Cinco filmes comentados no mês que merecem destaque:
domingo, 30 de junho de 2024
PL►Y: Ferrari
Em tempos em que existem inúmeras cinebiografias que seguem a mesma fórmula de colagem de momentos importantes de um famoso, existem aqueles que costumam temperar as histórias com elementos imaginários e alegorias para fugir da obviedade. Outros preferem escolher um episódio em particular de seu biografado para condensar sua personalidade e dar conta dos caminhos de sua vida. Michael Mann buscou fazer isso em Ferrari, seu filme sobre o homem por trás da famosa marca de automóveis. O homem no caso é Enzo Ferrari, que se arriscou muito para se tornar o proprietário de uma das marcas mais famosas do mundo. No entanto, o recorte escolhido por Mann se concentra em um tempo em que Enzo ainda não era dono de um império, mas era um sujeito que buscava se firmar no competitivo mercado automobilístico. Em 1957 Enzo (vivido or Adam Driver) demonstra sempre o comprometimento com sua marca, sua busca por estratégias para expandir a marca e a proximidade com seus pilotos de corrida. Aqui lança-se o desafio de vender duzentos carros por ano (quando as vendas ficavam bem abaixo disso). Fazia dez anos em que havia fundado a empresa tendo como sócia a esposa, Luiza (Penélope Cruz) e um ano que os dois amargavam a morte do herdeiro. enquanto Luiza se tornava cada vez mais triste, não apenas pelo luto, mas também pelos relacionamentos extraconjugais do esposo. Enzo organizava cada vez mais a vida ao lado de Lina Lardi (Shailene Woodley), com quem tinha um filho, Piero (Giuseppe Festinese). O roteiro (escrito com base em uma parte do livro "Enzo Ferrari: The Man, The Cars, The Races, The Machine") se concentra então nos negócios e neste triângulo amoroso vivido pelo protagonista. Adam Driver está convincente no papel de Enzo, parece realmente ser mais velho do que realmente é, mas é Penélope Cruz que rouba a cena com os rompantes de Luiza. Quando ela está em cena o filme cresce consideravelmente, mas a base do relacionamento dos personagens é tão repetitiva quanto limitada para que possam entregar um pouco mais em cena. Quem sai perdendo é Shailene Woodley, que tem pouco para fazer em cena. Existe algum destaque em cena para os pilotos da Ferrari, que lutavam por ganhar uma corrida perante os carros que ainda precisavam ser melhorados. Entre Patrick Dempsey e Jack O'Connell, está o brasileiro Gabriel Leone como o piloto recém chegado Alfonso de Portago, que recebe status de celebridade enquanto pretende vencer uma corrida. No início parece que Ferrari tem tudo no lugar para funcionar, mas depois de um acidente perto do final da sessão, tive a impressão de que e estrutura do roteiro está desconjuntada - já que termina dando a impressão que o filme termina no meio. Se os desdobramentos do acidente fossem apresentados à plateia, considero que o resultado seria muito mais envolvente do que duas horas que demoram para engrenar. O resultado é que apesar da produção caprichada, o filme foi praticamente ignorado nas premiações. A mistura de negócios e dilemas familiares recebem um desfecho com baixa voltagem que torna o filme pouco memorável.
Ferrari (EUA - Reino Unido - Itália / 2023) de Michael Mann com Adam Driver, Penelope Cruz, Shailene Woodley, Gabriel Leone, Patrick Dempseu, Jack O'Connell, Giuseppe Festinesse, Derek Hill e Giuseppe Bonifati ☻☻☻
segunda-feira, 24 de junho de 2024
Pódio: Christina Ricci
Bronze: A Irmã Maldosa |
3º O Oposto do Sexo (1998) Christina Ricci começou a carreira no cinema aos dez anos de idade e até hoje considera que foi uma boa ideia ter começado tão cedo, já que estava entediada com a vida em casa e na escola. Quando se tornou adolescente, abraçou de vez o gosto por personagens incomuns, tanto que ao viver Dedee Truit neste clássico indie de Don Ross, ela chutou de vez o politicamente correto ao ser uma adolescente grávida que seduz e engana o namorado do irmão (Martin Donovan) para que ele assuma a criança. Pela confusão armada, Ricci foi indicada ao Globo de Ouro, ao Independent Spirit e premiada pelo National Board of Review.
Prata: A Amiga Perigosa. | |
Ouro: A Menina Mórbida |
domingo, 23 de junho de 2024
PL►Y: Buffalo 66
Christina e Vincent: amor ou síndrome de Estocolmo? |
PL►Y: Está tudo bem comigo?
Dakota: uma amiga em crise. |
Lucy (Dakota Johnson) e Jane (Sonoya Mizuno) são melhores amigas faz tempo. As duas estudaram juntas e desde então não se desgrudam. Mas enquanto Jane tem um relacionamento sério com Danny (Jermaine Flower), as emoções de Lucy com Ben (Whitmer Thomas) estão confusas entre o namoro e a amizade. A vida amorosa de ambas funciona como uma espécie de analogia sobre as duas, enquanto uma é segura de si (e por vezes transborda suas intenções a quem está por perto), a outra está sempre hesitante em dar uma oportunidade a si mesma. No entanto, existe algo de confortável nesses polos opostos em que as amigas estão, já que uma acaba dando conforto à outra. O problema é quando Jane recebe a proposta de ir morar em Londres à trabalho por conta de uma promoção e ficar por lá por tempo indeterminado. Se de início Lucy fica feliz pelo reconhecimento conquistado pela amiga, a coisa complica quando ela se dá conta de que sem a companhia da melhor amiga, ela não terá mais ninguém por perto. Acho que se perguntarem para Lucy o que está acontecendo, ela não saberá explicar, mas quem já teve uma pessoa tão próxima capaz de oferecer suporte emocional quando se precisa, esta pessoa irá entender completamente o que se passa. O problema é que Jane não é apenas um suporte, mas uma verdadeira muleta para as emoções mais escondidas de sua amiga. O anúncio do distanciamento faz com que Lucy comece a questionar uma série de coisas em sua vida, isso inclui a sua profissão e também a forma como vivencia seus relacionamentos amorosos. Quando Está Tudo Bem Comigo? (que está disponível no Max) se concentra nestes pontos complicados, o filme funciona muito bem, especialmente no seu início. No entanto, quando resolve abordar a forma como a personagem começa a enfrentar sua homossexualidade o filme decepciona (o affair com a colega de trabalho é uma das coisas mais insossas que já vi em um filme) e fica pelo meio do caminho. O roteiro de Lauren Pomerantz acerta ao apresentar como uma amizade é importante em nossas vidas e o quanto imaginar sua ausência pode ser algo desesperador, acerta quando as duas amigas (com a distância iminente) começam a lavar roupa suja e trazem à tona segredos que não imaginavam, no entanto, quando inventa aprofundar a sexualidade de Lucy o filme demora para se ajeitar. Oque falta de energia na crise romântica de Lucy, sobra em sinceridade nas atuações de Dakota Johnson e Sonoya Mizuno na pele de duas amigas que deixam o desfecho ainda mais autêntico.
Está Tudo Bem Comigo (Am I Ok? / EUA - 2022) de Tig Notaro e Stephanye Allyne com Dakota Johnson, Sonoya Mizuno, Kiersey Klemons, Molly Gordon, Jermaine Flower e Whitmer Thomas. ☻☻
sábado, 22 de junho de 2024
PL►Y: Todos Menos Você
Recentemente a Hollywood Reporter listou os dez nomes mais cobiçados pelos produtores de Hollywood nos dias de hoje, estão lá Austin Butler, Timothée Chalamet, Jacob Elordi, Paul Mescal, Jenna Ortega, Glen Powell, Florence Pugh, Sydney Sweeney, Anya Taylor Joy e Zendaya. Embora eu veja grandes diferenças nas carreiras de cada um (e sinta a ausência de Barry Keoghan que está em cinco produções que devem estrear em breve) é sempre interessante perceber o que colocou cada um deles na lista. No alto dos créditos de Todos Menos Você (que está no catálogo da Max) temos uma amostra do poder de dois deles, Glenn Powell e Sydney Sweeney. Os dois estrelam esta comédia romântica que se tornou a mais falada dos últimos tempos e que demonstra que ambos sabem muito bem quais os botões devem apertar para cair nas graças do público. Reza a lenda que o filme seria lançado diretamente no streaming, mas por insistência de ambos (que enxergavam potencial na trama) estreou primeiro nos cinema. O filme que custou 25 milhões de dólares, rendeu mais de duzentos milhões nos cinemas mundiais e elevou as estrelinhas de ambos entre os produtores. O filme segue direitinho a cartilha das comédias românticas, mas tem a vantagem de temperar seus protagonistas com uma esperteza que falta em muitos filmes do gênero. Bea (Sweeney) e Ben (Powell) se conhecem em uma cafeteria e acabam passando dia e noite juntos, mas logo um mal entendido desmanchará todas as ilusões de romance entre os dois. Tempos depois, eles se reencontram por conta do namoro da irmã de Bea, Halle (Hadley Robinson) com a melhor amiga de Ben, Claudia (Alexandra Shipp) e a convivência entre os dois só se torna mais frequente quando o relacionamento entre as duas se torna cada vez mais sério e... o casamento é inevitável. Bea e Ben estarão hospedados em um hotel na Austrália para a aguardada festa, mas a tensão entre os dois não é apenas perceptível, como também se torna prejudicial, digamos, para a segurança de todos. Se existe uma campanha iminente para que os dois resolvam a pendenga e fiquem juntos, existem também antigos pretendentes de ambos que motivam que Bea e Ben finjam estar acertando os ponteiros. Todo mundo sabe onde o relacionamento de mentirinha entre os dois vai dar, mas a graça está na desenvoltura de Sydney e Glenn nas situações que o roteiro reserva para ambos. A ideia é bobinha como de qualquer comédia romântica, mas funciona por conta dos próprios personagens brincarem com os clichês envolvidos em sua premissa (além de ter aqueles cenários perfeitos para um romance). O melhor é ver Glenn Powell (que estreou no cinema com quinze anos em 2003 com Pequenos Espiões 3 - e fez de tudo desde então) ganhando fama finalmente e Sydney aproveitando ao máximo as pausas nas gravações da série Euphoria (2019-2022) para alçar voos diferentes e mais altos (vocês já assistiram Reality? ela está perfeita). Todos Menos Você não revoluciona a comédia romântica e nem precisa, afinal, sabe que que conseguir fazer a plateia rir enquanto brinca com a busca pelo par perfeito já é o suficiente.
Todos Menos Você (Anyone but You / EUA - 2023) de Will Gluck com Sydney Sweeney, Glenn Powell, Alexandra Shipp, Hadley Robinson, Rachel Griffiths, Dermot Mullroney, Bryan Brown, Darren Barnet e Charlee Fraser. ☻☻☻
PL►Y: A Cor Púrpura
Danielle e Fantasia: quem canta os males espanta? |
Ainda acho difícil comprar a ideia de um remake do clássico A Cor Púrpura (1985). Ainda que o filme seja famoso por conta de suas onze indicações ao Oscar e nenhuma estatueta, o longa dirigido por Steven Spielberg está entre os melhores do cineasta. Se for assistido hoje, provavelmente a emoção acarretada pelo permanecerá a mesma - muito por conta da atuação irrepreensível de Whoopi Goldberg à frente do elenco. Na carência de ideias que assola Hollywood atualmente, inventaram que era uma boa ideia refazer o filme com uma nova roupagem, no caso, do musical levado aos palcos da Broadway a partir de 2005. O filme de Spielberg já trazia bastante musicalidade para a obra de Alice Walker, mas a peça concebida por Brenda Russell, Allee Willis e Stephen Bray, explorava ainda mais a relação dos personagens com a música. Musicais produzidos para o teatro costumam funcionar dentro de uma lógica bastante própria e sua transposição para o cinema já costuma sofrer, aqui a coisa complica ainda mais devido à comparação inevitável com um filme adorado por uma legião fãs por décadas. Colabora muito para o estranhamento ver a dura vida das personagens, mulheres pretas no início do século XX no sul dos Estados Unidos (e toda sua sobreposição de dramas e desafios acarretada porisso) com músicas e cantorias. Existe sim uma proposta clara de empoderamento, mas que soa um tanto deslocada perante a história de Celie, uma menina que desde cedo sofreu um bocado nas mãos do pai. Ela teve dois filhos que foram dados para adoção, para depois ser entregue em casamento com Senhor (Colman Domingo), que estava interessado na irmã de Celie, Nettie (Halle Bailey). Sem perspectivas de uma vida melhor, Celie sofre muito com os insultos e agressões do marido e a coisa piora mais ainda quando Nettie vai para longe. O tempo passa e a realidade de Celie permanece oprimida, recebendo um pouco mais de luminosidade com chegada de Sofia (Danielle Brooks), esposa de seu enteado, e a cantora Shug Avery (Taraji P. Henson), a amante de seu esposo. Não há o que reclamar do elenco, que apresenta atuações sólidas com o material que tem em mãos. O problema é que no formato de musical, o desenvolvimento dos personagens e seuas relações parecem podadas e apressadas. Aqui não existe sugestão de algo mais entre Celie e Shug, a cena da reconciliação entre Shug e o pai aparece do nada e até o arco de Sofia parece mal trabalhado (a sorte é que Danielle Brooks ganha nosso coração desde a primeira cena e nossa torcida eleva ainda mais o trabalho da atriz que foi indicada ao Oscar de coadjuvante). Lembro que diante do original, aquela cena em que Celie sai do domínio do marido abusivo era de tirar o fôlego, aqui, ela acaba se dissolvendo nas cenas seguintes com mais músicas e cantorias. Musical não é meu gênero favorito, mas sei que já fizeram musicais com temáticas bastante complicadas e sensíveis, mas acho que nesta versão de A Cor Púrpura o resultado é meio desconjuntado, impossibilitando que a os temas abordados tenham a profundidade que merecem.
A Cor Púrpura (EUA - 2023) de Blitz Bazawule com Fantasia Barrino, Taraji P. Henson, Danielle Brooks, Colman Domingo, Halle Bailey, Phylicia Pearl Mpassi, Corey Hawkins, Gabriella Wilson, Elizabeth Marvel, Ciara e Louis Gossett Jr. ☻☻
PL►Y: Missão Impossível - Acerto de Contas / Parte 1
Hayley e Tom: A hora da vertigem. |
Depois de fazer quase um bilhão e meio nas bilheterias com Top Gun: Maverick (2022), o astro Tom Cruise ficou ainda mais feliz de ver seu projeto pessoal ser indicado a cinco categorias no Oscar, transcendendo as categorias técnicas (som, montagem e efeitos especiais) e concorrendo também nas categorias de roteiro adaptado (por ser uma continuação do sucesso de 1983) e melhor filme. Além de toda essa aclamação, Cruise foi celebrado por fazer as pessoas perceberem o quanto é diferente assistir um filme na telona com o sonzão do cinema. Tudo isso fez o ator/produtor ficar mais do que otimista com o novo episódio da franquia Missão Impossível que chegou aos cinemas no ano passado, mas que surpreendeu ao decepcionar nas bilheterias. Com orçamento de 291 milhões e rendendo 567 milhões, o filme gerou um prejuízo que deixa todo mundo apreensivo com a Parte 2 que deverá chegar às telas no ano que vem. Sabemos que bilheteria não mede qualidade de filme algum, mas é interessante pensar por que um filme com o orçamento tão inchado (que deve render pelo menos três vezes o seu orçamento para se pagar, render algo aos exibidores e ainda gerar lucro para o estúdio) de um franquia tão famosa tenha naufragado perante os fãs. Recentemente os candidatos a blockbusters de Hollywood sofrem com bilheterias abaixo das esperadas e geram reflexões sobre o que está acontecendo com o público. Há quem acredite que se fossem lançados antes da pandemia (período em que as pessoas se habituaram ainda mais a verem filmes em casa), as grandes produções que floparam teriam uma arrecadação robusta nas salas de exibição. Será? Colocando em perspectiva o sucesso dos dois últimos filmes de Tom Cruise, não sei se a lógica é tão simples. Se lembro que Missão Impossível: Efeito Fallout (2018) está no pódio dos meus filmes favoritos da franquia, e considero que gerou expectativa para o longa seguinte, Acerto de Contas - Parte 1 pode ter pago o preço de ser menos empolgante. Tudo que o anterior tinha de inovador é deixado de lado para repetir uma série de situações que eu tenho a impressão de já ter visto anteriormente na própria franquia, a começar pela premissa que coloca o agente Ethan Hunt (Tom Cruise) atrás de algo que todo mundo quer (uma chave que é dividida em duas partes em formato de cruz que ninguém sabe para que serve, exceto o espectador). Hunt conta com a ajuda de seus parceiros Benji (Simon Pegg), Luther (Ving Rhames) e Ilsa (Rebecca Ferguson) para dar conta de encontrar as duas partes e tirar um desafeto do passado, Gabriel (Esai Morales) do páreo. No entanto, uma ladra (Hayley Atwell) cruza o caminho da missão e torna tudo mais complicado. Este é o ponto de partida para o filme investir em cenas de ação que nos fazem duvidar das leis da física, mas que se esticam mais do que deveriam, deixando o filme com quase três horas de duração e a pergunta se a trama (simples) precisava ser dividida em duas partes. Precisar, não precisava... mas Cruise e Christopher McQuarrie ficaram animados com a ideia de fazer o impossível diante da câmera mais uma vez. Porém, se paira um certo dejá vù na maior parte do tempo, a sequência final no trem descontrolado é de tirar o fôlego de tão vertiginosa, o que deixa um saldo positivo na produção. Acho interessante que McQuarrie aos poucos deu à franquia cinematográfica um formato mais integrado entre os filmes, mas tive a sensação de que a coisa começou a evidenciar as repetições de sua fórmula. Sobre as novidades no elenco, Hayley Atwell e Pom Klementieff demonstram ser aquisições interessantes para o elenco, enquanto Morales não consegue fazer milagres com um vilão que tem sua crueldade sempre ressaltada, mas que não recebe desenvolvimento algum. Sem nuances ou complexidades, Gabriel se torna um dos pontos mais fracos do filme e, por mais que possam dizer que o vilão do filme é outro, um ser de carne e osso para fazer sombra à astúcia de Ethan Hunt faz falta.
Missão Impossível - Acerto de Contas / Parte 1 (Mission Impossible: Dead Rekoning Part One / EUA - 2023) de Christopher McQuarrie com Tom Cruise, Rebeca Ferguson, Hayley Atwell, Ving Rhames, Simon Pegg, Esai Morales, Pom Klementieff, Henry Czerny, Vanessa Kirby, Shea Whigham e Cary Elwes. ☻☻☻
quinta-feira, 20 de junho de 2024
PL►Y: O Mal que nos Habita
No meio da noite no interior da Argentina, dois irmãos ficam intrigados com os tiros que escutam. Pela manhã, descobrem um corpo dilacerado em meio às árvores e descobrem a ligação daquela vítima com uma moradora da vizinhança. Eles chegam então até uma casa em que uma família aguarda a chegada de alguém que irá ajudá-los a lidar com um caso de possessão na família. Uma espécie de exorcista. Diante do que veem, os irmãos resolvem dar conta daquela situação por conta própria com ajuda de um outro vizinho e nada sai como o planejado. Dali em diante, o que acontece é uma espécie de epidemia diabólica, em que os habitantes daquela cidadezinha precisarão lidar com uma sucessão de pessoas possuídas. Enquanto os dois irmãos tentam proteger a família, novos acontecimentos sinistros começam a acontecer na narrativa caótica encadeada pelo diretor argentino Demián Rugna. Pela forma desesperada com que a história é contada, O Mal que Nos Habita se tornou um dos filmes de terror mais falados do ano passado, caindo nas graças não apenas dos fãs do gênero. O filme capricha no tom sinistro dos acontecimentos e não tem medo de extrapolar nas cenas grotescas, o que fica entre o nojo e o estranhamento da plateia que não sabe muito bem o que esperar do que se vê na tela. Embora em determinado momento uma personagem cite algumas regras que deveriam ser respeitadas pelos personagens, só temos mais certeza que estamos diante de um trem descarrilhado. Para além dos elementos narrativos, é preciso elogiar a produção pela forma como dribla o orçamento modesto para construir um olhar assustador sobre um universo bastante particular dentro do gênero. Particularmente gosto mais quando o filme investe na atmosfera carregada que paira sobre os personagens do que na histeria que toma conta dos atores em vários momentos, no entanto, foi um grande acerto escolher a dupla Ezequiel Rodríguez e Demián Salomón para dar vida aos irmãos Pedro e Jimmy, que precisam endossar a autenticidade caótica proposta pelo roteiro. Entre as dúvidas e desafios dos manos, a religiosidade se faz menos presente do que a ausência de fé, algo que funciona a favor do filme ao ressaltar o tom de desesperança de seus protagonistas. O curioso é verificar as fontes de inspiração do cineasta para construção de sua história. Em entrevistas, ele citou ter se inspirado em uma notícia em que moradores de regiões de plantação na Argentina começaram a apresentar problemas graves de saúde relacionados ao uso de um pesticida que provoca câncer. Rugna teve a ideia de trocar a doença por um demônio, além de imaginar o que os moradores locais fariam enquanto não chega um exorcista para dar conta da situação. Com cenas brutas e estética de pesadelo, O Mal que nos Habita está disponível na Netflix e se destaca pela total ausência de concessões em sua narrativa, o que o torna pouco recomendável para os mais sensíveis.
O Mal que Nos Habita (Cuando acecha la maldad / Argentina - EUA / 2023) de Demián Rugna com Ezequiel Rodríguez, Demián Salomón, Silvina Sabater, Marcelo Michinaux, Federico Liss, Virginia Garofalo e Emilio Vodanovich. ☻☻☻
4EVER: Donald Sutherland
Donald Edward McNichol Sutherland nasceu na cidade de Saint John, New Brunswick (Canadá). Aos 17 anos resolveu ser ator e começou a fazer parte de um grupo de teatro de Toronto. Em 1957 foi estudar na Academia de Londres de Música e Artes Cênicas Inglaterra. No início dos anos 1960 começou a trabalhar em séries de TV e os primeiros papéis de destaque no cinema vieram em filmes de terror como O Castelo dos Mortos Vivos (1964) e As Profecias do Dr. Terror (1965). Ao longo da carreira participou de quase duzentas produções de diversos gêneros, incluindo produções premiadas como M*A*S*H (1970), Klute (1971), Gente como A Gente (1980), JFK (1991), Cold Mountain (2003) e Orgulho e Preconceito (2005). Donald Sutherland foi premiado duas vezes com o Globo de Ouro (e indicado outras sete vezes, a última pela minissérie The Undoing/2021) e ganhou um EMMY pelo telefilme Cidadão X (1995). Sem indicações ao Oscar no currículo, a Academia lhe concedeu um Oscar honorário em 2018 após ignorar seu trabalho em Ella & John (2017). O ator faleceu em decorrência de uma doença não divulgada.
terça-feira, 18 de junho de 2024
4EVER: Anouk Aimée
Françoise Judith Soraya Dreyfus nasceu em Paris em uma família de atores. Sua estreia como atriz aconteceu quando tinha 14 anos no filme La Maison sous La Mer (1947) de Henri Calef. Por conta do filme, resolveu adotar o nome da personagem, Anouk, para o resto de sua carreira. Já o sobrenome, Aimée, foi sugerido pelo roteirista Jacques Prévert após seu trabalho no longa La Fleur de l'âge. Anouk se tornou uma das atrizes mais celebradas do cinema europeu, atuando em clássicos de cineastas renomados como Fellini, Vittorio de Sica, Claude Lelouch, Goerge Cukor e Jacques Demy. Famosa por seu talento, beleza e elegância, Aimée recebeu o Globo de Ouro de Melhor atriz no Festival de Cannes por Salto nel Vuolto (1980) de Marco Bellocchio e prêmios pelo conjunto da carreira no César (2002) e no Festival de Berlim (2003). Em 1967 a atriz foi indicada ao Oscar de Melhor Atriz por seu trabalho no filme Um Homem e Uma Mulher (1966) de Claude Lelouch, o filme recebeu os Oscars de roteiro original e melhor filme estrangeiro em 1967. Pela performance, a atriz recebeu o Globo de Ouro de Melhor atriz naquele ano.
segunda-feira, 17 de junho de 2024
4EVER: Jacqueline Laurence
Jacqueline Juliette Laurence nasceu na cidade de Marselha, na França, e veio para o Brasil na adolescência para acompanhar o pai jornalista. Entre 1955 e 1957 integrou a Fundação Brasileira de Teatro, ingressando posteriormente no Tablado. Ela estreou na televisão na Rede Globo com Uma Rosa com Amor (1972), depois participou de clássicos da teledramaturgia como Dancin' Days (1978), Água Viva (1980), Guerra dos Sexos (1983) e Top Model (1989). Embora tenha feito a maior parte de seus trabalhos na Globo, a atriz também participou de produções na extinta Rede Manchete (Dona Beija/1986), TV Cultura (Confissões de Adolescente/1994) e Record (Ribeirão do Tempo/2010). Seu último trabalho na televisão foi na novela Salve-se Quem Puder (2020). A atriz também apareceu em mais de uma dezena de produções cinematográficas, entre elas Menino do Rio (1982) de Antônio Calmon, Veja Esta Canção (1994) de Cacá Dieques e Polaróides Urbanas (2008) de Miguel Fallabella. Jacqueline Laurence também era famosa por seus trabalhos de atuação e direção no teatro, pelo qual recebeu os prêmios Moliére e Mambembe em diversas ocasiões. A atriz faleceu em decorrência de uma parada cardíaca.
quinta-feira, 13 de junho de 2024
CICLO DIVERSIDADESXL: Paris is Burning
Para finalizar o Ciclo DiversidadeSXL desse ano, escolhi um filme que é um verdadeiro marco temporal. Assistir ao documentário Paris is Burning tem o efeito de uma viagem no tempo diferente, uma que te leva para um lugar que existia mas que era desconhecido da maioria das pessoas. O filme de estreia de Jeanne Livingston retrata o universo vibrante dos Ballrooms da Nova York oitentista. Frequentados sobretudo por drag queens, mulheres trans, gays afro-americanos e latinos. Os eventos eram competições acirradas de estilo, desfiles, batalhas de vogue e disputas em categorias diversas como Town and Country ou Butch Queen. O registro ressalta a importância dos Ballrooms para a construção da identidade de uma comunidade cansada de lidar com a exclusão e o preconceito. Naquele universo eles poderiam ser o que quisessem sem as limitações dos anos 1980, beldades trans poderiam ser divas das revistas de moda ou do cinema, jovens latinos poderiam ser executivos de terno indo trabalhar em Wall Street (e os figurinos do clipe Vogue da Madonna fizeram um novo sentido após perceber isso com o filme), a dura realidade de privações eram esquecidas naqueles momentos. É verdade que existiam discussões terríveis durante as competições e o filme mergulha em interpretações sobre essa necessidade de autoafirmação junto com expressões que são usadas até hoje dentro do universo LGBTQIAPN+. O documentário nos apresenta figuras icônicas destes locais e explica o que era ser membro de casas famosas como Labeija, Pendavis e Extravaganza que se tornavam sobrenomes para quem fosse vencedor nas competições (uma ostentação talvez ainda maior do que os troféus recebidos). No entanto, o trabalho de Jeanne Livingston não deixa de abordar o lado menos festivo da realidade de pessoas rejeitadas por suas famílias e a necessidade de estabelecer novos laços entre seus pares. Aparecem sonhos de luxo e estrelato em oposição à uma realidade marcada por discriminação, poucas oportunidades e violência. Embora a cultura dos Ballrooms hoje seja mais conhecida, afinal serviu de inspiração para série Pose, para RuPaul's Drag Race e até Madonna resgatou essa origem na apresentação da música Vogue durante sua Celebration Tour (aquele momento que contou com participação da Anitta em Copacabana), o filme demonstra como a descoberta do que era uma cultura underground de Nova York rendeu curiosidade da mídia. Falando em Vogue, a percepção que tenho das coreografias mudou completamente depois de ver o filme explica-las como se estivéssemos diante de uma verdadeira luta de ninjas. Disponível na MUBI, Paris is Burning ainda pode ser visto como uma verdadeira celebração, mas também como um registro histórico de um grupo de pessoas dispostas a construir uma realidade paralela em que se tornavam verdadeiras estrelas orgulhosas de não ter vergonha do que se é.
Paris is Burning (EUA - Reino Unido / 1990) de Jennie Livingston com Brooke Xtravaganza, André Christian, Dorian Corey, Paris Duprée, Pepper LaBeija, Willi Ninja, Octavia St. Laurent, Sol Pendavis e Freddie Pendavis. ☻☻☻☻☻
quarta-feira, 12 de junho de 2024
CICLO DIVERSIDADESXL: Blue Jean
Jean (Rosy McEwen) é uma professora de Educação Física de uma escola inglesa para adolescentes. Sua vida profissional é aparentemente sem problemas, mas a vida pessoal passou por atribulações com um divórcio recente e um relacionamento cada vez mais distante com a família. O único lugar em que Jean pode ser ela mesma é no bar que costuma frequentar com a namorada, Viv (Kerrie Hayes) e algumas amigas. Jean é lésbica e ainda precisa lidar com o desconforto que as pessoas demonstram ao descobrir sua homossexualidade. Vale lembrar que o filme é ambientado no cenário bastante conservador de 1988, em que direitos dos homossexuais estava em pauta na mídia britânica e rendia discussões acaloradas que se refletiam em toda sociedade, incluindo nas escolas. Diante da postura de alguns colegas de trabalho, Jean fica ainda mais preocupada com a ideia de um dia descobrirem que se relaciona com outras mulheres, ao ponto de temer nunca mais conseguir trabalhar na região. A forma discreta com que Jean consegue lidar com sua sexualidade e separá-la da vida profissional irá passar por um teste árduo com a chegada de uma nova aluna, Lois (Luccy Halliday), que passa a integrar o time que ela treina para a escola. Lois é sempre perseguida pelas outras colegas, por vezes gerando atos de violência. No dia em que Lois passa a frequentar o mesmo bar que Jean e suas amigas, a professora entra em crise ao imaginar o que pode acontecer depois, logo em seguida se vê diante um dilema que acarretará consequências para ambas. Blue Jean é o filme de estreia da britânica Georgia Oakley que foi indicada ao BAFTA de revelação britânica pelo trabalho e, de fato, realiza algo notável na forma como seu filme se torna cada vez mais complexo perante a postura da professora e do mundo perante sua sexualidade. O roteiro junto ao bom trabalho da atriz Rosy McEwen tem como maior objetivo tornar difícil julgar a postura da personagem, uma vez que suas atitudes são sempre pautadas pelas implicações que podem ser geradas, mas por outro lado, geram ações bastante questionáveis. Desde que Lois atravessa a divisória da realidade traçada por Jean, o filme só cresce em tensão e passa a pontuar questões que talvez a professora negasse pensar durante muito tempo. Um dos pontos mais importantes é ressaltado por Viv em uma das conversas mais tristes que já vi em um filme, mas que é realizado com bastante sutileza pela diretora. O mesmo pode se dizer sobre as cenas de Jean na casa da irmã, local que parece um mundo tão orquestrado que beira o incômodo, mas que também serve de cenário para o momento mais libertador da personagem. Blue Jean é um filme que faz pensar sobre as implicações do preconceito introjetadas na personalidade dos sujeitos que precisam fingir ser outras pessoas como um verdadeiro mecanismo de defesa e sobrevivência. Ao término do filme eu apenas imaginei como a protagonista estaria vivendo hoje.
Blue Jean (Reino Unido - 2022) de Georgia Oakley, com Rosy McEwen, Kerrie Hayes, Lucy Halliday, Lydia Page, Becky Lindsay, Laynei Shaw e Amy Booth-Steel. ☻☻☻☻
terça-feira, 11 de junho de 2024
CICLO DIVERSIDADESXL: O Outro Lado da Cidade Proibida
Si Han: perseguição ao desejo proibido. |
segunda-feira, 10 de junho de 2024
CICLO DIVERSIDADESXL: Orlando, A Mulher Imortal
domingo, 9 de junho de 2024
CICLO DIVERSIDADESXL: A Vida sem Você
sábado, 8 de junho de 2024
CICLO DIVERSIDADESXL: Querelle
Ver filmes apontados como referências de determinado gênero é sempre uma experiência complicada. Afinal, você precisa lidar com as expectativas de tudo que ouviu falar sobre ele através de vários anos, talvez décadas. Disponibilizado recentemente na MUBI, Querelle é um daqueles filmes sempre apontados como um marco referencial de uma estética cinematográfica queer. Obviamente que existe aqui um diferencial de peso, afinal, não se trata de uma obra feita por um diretor novato que ainda buscava encontrar seu público, mas um diretor consagrado. O alemão Rainer Werner Fassbinder se tornou um dos grandes nomes do cinema alemão e acabava de concluir sua trilogia sobre o período mais sombrio da história da Alemanha quando se aventurou pelo universo de Jean Genet (1910-1986). O livro Querelle de Brest foi publicado em 1947 e trazia a marca da homossexualidade das obras do escritor. Fassbinder já era famoso por se envolver com seus atores e atrizes, tendo começado a construir uma estética queer com As Lágrimas Amargas de Petra Von Kant /1972 (que recentemente recebeu uma versão chamada Peter Von Kant/2022 de François Ozon, outro diretor de marca queer bastante evidente). Dez anos após voltar sua lente pessimista sobre a atração entre duas mulheres, o diretor volta-se agora para homens atraídos por outros homens. Querelle (Brad Davis) é um marinheiro francês que é cercado de homens que o desejam. Ele chega no porto de Brest e reencontra o irmão (Hanno Pöschl), que agora vive em um bordel com sua amante cafetina, Lysiane (Jeane Moreau). Não espere uma trama de romances, o filme utiliza o que tem em mãos para contar uma série de relações de poder, violência e abuso entre os personagens que gravitam em torno do protagonista. Existe uma sensação de desejos e amores sufocados prestes a explodir em sua relação com as ações dos personagens e os diálogos crus e agressivos. Basta ver a cena do reencontro entre os dois irmãos, em que o abraço se intercala com socos abaixo da costela. Não espere sutilezas. As frases estão lá para serem cortantes e, vistas hoje, podem provocar risos, mas na época geraram bastante polêmica pela naturalidade como abordava sua temática sexual. A estética de Querelle é por sua vez bastante onírica, marcada por um tempo indefinido, anacrônico, com o por do sol permanente em oposição aos momentos noturnos. Existe uma atmosfera de sonho e fantasia com muita inspiração nos cenários e movimentações teatrais sobre um palco. Ali se misturam vários elementos que podemos identificar hoje como fetiches, os corpos suados, couro, policiais, marinheiros, homens brutos que mais parecem disfarces para os desejos que devem sempre ser contidos ou vivenciados em tom de indiferença. Esse processo de construção da narrativa me soa bem mais interessante do que a trama em si, que em determinado momento cede espaço para uma investigação policial. Acho que a intenção de Fassbinder era essa mesmo. Querelle se tornou o último filme do diretor - e também foi o mais controverso de sua carreira, muito por conta do conteúdo sexual sem disfarces. Há quem aponte que seria um marco da nova fase da carreira do cineasta, sua carreira pontuada por filmes tão alegóricos quanto secos chegou ao fim por conta de uma overdose em junho de 1982, três meses antes do lançamento de Querelle.
Querelle (Alemanha Ocidental / França - 1982) de Rainer Werner Fassbinder com Brad Davis, Franco Nero, Janne Moureau, Laurent Male, Günther Kauffman, Roger Fritz, Burkhard Driest e Dieter Schidor. ☻☻☻
quarta-feira, 5 de junho de 2024
NªTV: Eric.
Eric e Benedict: projetando os demônios interiores. |
PL►Y: Godzilla Minus One
Gojira: monstrão de respeito. |
Pode parecer coincidência ou ironia, ou talvez seja proposital que em tempos em que se reclama muito sobre os efeitos especiais dos filmes americanos, o ganhador do Oscar de melhores efeitos especiais seja uma produção japonesa. Na concorrência estava o aguardado Napoleão de Ridley Scott, o último filme da franquia Missão Impossível, o sucesso Guardiões da Galáxia3 e a surpresa Resistência. Quem levou foi Godzilla Minus One, o primeiro filme do monstrão com mais de setenta anos a levar um Oscar para casa e, também, o primeiro de língua não inglesa a levar a estatueta para casa. Foram necessários mais de quarenta filmes para que esta aclamação acontecesse e muito se deve ao diretor Takashi Hiamazaki, um verdadeiro craque dos efeitos. O trabalho da equipe é realmente notável devido ao realismo impresso nas cenas, não apenas em que o monstrengo aparece, mas também na completa devastação promovida por ele. No entanto, o que chama bastante atenção no filme é a forma como leva a a sério a história que tem para contar em torno do seu protagonista. O filme começa ao final da Segunda Guerra Mundial, quando somos apresentados ao piloto kamikaze Kōichi Shikishima (Ryunosuke Kamiki), que estava ao lado de engenheiros da aviação japonesa na Ilha Odo quando o gigantesco monstro aparece para dizimar quem estiver pela frente. Kōichi acaba sobrevivendo ao ataque e voltando para uma Tóquio devastada pela guerra. Lá encontra alguns sobreviventes, com quem acaba formando uma família com integrantes que perderam seus parentes durante a guerra. Quando a vida parece entrar nos eixos por lá, o Godzilla aparece maior e mais forte e disposto a eliminar quem perturbou seu sono nas profundezas do oceano. Assim, Kōichi precisa enfrentar os medos que sempre o fizeram permanecer em guerra consigo mesmo e impossibilitado de seguir em frente. Com este ponto de partida, o filme retoma a origem do monstro, sem perder de vista o terror e o fascínio que provoca com base na história do próprio Japão, que precisou se reerguer das cinzas após ser destroçado pela Guerra. Mais do que a devastação provocada pelo monstro (em cenas impressionantes) o filme se mantém de pé por conta da jornada do seu protagonista para se tornar um verdadeiro herói. Godzilla Minus One é um filme com maior jeito de matinê, não cai na armadilha de se complicar e acerta ao fazer o que os fãs de um dos maiores monstros do cinema querem assistir no cinema. A vantagem aqui é que o monstro aparece dentro de seu contexto de forma avassaladora (bem diferente do que vemos nas produções de Hollywood em torno dele), reflete temores históricos e promove uma catarse de forma contundente. Embora o filme tenha surpreendido nas bilheterias mundiais (só nos Estados Unidos foi o filme estrangeiro mais visto na história), basta assisti-lo para entender o que motivou tanto sucesso. Enquanto Hollywood torra o que este fez de bilheteria em filmes que flopam perante o público, Godzilla Minus One custou dez milhões de dólares e rendeu mais de dez vezes isso só nos EUA. O Oscar de melhores efeitos especiais soa como um sinal para rever conceitos. O filme entrou recentemente no catálogo da Netflix.
Godzilla Minus One (Gojira -1 / Japão - 2023) de Takashi Hiamazaki com Ryunosuke Kamiki, Minami Hamabe, Sakura Andô, Kuranosuke Sasaki e Munetaka Aoki. ☻☻☻