todo o resto. Pela forma ilustrativa com que apresenta uma emoção tão presente nos dias atuais, não é por acaso que o filme alcançou o bilhão de bilheteria em tempo recorde e já se impõe entre um dos maiores sucessos do ano. Embora tenha gostado muito do filme, considero que a resolução de algumas situações são muito aligeiradas e poderiam ter sido melhor aproveitadas - ele poderia se desenvolver por pelo menos mais uns quinze minutos sem problemas. O considerei bem curtinho, o que não impede que os produtores possam aproveitar novas ideias para novos filmes da franquia. Enquanto mantiverem a sacada genial da abordagem de algo tão complexo, o sucesso está garantido. 

 Divertida Mente 2 (Inside Out  / EUA - 2024) de Kelsey Mann com vozes originais de Amy Poehler, Phyllis Smith, Maya Hawke, Ayo Edebiry, Kensington Tallman, Tony Hale e Adèle Exarchopoulos. vozes em português de Miá Mello, Katiuscia Canoro, Tatá Werneck, Leo Jaime, Dani Calabresa e Otaviano Costa. ☻☻

quinta-feira, 11 de julho de 2024

4EVER: Shelley Duvall

07 de julho de 1949 11 de julho de 2024

Shelley Alexis Duvall nasceu na cidade de Houston nos Estados Unidos. Shelley estudou na renomada Actor's Studio, mas considerou toda formação muito técnica e analítica, deixando o curso para investir em seu processo mais instintivo de atuar. Em 1970 foi convidada pelo diretor Robert Altman a estrelar Voar é com os Pássaros. A atriz se tornou uma das favoritas do renomado cineasta, com quem voltou a trabalhar em Nashville (1975) e Três Mulheres (1977), por este último foi considerada a melhor atriz do Festival de Cannes. No mesmo ano, Shelley apareceu em Noivo Neurótico, Noiva Nervosa de Woody Allen. No entanto, os seus papéis mais conhecidos surgiram em 1980, vivei a Olívia Palito na versão cinematográfica fracassada de Popeye dirigida por Robert Altman e a esposa assombrada por Jack Nicholson em O Iluminado de Stanley Kubrick. Desde então a atriz fez papéis menores no cinema e passou os anos 1980 se dedicando ao trabalho na série Faerie Tale Theatre (1982-1987), da qual foi criadora, produtora e participava como atriz dos episódios inspirados em contos de fada, lhe rendendo duas indicações ao EMMY. Em 2002 a atriz anunciou sua aposentadoria e se tornou reclusa no interior do Texas.  Na década seguinte surgiram rumores de que sua saúde mental estava comprometida. Em 2023 realizou seu último trabalho no filme The Forest Hill. A atriz faleceu em decorrência de complicações relacionadas à diabetes.

quarta-feira, 10 de julho de 2024

KlÁSSIQO: À Procura de Mr. Goodbar

Diane: personagem inspirada em história real.

Famosa por seus trabalhos em comédias, lembro que certa vez ao ser indagada sobre os desempenhos favoritos de sua carreira, Diane Keaton disse preferir suas personagens mais dramáticas, fazendo com que muita gente lembrasse de À Procura de Mr. Goodbar de Richard Brooks. O filme foi lançado no mesmo ano de sua atuação oscarizada por Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (1977), o papel no filme de Woody Allen lhe rendeu o Globo de Ouro de atriz em comédia, enquanto a mesma premiação a indicou ao prêmio de melhor atriz de drama pelo filme de Brooks. O duplo reconhecimento é mais do que um marco da versatilidade desta grande atriz, mas a fonte dos comentários de que seu Oscar foi por ter apresentado duas das performances femininas mais importantes daquele ano. O filme é uma adaptação do livro de Judith Rossner em que narrava a rotina da professora Roseann Quinn, uma mulher de 28 anos que lecionava para uma escola de crianças surdas de dia e de noite frequentava bares das redondezas a procura de parceiros. Nascida em uma família religiosa, Quinn não desejava se casar ou ter filhos, queria ser independente e relacionar-se com quem lhe interessasse. O movimento feminista estava em alta, mas infelizmente o mundo que Roseann desejava viver livremente ainda estava longe de  existir. Baseada nesta personagem real, a protagonista de À Procura de Mr. Goodbar é Theresa Dunn (Diane Keaton) que após se apaixonar por um professor casado, começa a repensar a forma de se relacionar com os homens de sua vida, a começar pelo seu pai (Richard Kiley) que torna insustentável a relação debaixo do mesmo teto. Na família, Theresa é mais próxima da irmã Katherine (Tuesday Weld, indicada ao Oscar de atriz coadjuvante), que se casou e tem uma vida sexual agitada ao lado do marido. Ao longo do filme, Thery conhece vários homens, mas alguns recebem mais destaque em sua rotina, um é o instável Tony (Richard Gere) e o outro é o assistente social James (William Atherton), que se diz apaixonado por ela, se aproxima da família Dunn e deseja se casar com ela. Se um personifica uma vida de aventuras e incertezas, o outro  representa a vida tradicional da qual Theresa  tenta fugir. No entanto, o roteiro faz questão de repetir que embora esses dois homens pareçam diferentes, suas atitudes podem soar igualmente estranhas e ameaçadoras. Acho estranho quando dizem que a protagonista tinha uma vida dupla, afinal o filme apresenta sua vida profissional e pessoal, não havendo nada demais na forma como a personagem vive de acordo com cada um dos ambientes a que frequenta, no entanto, a ideia de que estes dois mundos possam se chocar a assombra um par de vezes. Em alguns momentos o filme utiliza o recurso de explorar a imaginação da personagem perante o que pode lhe acontecer no futuro, geralmente utilizando um tom cômico nessas abordagens e funciona muito bem. Embora o filme tenha rostos famosos em início de carreira (Gere, Atherton e Tom Berenger), quem carrega o filme nas costas é Diane Keaton que abraça sua personagem sem julgamentos e a apresenta como uma mulher que desejava mais do que a sociedade podia lhe oferecer e, por vezes, o álcool e as drogas lhe oferecia uma fuga da realidade dissonante às suas aspirações. A atriz está perfeita em cena em toda complexidade da personagem. O diretor Richard Brooks sempre teve gosto por histórias fortes e aqui seu trabalho é bastante seguro, seja na escrita do roteiro ou na direção que sabe mudar o tom quando necessário. Se você não conhece a história do filme e pretende assisti-lo alerta de SPOILER nas próximas linhas. Obviamente que o desfecho da história não foge do que aconteceu com Roseann Dunn e o diretor trata a cena final de forma aterradora, fazendo com que Theresa nos assombre como um  fantasma (Tom Berenger que dá vida ao algoz da personagem disse diversas vezes que teve pesadelos depois da cena). Há quem considere todo o alarde em torno do caso de Roseann um tom moralista sobre uma mulher que desejava viver sua sexualidade livremente. O mesmo acontece com o filme, mas visto hoje, com o distanciamento temporal de seu lançamento, À Procura de Mr. Goodbar apresenta uma abordagem arrepiante do feminicídio. Afinal, porque tanta agressividade masculina em torno da protagonista que se recusava a se contentar com o que seus amantes desejavam para ela? Vale lembrar que Madonna já disse que seu clipe Bad Girl, dirigido por David Fincher é inspirado nesse clássico underground do cinema. 

À Procura de Mr. Goodbar (Looking for Mr. Goodbar / EUa -1977) de Richard Brooks com Diane Keaton, Richard Gere, Tuesday Weld, William Atherton, Tom Berenger e Richard Kiley. ☻☻

segunda-feira, 8 de julho de 2024

PL►Y: Um Dia Nossos Segredos serão Revelados

Kramer e Marlene: quando a solidão encontra a insatisfação.

Maria (Marlene Burow) tem 19 anos namora Johannes (Cedric Eich) e foi morar na casa da família dele. A jovem ainda precisa se acostumar com o ambiente em que passou a viver com seu parceiro, que em vários momentos parece ter parado no tempo. Maria é um tanto insatisfeita com toda aquela realidade, ao ponto de sempre estar alheia à nova família, sempre interessada na leitura de algum livro. Embora seu relacionamento com Johannes seja tranquilo, as coisas começam a esfriar quando ela precisa dividir a atenção dele com uma câmera fotográfica, que se torna a nova paixão do rapaz. O interesse pelas fotos cresceu ainda mais quando ele se deparou com a importância histórica do período em que estão vivendo: a queda do muro de Berlim e a junção da Alemanha Ocidental com a Oriental. Os personagens vistos no filme estavam do lado oriental e as mudanças e dificuldades daquela realidade estão sempre presentes nos diálogos. Não faltam histórias de pessoas que estão em crise com a unificação ou que esperam alguém que foi viver do outro lado, entre elas, a esposa de um vizinho, o quarentão Henner (Felix Kramer), que desde que a esposa foi embora, vive somente com dois cachorros raivosos. Não vai demorar muito para a solidão de Henner e a insatisfação de Maria misturar os dois, dando início a um caso tórrido que pode destruir a vida de ambos, caso o vilarejo descubra o que está acontecendo. Um Dia Nossos Segredos Serão Revelados é baseado no livro de Daniela Krien e a diretora e roteirista Emily Atef segue por caminhos que podem deixar os espectadores tão entediados quanto surpresos em sua adaptação. Obviamente que podemos perceber em Maria uma metáfora com as pessoas que tiveram que conviver com a divisão do muro de Berlim, com a realidade vivenciada de um lado e todas as promessas de que a satisfação estava do outro, no entanto, como alguns dos próprios diálogos do filme refletem, não era bem assim. Deve ter gente que faz até uma analogia da agressividade de Henner nas cenas de sexo com sua nova amante (mas moça não fica intimidada e parece acha-lo mais interessante do que marido que demonstra cada vez mais sensibilidade em seu olhar artístico voltado para a fotografia). Existe muito de Madame Bovary, a clássica personagem do romance de Gustave Flaubert lançado em 1856, sua insatisfação, sua busca pelo romance e a forma como a vida dupla se torna insuportável para ela. Ao menos este filme inverte um dos momentos mais marcantes do desfecho quando toda aquela situação se torna insustentável e o sonho de um romance ideal se desfaz. Vale dizer que os atores estão bem em cena, que a fotografia e as paisagens bucólicas ajudam a passar o tempo e achei muito interessante como a diretora corta as cenas mais tórridas logo no início, demonstrando que seu interesse pelos personagens está em outros aspectos do relacionamento entre eles, seja na inadequação, na solidão ou nas fugas que realizamos. Um Dia Nossos Segredos serão Revelados esteve na mostra competitiva do Festival de Berlim do ano passado e está disponível na Reserva Imovision. 

Um Dia Nosso Segredos Serão Revelados (Alemanha - 2023) de Emily Atef com Marlene Burow, Felix Kramer, Cedrich Eich, Silke Bodenbender, Florian Panzner e Christian Erdmann. ☻☻☻

PL►Y: Sala Samobójców

Jakub: afundando no lado sombrio da internet. 

Em 2020 o polonês Jan Komasa se surpreendeu ao ver seu filme Corpus Christi (2019) ser indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro. O filme de baixo orçamento foi selecionado pela Polônia para concorrer à uma vaga, mas não tinha muito dinheiro para investir na campanha. Quase que por um milagre o filme ficou entre os cinco indicados e alavancou sua carreira internacional. Naquele mesmo ano, o diretor lançou Rede de Ódio pela Netflix e se consolidou como um dos nomes mais interessantes do cinema europeu. Meu entusiasmo com os dois filmes foi tanto que em 2020, eu escolhi Komasa como meu diretor favorito daquele ano, além de eleger Corpus Christi como o melhor filme, o melhor roteiro e com o melhor ator. Enquanto o filme ficava famoso por aqui, muita gente comentava o longa-metragem de estreia do moço, Sala Samobójców (ou Suicide Room como ficou conhecido internacionalmente). A produção foi exibida no Festival de Berlim e já demonstrava o interesse de Komasa por temas bastante atuais e um apreço por abordagens incômodas. Somente agora consegui assistir ao filme e posso dizer que embora não seja tão robustos como os que vieram depois, o filme consegue deixar o espectador bastante apreensivo com uma trama cheia de elementos dignos de polêmica. O filme gira em torno de Dominik (Jakub Dierszal), um adolescente que é visto com estranhamento por seus colegas. Como qualquer pessoa da sua idade, Dominik ainda está se descobrindo e construindo sua identidade. Em uma festa ele é desafiado a beijar um colega e o vídeo viraliza na internet. A forma como ele enfrenta a situação é um tanto ambígua, mas tudo piora consideravelmente quando em um treino com o mesmo colega gera um incidente que o torna ridicularizado na escola. Dominik passa a sofrer cyberbullying e torna-se cada vez mais isolado, ao ponto de se trancar no quarto e não sair mais. É neste ponto que ele entra na sala virtual que dá título ao filme e se torna cada vez mais interessado em sua fundadora, a misteriosa Sylwia (Roma Gasiorowska) que promove discussões perigosas e percebe no rapaz um aliado perfeito para colocar em prática um plano que tem em mente. Resta a Dominik deixar-se levar por sua influência e driblar os pais que passaram a se preocupar com ele por conta de seu comportamento cada vez mais arredio. Sala Samobójców mescla muitas cenas em live action com outras em animação para dar conta da relação dos avatares no ambiente virtual, também utiliza muita tela dividida para ambientar o real e o virtual de seus personagens, o que lhe proporciona um visual diferenciado enquanto produz um drama crescente em tom de suspense. Em vários momentos dá para perceber o nó se formando na trama e em nossa garganta, no entanto, se nas obras seguintes o diretor soube construir muito bem seus personagens, aqui por diversas vezes ele escorrega em caricaturas e clichês. Por mais que o elenco se esforce, o texto (do próprio diretor) deixa os personagens amarrados a estereótipos. Isso serve para todos, já que em determinados momentos ao invés de comover a plateia provocam uma verdadeira irritação, isso drena bastante da energia do filme. Os pais de protagonista (vividos por Agatha Kulesza e Christoph Pieczynski) parecem mais preocupados com a volta para suas rotinas na política do que propriamente ver a recuperação do filho (a forma como lidam com o rapaz é a mesma quando ele revela sua preferência sexual ou quando existem embates com os psiquiatras que tentam ajudar), senti falta daquela cena em que os dois tivessem maior dimensionalidade e parecessem gente de verdade. As relações gélidas e distantes de um esgarçamento do tecido social aparecem novamente de forma mais trabalhada nos outros filmes do diretor já citado aqui, mas o filme demonstra mais ainda um  parentesco com Rede de Ódio, em que uma visão distorcida de mundo ganha território vasto de propagação na internet.  Sala Samobójców chamou tanta atenção quando lançado em seu país de origem, que ficou no topo dos filmes mais vistos na Polônia em suas três primeiras semanas em cartaz.

Sala Samobójców (Polônia - 2011) de Jan Komasa com Jakub Dierszal, Roma Gasiorowska, Agata Kulesza, Christoph Pieczynski, Bartosz Gelner e Piorr Nowak. ☻☻

domingo, 7 de julho de 2024

PL►Y: Rivais

Mike, Zendaya e John: o relacionamento como uma partida de tênis. 
 
Tashi Donaldson (Zendaya) era uma tenista prodígio do circuito universitário, mas um acidente lhe provocou uma lesão no joelho que a afastou das quadras, ou pelo menos, a deixou nos bastidores com treinamento e agenciamento de atletas. Ela se casou com Art Donaldson (Mike Faist), um bom tenista que está em crise de confiança a algum tempo e que tem uma filha com Tashi. Art era parceiro de quadra de Patrick Zweig (Josh O'Connor) desde o início da adolescência e os dois estavam na lista de admiradores de Tashi - e chegaram a disputar a atenção dela com joguinhos de sedução e tudo mais. Rivais poderia ser só mais um filme de amigos disputando uma garota, mas se torna mais do que isso quando a todo instante explora uma tensão sexual entre os dois rapazes, que depois de anos de intimidade, talvez não percebam que são eles quase um casal. Tashi percebe isso desde o primeiro momento que os vê... e sabe que se meter no meio dos dois causará um estrago na vida dos três. É por conta deste estrago que Rivais se desenvolve através das idas e vindas no tempo para contar os pedaços da dinâmica que se instaurou entre os personagens ao longo dos anos, uma dinâmica que tornou Tashi e Art em um casal bem visto no ramo e que deixou Patrick de escanteio sem dinheiro até para pagar a hospedagem na cidade em que disputa um campeonato. Obviamente que Art e Patrick irão se reencontrar nas quadras novamente em lados opostos e, claro, que a presença de Tashi se faz presente no jogo (mesmo com ela sentada na plateia). Rivais é o novo filme de Luca Guadagnino que aqui promove mais uma vez um encontro incandescente entre seus personagens. Para isso ele conta com um roteiro em que os diálogos sempre sugerem algo mais do que é dito e a câmera sempre procura o ângulo mais lascivo para seus personagens, sempre oferecendo destaque para as curvas sutis de Tashi, as coxas de Patrick ou o tórax de Art. Só que, assim como Tashi argumenta que um jogo de tênis é um relacionamento, a vida do trio fora das quadras se torna uma espécie de jogo e parece que é a própria que está manipulando as estratégias rumo à uma vitória que nenhum dos dois sabe ao certo qual será (ou pelo menos até que sejam capazes de subverter o que está armado). O roteiro de estreia de Justin Kuritzkes (o esposo de Celine Song que estreou em Vidas Passadas/2023) lida com o tempo como se fosse uma bola, indo para lá e para cá numa quadra de tênis e revela, a cada momento, um pedaço da história daquele trio que não consegue desatar o nó emocional (e carnal) em que se meteram. Não vale a pena revelar muito mais do que se desenrola durante as duas horas de filme, mas é interessante destacar a desenvoltura do trio principal com o que tem em mãos - todos com personagens bem diferentes do que os vimos anteriormente. Josh ficou mundialmente famoso ao nos fazer repensar a compreensão que temos do Príncipe Charles na quarta temporada de The Crown (2020), Mike Faist roubou a cena como o vilanesco personagem do remake de Amor, Sublime Amor (2021) e Zendaya já é considerada uma estrela há algum tempo. A atriz merece um comentário especial já que gosto muito da forma como explora a personalidade de sua personagem nos tempos distintos em que a trama ocorre. Ela ainda convence como adolescente, mas arrasa mesmo é como a jogadora experiente assombrada por seus rancores. Embora não tenha alcançado o sucesso de bilheteria esperado, Rivais deve figurar em listas de filmes mais relevantes do ano. Para concluir, vale ressaltar que Guadagnino nunca investiu tanto em uma aura pop de uma produção (e nem estou me referindo à boa trilha sonora de Trent Reznor e Atticus Ross), mas não se engane, o filme é tão complexo como seus filmes anteriores.
 
Rivais (Chalengers / EUA - Itália / 2024) de Luca Guadagnino com Zendaya, Mike Faist, Josh O'Connor, A.J. Lister, Connor Aulson e Joan McShane. ☻☻☻

PL►Y: Todo Mundo Ama Jeanne

Lafitte e Blanche: os opostos se atraem. 
 
Difícil imaginar que todo mundo é capaz de amar alguém, mas a francesa Jeanne Mayer (Blanche Gardin) parece chegar bem perto disso quando cria uma estrutura capaz de coletar a quantidade de microplásticos poluidora de oceanos. Seu projeto é saudado com grande alegria pela comunidade científica e a mídia celebra sua invenção com matérias e entrevistas que chegam a considerá-la a mulher do ano, ou melhor, da década. Pena que não demora muito para que toda a adoração em torno da personagem vá por água abaixo, literalmente, quando os cabos de sua descoberta rompem e a máquina afunda diretamente para as profundezas do oceano. Não bastasse ver o investimento de milhares de dólares naufragar, no momento de desespero, ela chega a pular no oceano para salvar sua invenção - um esforço inútil já que a máquina pesa toneladas. Claro que a mídia estava por lá no momento da inauguração do experimento e obviamente que o registro em vídeo do mergulho viraliza na internet e Jeanne vai de celebrada a ridicularizada em um piscar de olhos. Não bastasse ver o projeto de sua vida fracassar, ela ainda perde seus investidores e as dívidas com o projeto a deixam à beira da falência. Eis que para ajudar a lidar com a falência, seu irmão Simon (Maxence Tual) lembra que os dois herdaram um apartamento da mãe em Lisboa - e que ele pode ser vendido para ajudar a pagar as dívidas. De início a protagonista não aprova a ideia, mas a falta de opção a faz ir para Portugal organizar a venda do imóvel. Agora, além de lidar com o fracasso, a personagem terá que lidar com suas lembranças de Portugal, seja o relacionamento com a mãe (que por vezes paira no apartamento como se fosse um fantasma encarnado pela atriz suíça Marthe Keller), um ex-namorado bonitão (Nuno Lopes, que já fez até novela no Brasil) e o reencontro com Jean (Laurent Lafitte) um inconveniente colega de escola que se tornou um trambiqueiro com problemas psiquiátricos. Para dar conta de tantos acontecimentos, a personagem tem a companhia da voz de sua consciência (representada em animação com a voz da diretora Céline Devaux), que revela-se uma companheira cheia de sarcasmo e ironia, que tempera com bom humor os momentos mais complicados da personagem. Todo Mundo Ama Jeanne se ampara no fracasso pessoal e no humor autodepreciativo para decorar uma história que aos poucos se revela uma comédia romântica um tanto diferente. Aos poucos Jeanne vai da mais completa falta de energia para para uma nova perspectiva sob a forma de conduzir a vida, muito por conta da companhia de Jean (não por acaso, os nomes dos dois são parecidos como se fossem faces de uma mesma moeda), que desde que sobreviveu a um surto e uma temporada em uma clínica aprendeu a não levar a vida tão a sério (e Lafitte exala tanto charme na pele do personagem que fica difícil resistir à sua lábia). Todo Mundo Ama Jeanne é o filme de estreia de Céline Devaux como diretora e roteirista, que demonstra bastante frescor na condução da narrativa. Embora o roteiro não aprofunde os temas mais delicados que aparecem na trama (depressão, solidão, suicídio e até especulação imobiliária!), o filme ganha nossa simpatia por conta dos personagens (incluindo a ácida voz da consciência da protagonista que rende boas risadas). O filme está em cartaz na MUBI. 

Todo Mundo Ama Jeanne (Tout le Monde aime Jeanne / França - Portugal /2022) de Céline Devaux com Blanche Gardin, Laurent Lafitte, Nuno Lopes, Maxence Tual e Marthe Keller. ☻☻