quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

FILMED+: Guerra Fria

Joann e Thomas: história de amor e música. 

Todo mundo já imaginava que Guerra Fria estaria indicado ao Oscar de filme estrangeiro (e se não houvesse um favoritismo tão grande ao redor de Roma, provavelmente ele seria o premiado na categoria). A surpresa mesmo ficou por conta da indicação do cineasta  Pawel Pawlikowski na categoria de melhor diretor, deixando para traz nomes cotados como Barry Jenkins e Damien Chazelle - que tiveram seus filmes indicados em pouquíssimas categorias. Pawel já é conhecido da Academia desde que Ida (2013), seu quinto longa metragem, foi premiado com o Oscar de filme estrangeiro. Pawel já fez dois filmes em língua inglesa (Meu Amor de Verão/2004 e Estranha Obsessão/2011), mas é quando filma em seu país que suas histórias crescem e se tornam ainda mais atraentes. Assim como em Ida ele mistura a história do seu país com a trajetória pessoal dos personagens - envolvidos por uma belíssima fotografia em preto e branco (assim como ocorreu com Ida, Guerra Fria também nesta categoria). O cineasta agora nos conta  a história de amor entre um músico experiente e uma jovem cantora que se conhecem na Polônia nos anos 1950. Ele se chama  Wiktor (Tomasz Kot) e, no início, viaja pelo país em busca de vozes para participarem de um coral de música regional. Ao lado da parceira, Irena (Agata Kulesza), ele descobre talentos em vilarejos afastados castigados pelo frio e os leva a participar de um grupo que chama bastante atenção na época. Entre suas descobertas, Zula (a excelente Joanna Kulig) é a sua favorita. Desde a cena em que se conhecem somos capazes de sentir a química entre os dois. No entanto, basta o grupo chamar atenção de líderes políticos que a vida de Wiktor e Zula tomam novos rumos. O roteiro sobrepões as idas e vindas do casal com o clima tenso existente entre os países europeus na época do pós-guerra e, por mais que as decisões deles estivessem relacionadas aos sentimentos que um nutria pelo outro, o trânsito entre fronteiras era mal visto. Guerra Fria conta sua história de amor de forma episódica em uma cadência perfeita, com recortes precisos sobre os acontecimentos em torno do casal. Nesta construção a música emerge como um elemento fundamental na construção das cenas e das emoções do casal. A câmera de Pawel sabe onde exatamente ficar e qual movimento utilizar para tornar tudo ainda mais belo e interessante.  Existem aqui imagens e sons que ficarão em sua mente por muito tempo! Colabora muito para isto, os trabalhos sólidos de Thomas Kot (que parece um galã vindo diretamente dos anos 1950 com o uso magnífico da luz em cada enquadramento) e Joanna Kulig (que dá conta do amadurecimento da personagem de forma impressionante). Particularmente eu não gostei do final, mas, ainda assim, Guerra Fria é um dos filmes mais bonitos que assisti nos últimos anos e a trilha sonora não sai da minha cabeça. Simplesmente hipnótico. 

Guerra Fria (Zimna Wojna / Polônia - França - Reino Unido / 2018) de Pawel Pawlikowski com Thomas Kot, Joann Kulig, Cédric Kahn, Jeanne Balibar e Agata Kulesza ☻☻☻☻☻

Na Tela: Infiltrado na Klan

Adam e John: missão complicada. 

O cineasta Spike Lee chamou atenção do Oscar em 1989 quando lançou  Faça a Coisa Certa. O filme conjugava frescor e urgência e caiu nas graças da Academia, indicando Lee na categoria de Melhor Roteiro Original e o ator Danny Aielo como ator coadjuvante. Apesar da indicação, a Academia colocou os olhos novamente no cineasta somente em 1992 com o polêmico Malcolm X, indicando Denzel Washington pelo desempenho memorável como o protagonista. O filme ainda concorreu ao prêmio de melhor figurino e deixou Lee fora das indicações. O cineasta foi indicado novamente somente em 1998 pelo documentário 4 Little Girls e com o tempo suas obras ficaram mais diversas, intercalando temáticas mais politizadas e outras de puro entretenimento (como o sucesso O Plano Perfeito/2006). Lee acabou recebendo um Oscar honorário em 2016, o que torna ainda mais interessante que três anos depois ele apareça novamente na festa com um filme de sucesso (rendeu mais de cinco vezes o seu orçamento ao redor do mundo) indicado em seis categorias (filme, diretor, ator coadjuvante/Adam Driver, roteiro adaptado, trilha sonora e montagem). O filme é baseado em uma inusitada história real ocorrida nos anos 1970, quando o primeiro policial negro de Colorado Springs começa a investigar a Ku Kux Klan. A investigação começa meio que por acaso e ele precisa da colaboração de um colega de trabalho para que o trabalho prossiga, afinal, ele precisa de alguém para se passar por ele no assustador grupo pregador da supremacia branca. O filme segue esta investigação que tinha tudo para dar errado, a começar pelo próprio departamento de polícia que não acreditava muito no que a investigação perseguia e, em algumas cenas, parece até que existia a intenção de sabotar o trabalho da dupla. John David Washington (filho do Denzel) consegue ser bastante carismático na pele do detetive Ron Stallworth, transmitindo a sensação de peixe fora d'água no trabalho - a começar pelo incômodo inevitável em sua primeira missão de investigar um grupo de universitários militantes negros, lá ele conhece Patrice Dumas (Laura Harrier) e tudo fica ainda mais confuso entre suas convicções e obrigações. Lee consegue extrair o que pode haver de cômico e dramático nesta história, conseguindo um equilíbrio impressionante nos dois pólos em que o filme se equilibra. No entanto, foi Adam Driver que conseguiu uma indicação ao Oscar por viver o parceiro de Ron, Flip Zimmerman, que desperta a suspeita de alguns, a simpatia de outros e cabe ao ator injetar credibilidade a uma missão complicada (especialmente porque Flip precisa dar conta de seus próprios conflitos). Ainda que algumas cenas estejam sobrando e o filme seja desnecessariamente palavroso em alguns momentos (o que lhe rende longas duas horas e quatorze minutos de duração), Infiltrado na Klan cria uma tensão crescente que funciona muito bem. O visual colorido e estilos também ajuda a manter o interesse o visual do filme - além do inevitável contraste da inteligência de alguns personagens com a mentalidade estreita de outros.

Infiltrado na Klan (BlacKkKlansman/EUA-2018) de Spike Lee com John David Washington, Adam Driver, Laura Harrier, Alec Baldwin, Robert John Burke, Topher Grace e Michael Buscemi. ☻☻☻☻

segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

INDICADOS AO OSCAR 2019: Atriz Coadjuvante

Amy Adams (Vice) Pelo papel de esposa de Dick Cheney  ex-vice presidente dos Estados Unidos, Amy conseguiu sua sexta indicação ao Oscar. Ela já foi indicada a atriz coadjuvante por Retratos de Família (2005), Dúvida (2008),  O Vencedor (2010) e O Mestre (2012). No páreo de melhor atriz ela só apareceu uma vez por sua sensual personagem em Trapaça (2013) onde trabalhou pela primeira vez com Christian Bale. Em Vice ela volta a trabalhar com o ator galês e, pela sua química irrresistível ao lado dele, pode até surpreender e levar seu primeiro Oscar para a casa. Será?

Emma Stone (A Favorita) O rostinho de boa moça da atriz caiu como uma luva em Abigail, a personagem de Emma neste seu primeiro trabalho com o diretor grego Yorgos Lanthimos. Ela até consegue nos enganar no início, mas aos poucos, Abigail mostra-se capaz de tudo para se tornar a companhia favorita da Rainha Anne. Emma confirma que aquela maldição do Oscar não passou nem perto de sua carreira. Premiada com a estatueta de melhor atriz por La La Land (2017), a estrela já foi indicada anteriormente ao Oscar de coadjuvante por Birdman (2014) e ninguém se surpreenderia se ela fosse premiada novamente por seu trabalho bem diferente do que estamos habituados a vê-la. 

Marina de Tavira (Roma) Uma das grandes surpresas das indicações ao Oscar foi ver a mãe do filme de Alfonso Cuarón entre as indicadas. Sem aparecer em nenhuma rede de apostas, a atriz mexicana cravou sua primeira indicação ao Oscar, desbancando favoritas como Claire Foy, Margot Robbie e Nicole Kidman. O feito inacreditável a transformou na zebra da noite, mas nada que desmereça o seu trabalho neste filme que pode surpreender ainda mais na noite do dia 24 de fevereiro. Marina começou seus trabalhos na TV mexicana no final dos anos 1990 e já participou de treze filmes (entre eles o interessante Zona do Crime/2007) antes desta consagração. 

Rachel Weisz (A Favorita) Embora tenha realizado ótimos trabalhos em filmes interessantes, faz tempo que esta atriz inglesa não é lembrada pela Academia. Weisz já tem um Oscar de coadjuvante na estante por seu trabalho em O Jardineiro Fiel (2005) do diretor brasileiro Fernando Meirelles - que foi sua primeira indicação. Agora ela volta à premiação como a gélida Lady Sarah, uma ardilosa articuladora política que se aproveita de sua proximidade com a Rainha Anne da Grã Bretanha. Entre o cômico, o dramático e o trágico, Rachel está ótima em cena em seu segundo trabalho com o provocador diretor grego Yorgos Lanthimos. 

Regina King (Se A Rua Beale Falasse) Favorita na categoria, Regina já levou para casa o Globo de Ouro e o Critic's Choice pelo seu trabalho como a mãe da protagonista que precisa provar a inocência do esposo. Dificilmente Regina não levará o prêmio para casa, o que será um grande reconhecimento pelo grande trabalho desta atriz que não foi indicada anteriormente por nenhum dos seus papéis. A vez em que ela chegou mais perto foi pelo papel da backing vocal Margie Hendricks em Ray (2004). Famosa por seus trabalhos na televisão, Regina tem tudo para se destacar ainda mais em Hollywood. 


A ESQUECIDA: CLAIRE FOY (O Primeiro Homem) Foi uma espécie de susto ver que a atriz não estava entre as indicadas ao Oscar deste ano. Diante de todos os elogios recebidos desde que o filme estreou, somado às indicações ao Globo de Ouro e Critic's Choice, a indicação da atriz da série The Crown era tida como certa! Não foi. Pelo papel da esposa do astronauta que se tornou o primeiro a colocar os pés na lua, Claire consegue transmitir as angústias muitas vezes somente com um olhar. Seja como for, a interpretação como Janet Armstrong carimba de vez seu visto para o cinema.

Premiados SAG Awards - 2019

O Cast de Pantera Negra no SAG: reconhecimento merecido. 

O Screen Actors Guild Awads o SAG foi entregue ontem em Los Angeles e o que podemos perceber no prêmio do Sindicato de Atores é que Glenn Close e Mahershala Ali são mesmo os favoritos ao Oscar da temporada nas categorias de Melhor Atriz e Melhor Ator Coadjuvante. Entendemos que Rami Malek é ainda o maior obstáculo para o favoritismo de Christian Bale, além de ver Emily Blunt ser finalmente reconhecida por seu ótimo trabalho em Um Lugar Silencioso (que estava fora do radar das principais premiações do ano). É verdade que a consagração foi meio torta, porque Blunt não é coadjuvante, mas só de vê-la subir ao palco eu já fiquei feliz. Emily não tem chances no Oscar (ela nem foi indicada, permanecendo ignorada em toda a sua carreira pela Academia) e deixa o favoritismo ainda para Regina King (Se A Rua Beale Falasse) que o SAG nem indicou (preferindo até  Margot Robbie por Duas Rainhas). Mas o prêmio mais bonito de ver ontem foi Pantera Negra levando de melhor elenco e, mesmo com bons concorrentes, foi bastante justo. Pena que Chadwick Boseman ficou tão desconcertado que foi difícil fazer um discurso à altura. Nos prêmios televisivos, eu não sabia que This Is Us ainda estava com fôlego para ganhar como melhor elenco e as surpresas ficaram por conta dos atores Tony Shalhoub e Jason Bateman, que não eram favoritos em suas categorias e levaram o SAG para casa. Enfim, seguem os ganhadores em todas as categorias de cinema e televisão: 

CINEMA
MELHOR ELENCO

MELHOR ATOR 

MELHOR ATRIZ

MELHOR ATOR COADJUVANTE

MELHOR ATRIZ COADJUVANTE

This is Us: fôlego surpreendente para a terceira temporada. 

TELEVISÃO
MELHOR ELENCO - DRAMA
This Is Us

MELHOR ELENCO - COMÉDIA
The Marvelous Mrs. Maisel

MELHOR ATOR - DRAMA
Jason Bateman (Ozark)

MELHOR ATRIZ - DRAMA
Sandra Oh (Killing Eve)

MELHOR ATOR - COMÉDIA
Tony Shalhoub (The Marvelous Mrs. Maisel)

MELHOR ATRIZ - COMÉDIA
Rachel Brosnahan (The Marvelous Mrs. Maisel)

MELHOR ATOR - SÉRIE LIMITADA
Darren Criss (The Assassination of Gianni Versace: American Crime Story)

MELHOR ATRIZ - SÉRIE LIMITADA
Patricia Arquette (Escape at Dannemora)

MELHOR ELENCO DE DUBLÊS - COMÉDIA OU DRAMA

sábado, 26 de janeiro de 2019

Ladies and Gentlemen: Olivia Colman

Sarah Caroline Olivia Colman
Ela pode não se encaixar nos padrões de beleza de Hollywood e também dificilmente será escolhida para ser aquela personagem sexy que enlouquece o protagonista sedutor. No entanto, Olivia Colman tem a versalidade necessária para ser uma das atrizes mais requisitadas dos próximos anos. Nascida em Norfolk na Inglaterra de 1974, Sarah Caroline Olivia Colman é casada com o também ator Ed Sinclair, com quem tem três filhos. Após alguns trabalhos no teatro, Olivia ficou conhecia por seus trabalhos na televisão, tendo sua estréia no programa de esquetes Bruises (2001), em que também escrevia os roteiros. A atriz estreou no cinema com Zemanovaland (2005), comédia sobre um personagem obsessivo compulsivo. O filme não fez o sucesso esperado, mas a televisão britânica continuou sendo um porto seguro para ela. Em 2006 aceitou um papel em Um Casamento Original, sobre um matrimônio ambientado em comunidade naturista. Por conta da proposta, ela passou a maior parte do filme completamente nua diante da câmera. Depois fez uma participação na comédia Chumbo Grosso (2007) ao lado da dupla Simon Pegg e Nick Frost e outra em Nunca É Tarde Para Amar (2007) estrelado por Michelle Pfeiffer. Depois de participar das séries Skins, teve papel fixo em Beutiful People e deu o ar da graça em Doctor Who, Olivia chamou atenção nos festivais de cinema por seu magnífico trabalho em Tiranossauro (2011). O filme distanciava a atriz da comédia e a apresentava como uma atriz completa, versátil e capaz de demonstrar uma densidade inacreditável. Pelo seu desempenho recebeu oito prêmios naquele ano, incluindo o prêmio especial do júri em Sundance e o British Independent. No mesmo ano, a atriz trabalhou com Meryl Streep em A Dama de Ferro (2011). Pela parceria Meryl mencionou em entrevistas que Olivia tinha um dom divino para atuação. O cinema parecia finalmente abrir as portas para ela. Filmou Um Final de Semana em Hyde Park (2012) ao lado de Bill Murray e Dou-lhes um Ano (2013) com Rose Byrne. No entanto, eram papéis pequenos, ao contrário do que vimos, ou melhor, ouvimos em Locke (2013), onde passa boa parte do filme sendo a voz no telefone com Tom Hardy. Em 2014, o grego Yorgos Lanthimos, em sua primeira produção em língua inglesa, a escolheu para ser a gerente do estranho hotel do filme O Lagosta. O filme foi premiado em Cannes e indicado ao Oscar de melhor roteiro e, ainda que a participação de Olivia fosse pequena, ela chamou atenção pela presença cômica dentro do estilo minimalista do diretor. A atriz já colecionava vários prêmios televisivos britânicos quando o Globo de Ouro a indicou como melhor atriz dramática pelo papel da esposa em meio às intrigas da minissérie O Gerente da Noite (2016). Baseado na obra de John LeCarré e dirigido pela dinamarquesa Susanne Bier, o programa fez sucesso no mundo todo e surpreendeu ao render prêmios no Globo de Ouro para seus três atores: Tom Hiddleston (o Loki de Thor), Hugh Laurie (Dr. House em pessoa) e Olivia (que não estava presente).  O prêmio lhe valeu a escalação para uma expressiva participação na nova versão de Assassinato no Oriente Express (2017) realizada pelo conterrâneo Kenneth Branagh, mas a guinada maior de sua carreira estava por vir. Yorgos Lanthimos escalou a atriz para viver a Rainha Anne em seu novo filme, A Favorita, uma comédia de humor negro que atiçava a curiosidade de todos antes mesmo de começar a ser filmada. Ao lado das oscarizadas Rachel Weisz e Emma Stone, Olivia reluz feito ouro em pó. Desde que o filme foi exibido no Festival de Veneza, ela coleciona prêmios pelo trabalho. Foi eleita a melhor atriz do Festival pela atuação que equilibra magistralmente o cômico e o trágico. Ela ainda recebeu o Globo de Ouro de Melhor Atriz de Comédia pelo papel e pode receber o Oscar da categoria. Com a agenda cheia pelas séries Les Miserábles e a nova temporada de The Crown onde assume o papel de Rainha Elizabeth após duas temporadas com Claire Foy, Olivia Colman corre sério risco de se tornar sua nova atriz favorita nos próximos meses. 

Versatilidade: Tiranossauro, The Night Manager, A Favorita e The Crown.

FILMED+: A Favorita

Olivia Colman: rainha tragicômica favorita

A vida da rainha Anne da casa Stuart não foi fácil. Num tempo em que os reinos eram governados por homens, Anne assumiu o trono depois de uma sucessão de intrigas, deposições e interesses em sua família. Por ausência de herdeiros diretos, Anne chegou ao trono após a morte do esposo, George. Ela reinou de 1707 até 1714, não sendo uma das monarcas mais populares da Europa. Enfrentando problemas de saúde desde pequena, que hoje sabemos ser decorrência de uma dolorosa doença autoimune, a rainha engravidou dezessete vezes, mas sofreu com  abortos, bebês natimortos e crianças que morreram antes de completar dois anos de idade. Durante seu reinado, quem se tornou ainda mais influente na corte foi sua melhor amiga, a duquesa de Marlborough, Sara Churchill, que afetava diretamente as decisões da monarca. Aparentemente foram as divergências políticas entre as duas que fizeram Sara se afastar da corte e ceder espaço para uma prima que ela mesmo recebeu para trablhar no castelo, Abigail. Abigail também teve sua dose de problemas, já que era nobre e perdeu tudo com o pai viciado em jogo. O peso desta história não parece o material ideal para se fazer graça, mas o diretor grego Yorgos Lanthimos não está nem aí para isso. Diretor do estranho Dente Canino (2009), do tragicômico O Lagosta (2015) e do macabro O Sacrifício do Cervo Sagrado (2017), esta é a primeira vez que Yorgos leva para a telona o texto de outros autores. É fácil entender o que atraiu o cineasta no texto de Deborah Davis e Tony McNamara, existem muitos elementos nesta história que se encaixam perfeitamente nos universos criados pelo diretor, embora seja inspirada em fatos reais e temperada com um humor mais agudo. Adepto de extrair atuações econômicas de seu elenco, Yorgos aqui transforma os exageros que o tom de comédia permite numa verdadeira provocação histórica. Oliva Colman (responsável por dar vida à Rainha Anne) e Rachel Weisz (que interpreta a astuta Lady Sara) já trabalharam com o diretor em O Lagosta e estão excelentes em todas as cenas. Junta-se a elas Emma Stone (na pele de Abigail), em seu primeiro papel no universo de Yorgos e desenvolvendo a personagem mais complexa de sua carreira. A sintonia entre as três é espetacular! Cada uma ao seu estilo, ajuda a contar um triângulo amoroso que flerta o tempo inteiro com o que há de mais sedutor e corruptível nas esferas do poder. A cada nova estratégia vemos Sara  e Abigail se atacando pelo posto de favorita da Rainha, em contraposto, conhecemos um pouco mais de uma majestade fragilizada, carente e quase infantil. 

Rachel Weisz e Emma Stone: duelo de interesses e atuações. 

Embora seja a única do trio sem um Oscar na estante, Olivia Colman rouba a cena com uma atuação magnífica, sempre impregnada dos complicados sentimentos de sua personagem. Escalando notas da comédia e da tragédia em poucos segundos, sua performance é impressionante (tanto que foi eleita a melhor atriz do Festival de Veneza e levou para a casa o Globo de Ouro de Atriz de Comédia, além de estar cotada para o Oscar). Obviamente que existem licenças poéticas na história - como as danças exageradas, as brincadeiras frívolas e especialmente a presença dos dezessete coelhos nos aposentos da rainha (que nunca existiram na vida real, mas evocam com perfeição as ambiguidades vividas por aquela mulher), enfim, faz parte do estilo de um roteiro carregado de um humor negro primoroso - que por vezes disfarça sua graça na forma naturalista com que o diretor os conduz. Os cenários e figurinos são caprichados, densos, impregnados, por vezes até soturnos, falando muito mais sobre aquele ambiente do que os diálogos que não se esquivam de soar deliciosamente anacrônicos em alguns momentos (e ao lado das lentes que deformam as bordas da captura das imagens, tornam tudo mais surreal e delirante). Mesmo em seu tom jocoso (que lembra muito o Barry Lyndon/1975 de Kubrick), o filme sabe exatamente a hora de parar e infringir no espectador a tristeza que existe por ali. Entre um sentimento e outro, aparecem na pauta o destino de uma nação, a guerra, o aumento de impostos, os embates entre governo e oposição, num contexto que fricciona o tempo inteiro o pessoal e o universal. O resultado é um filme bastante diferente, ousado na abordagem de uma rainha que ninguém costuma lembrar (embora hoje os historiadores reconheçam que ela foi responsável por várias mudanças políticas que permanecem até hoje). Todos estes méritos fizeram de A Favorita um dos mais indicados ao Oscar deste ano com dez nomeações (filme, direção, atriz para Colman, atriz coadjuvante para Weisz e Stone, roteiro original, fotografia, design de produção, figurino e montagem), ainda que não leve nada, é uma das gratas surpresas dos últimos anos. Nasce um dos meus favoritos. 

Weisz: de volta ao mundo estranho de Yorgos Lanthimos

A Favorita (The Favourite / Irlanda - Reino Unido - EUA / 2018) de Yorgos Lanthimos com Emma Stone, Olivia Colman, Rachel Weisz, Nicholas Hoult, Joe Alwyn e Mark Gatiss. ☻☻☻☻☻

quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

NaTela: Green Book

Viggo e Ali: talentos que engrandecem o filme. 

Green Book chega aos cinemas brasileiros com cinco indicações ao Oscar e dois Globos de Ouro na bagagem (filme de comédia e ator coadjuvante). Assim que foi lançado o filme foi tido como um dos favoritos a conquistar a estatueta mais cobiçada da noite, mas ao longo de sua trajetória se tornou um tanto escaldado pelas críticas recebidas e alguns equívocos envolvendo o ator Viggo Mortensen e o diretor Peter Farrelly. Peter ficou famoso nos anos 1990 por dirigir comédias idiotas ao lado do irmão, Bobby, estão nesta lista os sucessos Debi & Loide (1994) e Quem Vai Ficar Com Mary (1998). O humor da dupla sempre flertou com a grosseria, mas passava uma camada de sentimentalismo para dar uma equilibrada. Faz algum tempo que a dupla não consegue um sucesso, possivelmente porque o politicamente correto não suporta mais filmes que façam humor a partir de pessoas com deficiência, idosos, mulheres obesas ou irmãos siameses. Peter foi esperto e procurou seguir outro caminho com este Green Book, escrevendo o roteiro (indicado ao Oscar) ao lado de Nick Vallelonga e Bryan Currie e ajustou o tom para algo mais palatável. Existe uma exercício de maturidade considerável nesta transição, mas quase tudo foi por água abaixo quando recentemente a família do músico Don Shirley criticou o filme não terem sido consultados - e acusaram a trama um amontoado de mentiras. As pessoas ainda acreditam que um filme inspirado em fatos reais é um retrato fidedigno da realidade? Lamento informar, mas nem os documentários são mais tão realistas. Se você não faz parte dos "enganados", você ainda pode gostar bastante do que vê na telona. A ideia geral é apresentar uma espécie de road movie que coloca um músico negro genial em sua turnê pelo sul dos EUA. Vale ressaltar que a segregação fervia neste período dos anos 1960. Porém, o foco está no relacionamento do músico com o motorista ítalo-americano, Tony. É meio que por acaso que Tony Vallelonga (Viggo Mortensen indicado ao Oscar de melhor ator) aceita o trabalho de ser motorista e espécie de assessor do pianista Donald Shirley (Mahershala Ali indicado ao Oscar de Coadjuvante). Sua tarefa é não apenas dirigir, mas ajudar o artista a se livrar dos apuros que o sul do país lhe reserva. O roteiro é uma sucessão de episódios que ressaltam as diferenças entre os dois, sendo Tony um grosseirão e Don um sofisticado artista - e os diálogos entre eles são bem divertidos. O filme brinca com os arquétipos dos personagens e se beneficia bastante do talento e da química dos atores. Embora não traga grande novidades para a temática do racismo, o filme consegue tratar com humor e leveza temas sérios, o que pode desapontar os que esperam mais profundidade, mas serve para fazer o grande público se desarmar perante a temática que apresenta. Se o foco está mais sobre Tony é porque o filme está impregnado das impressões do roteirista sobre o pai (sim, Nick é filho do homem) e as histórias que possivelmente ele ouvia - e o próprio Tony fala um bocado sobre sua característica de convencer as pessoas sobre o que ele quer que acreditem. Se Tony atravessa uma transformação mais perceptível na história (do racista que passa a enxergar o diferente para um ser concreto, para além do rótulo baseado na cor de pele), Donald também tem desenvolvimento interessante no conflito de um homem tratado como um gênio sobre um palco, mas excluído quando chega ao mundo real. O homem e o artista (com seus temores e desejos) se digladiam o tempo todo na interpretação precisa de Mahershala (que já tem um Oscar de coadjuvante pelo traficante de Moonlight/2016 e pode levar outro). Sem ser incisivo nos temas espinhosos que aborda, Green Book (título baseado num livrinho guia utilizado por negros em suas viagens pelo sul dos EUA) atenua sua densidade, mas ainda faz pensar em como toda forma de preconceito é estúpida. O filme ainda concorre ao Oscar de Melhor Montagem. 

Green Book (Green Book/ EUA-2018) de Peter Farrelly com Viggo Mortensen, Mahershala Ali, Linda Cardellini,  Mike Hatton, Joe Cortese e Von Lewis. ☻☻☻

INDICADOS AO OSCAR 2019: Atriz

Glenn Close (A Esposa) Pelo papel da mulher que esconde o talento à sombra do marido, Glenn conseguiu sua sétima indicação ao Oscar! Ela já levou o Globo de Ouro e o Critic's Choice Awards pela atuação ambígua que se enriquece a cada nova leitura. Ela já foi indicada anteriormente como melhor atriz por Atração Fatal (1987), Ligações Perigosas (1988) e Albert Nobbs (2011). Na categoria de coadjuvante ela concorreu por O Mundo Segundo Garp (1982), O Reencontro (1983) e Um Homem Fora de Série (1984). Embora tenha vários prêmios do teatro, do cinema e da TV, ainda falta um Oscar na estante da atriz. 

Lady Gaga (Nasce Uma Estrela) é quem pode aguar a vitória de Glenn. Na quarta versão desta história, Patricia Gemanotta pode se consagrar como a cantora novata que ganha fama ao ser descoberta por um cantor country decadente. Pouca gente lembra, mas o primeiro trabalho de Gaga como atriz foi em 2001 em um papel minúsculo em um episódio de Família Soprano! Sucesso como cantora desde 2008, ela fez algumas participações em filmes (MIB³ e Machete Mata) e levou o Globo de Ouro por em American Horror Story: Hotel. Esta é sua primeira indicação ao Oscar de atriz (ela também concorre por canção original por 'Shallow', categoria em que já foi indicada em 2016 pelo documentário The Hunting Ground). Seu maior problema é o uso excessivo de botox. 

Melissa McCarthy (Poderia me Perdoar?) vive a escritora Lee Israel que se tornou famosa ao escrever biografias de celebridades e logo depois entrou em decadência por conta de um escândalo editorial. Muito elogiada pelo seu trabalho, o filme serve para lembrar que Melissa é mais do que uma comediante, mas uma atriz de recursos dramáticos vigorosos. Ela já apareceu em vários prêmios da temporada, mas suas chances são poucas (mas não deixa de ser curioso que ela também esteja indicada a pior atriz do ano pela desastrosa comédia Crimes em Happytime no Framboesa de Ouro). McCarthy já foi indicada ao Oscar de coadjuvante por Missão: Madrinha de Casamento (2011).

Olivia Colman (A Favorita) Esta brilhante atriz inglesa ficou conhecida pelo seu trabalho em Tiranossauro (2011). Desde então ela ganhou cada vez mais espaço, sendo premiada com um Globo de Ouro pelo trabalho na série O Gerente da Noite (2017). Seu trabalho como Rainha Anne é o mais complicado entre as indicadas, por ser em uma comédia carregada na tragédia sobre o relacionamento dela com duas serviçais rivais e interesseiras. O filme é sua segunda parceria com o diretor grego Yorgos Lanthimos (antes ela apareceu em O Lagosta/2015) e por sua atuação já levou para casa o Globo de Ouro de Atriz de Comédia, o British Independent, o Gotham Awards e o prêmio no Festival de Veneza de Melhor Atriz. Esta é sua primeira indicação ao Oscar. 

Yalitza Aparicio (Roma) Embora tenha novatos na corrida do Oscar neste ano, a história de Yalitza é a mais curiosa, afinal o filme de Alfonso Cuarón é o seu primeiro trabalho como atriz. Até pouco tempo, a atriz mexicana de origem indígena, ganhava a vida como professora. Ela fez o teste meio que por acaso (ela não fazia a mínima ideia de quem era o diretor) e teve como maior dificuldade o fato de não saber nadar - fato que quase a fez perder o papel da jovem empregada Cleo, a personagem inspirada na doméstica que trabalhava na casa do diretor quando ele era pequeno. Contida, Yalitza tem o rosto perfeito para que o espectador projete nela as suas próprias emoções (e a Academia se rendeu a este encantamento de forma surpreendente). 

A ESQUECIDA: Toni Collette (Hereditário) ausente entre as indicadas ao Oscar criou uma insatisfação generalizada. Saudada como uma das grande interpretações do ano e cotada para as premiações desde que este terror estreou nos cinemas, Toni acabou sendo esquecida nesta reta final - sendo lembrada somente em premiações indies (Independent Spirit, Gotham Awards...). Na pele da matriarca que descobre que existe uma verdadeira maldição em sua família, a atriz tem um dos trabalhos mais assustadores dos últimos anos. É verdade que o Oscar não curte filmes de horror, ainda que tenha indicado Toni como atriz coadjuvante em 2000 por seu trabalho como a mãe do menino que via gente morta em O Sexto Sentido (1999). 

quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Na Tela: A Esposa

Glenn: será que o Oscar sai desta vez?

O escritor Joe Castleman (Jonathan Pryce) está prestes a ganhar o Nobel de Literatura e parte para receber o prêmio acompanhado da esposa, Joan (Glenn Close) e do filho, David (Max Irons) - que começa a criar os primeiros esboços como escritor. A filha não acompanha a homenagem ao trabalho do patriarca por estar prestes a ter um bebê. A graça do filme é ver que o que era apenas uma impressão no início do filme, logo ganha corpo com os ressentimentos acumulados ao longo de décadas de casamento e a presença de um segredo que teria mais impacto se não fosse algo bastante comum em filmes calcados no mundo literário (eu mesmo já sabia assim que li a sinopse do filme). No entanto, você nem se importa muito com a previsibilidade do roteiro quando se assiste ao desempenho de Glenn Close na pele de Joan. Não há dúvidas de que Glenn é uma grande atriz, o mais interessante é que ela ficou famosa por personagens exuberantes, vilanescas e até escandalosas, mas aqui ela faz um trabalho bastante intimista, contido, até mais do que o visto em Albert Nobbs (2011) que lhe valeu a sexta indicação ao Oscar. Sem Glenn, possivelmente, A Esposa não chamaria atenção, nem apareceria entre os indicados na premiações deste ano. Concorrendo na categoria de melhor atriz, a obra rendeu à Glenn mais uma chance de ter seu talento reconhecido pela Academia e dificilmente ela deve sair de mãos abanando da festa - desculpe lobby Lady Gaga, Glenn merece mais, não apenas apenas por sua performance repleta de ambiguidades, mas por toda uma carreira com personagens inesquecíveis. Se você assistir o filme a mais de uma vez, provavelmente cada expressão da atriz ganhará um novo sentido, são nas entrelinhas de um olhar, um esboço de sorriso, uma ironia, uma frase cortante, que a atriz enriquece ainda mais a sua personagem. É verdade que ela está bem acompanhada por Jonathan Pryce, que tem a função de encarnar um gênio que é um verdadeiro grosseirão na vida particular, mas ele sabiamente não o transforma no vilão da história, apenas num sujeito comum com qualidade e defeitos como qualquer mortal. Max Irons tem o trabalho mais fraco da sessão por não conseguir dar nuances mais sólidas à cara emburrada de David (que ainda tenta sair da sombra do pai, mesmo se alimentando dela) enquanto Christian Slater não tem muito o que fazer na pele de um escritor que persegue a família Castleman (mas consegue até um efeito cômico nas aparições repentinas). O cineasta Björn Hunge também não capricha na parte visual do filme, sua narrativa é bastante simples e concentrada nos atores que tem mãos, mas o maior erro foi optar por flashbacks que são apenas redundantes diante do trabalho de seus atores veteranos  (vale ressaltar que quem encarna Joan quando jovem é Annie Starke, filha de Glenn). A Esposa termina sendo menos marcante do que poderia, mas sua protagonista tem um trabalho memorável (e depois de levar o Globo de Ouro e o Critic's Choice Awards, deve ainda levar o SAG neste domingo e, provavelmente, o Oscar em fevereiro).  

A Esposa (The Wife / EUA - 2018) de Björn Hunge com Glenn Close, Jonathan Pryce, Max Irons, Christian Slater, Annie Starke, Harry Lloyd e Elizabeth McGovern. ☻☻☻

4EVER: Caio Junqueira

15 de novembro de 1976   23 de janeiro de 2019

Caio de Lima Torres Junqueira nasceu no Rio de Janeiro. Filho do também ator Fábio Junqueira (falecido em 2008) e irmão do ator Jonas Torres, Caio começou a atuar aos quatro anos em uma peça de teatro, cinco anos depois estreava na TV com o seriado Tamanho Família na Rede Manchete. Logo depois, ele estava ao lado do irmão no sucesso Armação Ilimitada na Rede Globo. Caio fez novelas, séries e programas variados, mas estreou no cinema somente em 1997 com a comédia For All - O Trampolim da Vitória.  Depois participou de produções importantes, incluindo os indicados ao Oscar de filme estrangeiro O que é Isso Companheiro? (1997) de Bruno Barreto e Central do Brasil (1998) de Walter Salles. Caio voltou a trabalhar com Walter em Abril Despedaçado (2001), mas o seu papel inesquecível foi como o policial Neto no sucesso Tropa de Elite (2007) de José Padilha. Com Padilha o ator também realizou seu último trabalho, a série O Mecanismo lançado no ano passado. Caio faleceu em decorrência de um acidente de carro no Aterro do Flamengo.  

NaTela: Vidro

Samuel, McAvoy e Willis: vidro fragmentado inquebrável?

M. Night Shyamalan tinha acabado de sair do sucesso de O Sexto Sentido (1999) quando lançou Corpo Fechado (na verdade Inquebrável, se formos ver o título original em inglês). Igualmente estrelado por Bruce Willis, Corpo Fechado encontrou fãs fiéis, recebendo até mais elogios da crítica especializada ao conceber um herói para as telonas em enquadramentos que evocavam diretamente as histórias em quadrinhos. O filme foi uma verdadeira ousadia com seu ritmo lento e uma revelação final que demonstrava ser um filme de origem não apenas de um super-herói como também de um super-vilão. Naquele alvorecer do século XXI, não havia um Universo Marvel nos cinemas, a DC Comics ainda levaria cinco anos para lançar Batman Begins e X-Men de Brian Singer ainda estava pavimentando uma nova linguagem para os super-heróis no cinema. O tempo passou, Shyamalan lançaria um filme razoável (Sinais/2002) e outro excelente (A Vila/2004) e depois tudo iria ladeira abaixo em produções lamentáveis. Houve um respiro como produtor e roteirista aqui (Demônio/2010), uma série interessante e incompreendida ali (Wayward Pines/2015-2016), um sucesso surpresa acolá (A Visita/2015), mas a nova chance surgiu mesmo foi com Fragmentado (2016), um suspense de regras próprias que girava em torno de um homem 23 personalidades distintas e uma nova que estava prestes a vir à tona. Somado ao desempenho inacreditável de James McAvoy (como as premiações esqueceram dele? Um verdadeiro crime!) o filme se tornou um grande sucesso e gratificou os fãs do diretor com uma última cena em que revela que o universo daquele estranho personagem era o mesmo do inquebrável David Dunn (Bruce Willis). Nada mais justo que Shyamalan tivesse a chance de juntar estes dois personagens icônicos em um novo filme - sem esquecer do homem com ossos de vidro, Elijah Price (Samuel L. Jackson) para enriquecer ainda mais a produção. Inquebrável. Fragmentado.Vidro. Esta terceira parte não poderia ter um título mais coerente ao universo criado pelo diretor. Aqui ele retoma seus personagens com um roteiro cheio de alusões às HQs (e isso não é oportunismo, já há havia em Corpo Fechado) e insere uma nova personagem com o objetivo de desconstruir cada um destes personagens fantásticos. Drª Ellie Staple (Sarah Paulson, a única atriz capaz de dar credibilidade à uma personagem tão inacreditável) é especialista em pacientes que se consideram super-heróis. Na clínica psiquiátrica onde os três personagens se encontram não, não é o Asilo Arkham) ela tenta contornar as habilidades deles utilizando o pontos fracos de cada um enquanto tenta curá-los. A abordagem psicológica neste universo segue fiel o que vimos em Fragmentado, além de ser um ponto que já foi abordado em torno de alguns super-heróis (basta lembrar dos famigerados diagnósticos sobre os personagens de Watchmen). A trama se sustenta em três atos distintos. O primeiro é conduzido com maestria pelo cineasta, que começa a ligar os personagens sem grande esforço, alcançando um resultado realmente envolvente. No segundo se instaura um conceito mais psicológico, onde a dúvida gera um suspense alimentado por diálogos cíclicos que ajudam a aprofundar ainda mais os personagens. Há quem considere pura enrolação, mas eu gostei bastante da forma como Shyamalan conduz as cenas e ressalta o contorno de suas criações. A ação se torna internalizada, sutil e serve de respiro para o próximo ato de confronto final. Seguro, Shyamalan conduz seus atores com maestria, todos estão ótimos - inclusive os coadjuvantes Spencer Treat Clark (retomando Joseph Dunn), Charlayne Woodard (a mãe de Elijah) e Anya Taylor Joy (a vítima da Besta que tem pouco a fazer em cena, mas tem presença marcante. No entanto, o destaque ainda é James McAvoy, que está mais uma vez excelente nas várias personalidades que precisa dar conta. Seus olhares, gestos, tom de voz, as transições entre personas de homens, mulheres, criança e Besta só demonstram como este escocês (que nunca foi indicado ao Oscar) é um dos mais talentosos do cinema atual. Samuel L. Jackson também está exemplar ao retomar Elijah em mais um dos seus planos mirabolantes. No meio de vilões tão robustos, quem recebe menos destaque é Bruce Willis, não por culpa dele, mas do roteiro que parece não ter muito o que explorar no personagem já solidamente construído no primeiro filme. O ponto mais controverso do filme é o desfecho que reserva ao trio (e pense nas característica do elemento do título para interpretar a trama). Shyamalan ficou famoso pelos seus finais surpresa, mas aqui quando o  público considera que a surpresa é uma, ela se torna outra ainda mais radical. O cineasta paga um preço alto nesta que parece ser a última parte de sua trilogia, podendo amargar um novo fracasso nas bilheterias por conta disso. ALERTA SPOILER!!! Mas não se desesperem! Se até o krtyptoniano mais famoso do universo bateu as botas e continua por aí, quando se trata de super-heróis tudo é possível. 

Vidro (Glass/EUA-2019) de M. Night Shyamalan com James McAvoy, Bruce Willis, Samuel L. Jackson, Sarah Paulson, Spencer Treat Clark, Anya Taylor Joy, Charlayne Woodard, Luke Kirby e Adam David Thompson. ☻☻☻☻

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

INDICADOS AO OSCAR 2019

Oscar 2019: entre confirmações e surpresas. 

Hoje foram divulgados os indicados à 91ª cerimonia do Oscar. A premiação dedicada aos melhores do ano segundo a Academia de Artes Cinematográficas de Hollywood será realizado no dia 24 de fevereiro. Diante das indicações, obviamente que houve comentários sobre as surpresas e os ausentes, mas estes eu irei esmiuçar aos poucos até o dia da entrega. Vale dizer que os elogiados Roma e A Favorita são os mais indicados (dez indicações cada um), sendo logo seguidos de Vice e Nasce uma Estrela (ambos com oito indicações). Pantera Negra foi lembrado em sete categorias, Infiltrado na Klan pode ser visto em seis, houve até um empate entre Bohemian Rhapsody (quem diria) e Green Book, com cinco chances de colocar as mãos num careca dourado. Pelos oito candidatos ao prêmio de melhor filme, percebe-se que a Academia nem precisou da criticada categoria de Filme Popular para se fazer notar. Por sorte a categoria foi abandonada antes de ser posta em prática e filmes de sucesso podem ser vistos em várias categorias. Outro destaque é perceber vários rostos novos do cinema (Adam Driver, Rami Malek, Olivia Colman, Yalitzia Aparicio e... Lady Gaga / Madonna deve estar se afogando em Rivotril) e outros que merecem uma estatueta faz tempo (Glenn Close, Amy Adams, Willem Dafoe) e outros veteranos que foram lembrados pela primeira vez (Regina King, Sam Elliot, Richard E. Grant...). A seguir todos os indicados. 

Melhor Filme

Melhor Direção

Melhor Ator

Melhor Atriz

Melhor Atriz Coadjuvante

Melhor Ator Coadjuvante

Melhor Roteiro Adaptado

Melhor Roteiro Original
First Reformed

Melhor Filme Estrangeiro
Cafarnaum (Líbano)
Never Look Away (Alemanha)
Assunto de Família (Japão)

Melhor Documentário em Curta-metragem
Black Sheep
End Game
Lifeboat
A Night at the Garden
Period.

Melhor Documentário em Longa-metragem
Free Solo
Hale County this Morning, This Evening
Minding the Gap
RBG
Of Fathers and Sons

Melhor Design de Produção
O Retorno de Mary Poppins

Melhor Figurino
O Retorno de Mary Poppins
Duas Rainhas

Melhor Fotografia
Never Look Away

Melhores Efeitos Visuais

Melhor Mixagem de Som

Melhor Edição de Som

Melhor Animação
Mirai

Melhor Curta de Animação
Animal Behavior
Bao
Late Afternoon
One Small Step
Weekends

Melhor Curta-Metragem
Detainment
Fauve
Marguerite
Mother
Skin

Melhor Trilha Sonora
O Retorno de Mary Poppins

Melhor Montagem

Melhor Maquiagem
Border
Duas Rainhas

Melhor Canção Original
“The Place Where Lost Things Go” (O Retorno de Mary Poppins)