quinta-feira, 31 de outubro de 2024

HIGH FI✌E: Outubro

 Cinco produções vistas no mês que merecem destaque:

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PL►Y: A Hipnose

Asta e Herbert: efeito colateral de uma hipnoterapia.

André (Herbert Nordrum) e Vera (Asta Kamma August) são namorados e parceiros na construção de um aplicativo para saúde feminina. Diante da invenção, os dois agora procuram por investidores para bancar o projeto e precisam saber vender a ideia. Ambos podem ser craques em tecnologia, mas  desde a primeira cena fica evidente o quanto Vera é tímida e André é formal demais para conquistar a simpatia de possíveis investidores. No meio de tudo isso, Vera tem hora marcada com uma hipnoterapeuta para que consiga parar de fumar. No primeiro encontro do casal após o procedimento, fica evidente que algo mudou na personalidade da moça (e não se trata do uso dos cigarros). Vera está completamente desinibida (será que o alívio da tensão proporcionado pelo cigarro evitava que demonstrasse tal comportamento?). Capaz de soltar gritos de alegria em público, dançar com a música alta antes de dormir, brincar em momentos indevidos e contar histórias totalmente descabidas. No início o novo comportamento até ajuda a vender a ideia, o problema é que ela parece cada vez mais destrambelhada. A Hipnose é um filme dirigido pelo sueco Ernst de Geer e parte de uma brincadeira bem humorada com a lógica das startups, mas investe cada vez mais na forma como lidamos com os códigos das relações sociais e do valor de uma falsa autenticidade como moeda social. Existe um tanto de como era mais cômodo para o casal que Vera ficasse à sombra do sócio namorado e como o fato dela chamar mais atenção que ele começa a incomodá-lo, mas a ideia de ter alguém de comportamento imprevisível em uma reunião de negócios ou um jantar com investidores pode ser bastante complicada - assim como toda a formalidade de André por vezes também gera encontros desconfortáveis para ele e o grupo (como naquela cena em que ele aparece em uma reunião para qual não foi convidado e não consegue se encaixar). Obviamente que o importante é alcançar um meio termo nessas relações, do que se é e o outro espera que você faça, mas enquanto o tal equilíbrio não vem, André realiza uma atitude bastante questionável que pode comprometer não apenas o seu namoro como os negócios também. A Hipnose é uma comédia romântica europeia, o que funciona sempre bem quando não tenta seguir a cartilha hollywoodiana do gênero. Investindo no humor pela via do desconforto e da vergonha alheia, o filme consegue ser divertido com toda sua casca formal em contraste com os absurdos de algumas cenas (e talvez seja a de André as mais absurdas em cena). Herbert Nordrum (que vimos em A Pior Pessoa do Mundo/2022) está convincente no papel do nerd que quer se aventurar pelo mundo dos negócios, mas é Asta Kamma August que rouba a cena com a guinada surpreendente de sua personagem. Quando o filme terminou eu fiquei imaginando que não ficaria surpreso se num futuro próximo gerasse uma remake em inglês com Emma Stone e Adam Driver nos papéis principais (e claro que aquele último ato seria alterado para ficar menos, digamos, ousada...).

A Hipnose (The Hypnosis / Noruega - Suécia / 2023) de Ernst de Geer com Herbert Nordrum, Asta Kamma August, David Fukamachi Regnfors, Moa Niklasson, Andrea Edwards e Simon Rajala.

Combo: Dignas de Oscar

Neste Halloween, em homenagem à campanha de Demi Morre para o Oscar por A Substância, resolvi tirar da tumba o Combo no blog, só para lembrar cinco atrizes que mereciam o reconhecimento da Academia e acabaram de fora do páreo de melhor atriz. Quatro são de obras recentes e a primeira colocada é a prova irrefutável de que o Oscar tem problemas com ótimas performances em filmes de terror. 

05 Um Lugar Silencioso (2018) Em um mundo atacado por monstros alienígenas que surtam por qualquer barulho, Emily Blunt interpreta a mãe que precisa sobreviver com a família em meio ao caos. Alguns detalhes tornam a dramaticidade de sua personagem ainda mais alta: ela está grávida e em algum momento esta criança irá nascer de (parto natural) e irá chorar! O filme é uma experiência cinematográfica diferente, mas nada supera a cena do parto - que  está entre uma das mais angustiantes da História do cinema. Emily está impecável! Só pela  cena ela merecia uma indicação ao Oscar (que só lembrou dela esse ano por ser a Srª Oppenheimer). Dirigida pelo maridão John Krasinski, ela abre nossa lista porquê o prêmio do Sindicato dos Atores percebeu a gafe iminente e lhe premiou como melhor atriz coadjuvante pelo papel.
 
04 Hereditário (2018) Toni Collette já fez muitos papéis inesquecíveis no cinema e embora tenha recebido uma indicação por um filme de terror no passado (atriz coadjuvante por O Sexto Sentido/1999) imaginava-se que ela poderia repetir a façanha pelo papel da mãe que descobre uma trama macabra envolvendo toda a família. O filme de estreia de Ari Aster foi alçado rapidamente ao posto de um dos mais arrepiantes do gênero e muito se deve à intensidade das atuações. Na pele da mãe desesperada perante os acontecimentos inevitáveis em seu lar, Toni foi cotada ao Oscar de melhor atriz, mas teve que se contentar  com as nomeações ao Critic's Choice, Gotham Awards, Independent Spirit e até o prêmio de melhor atriz no Brazil Online Film Awards!
 
03 Nós (2019) Muita atriz já foi indicada ao Oscar por muito menos do que Lupita Nyong'o fez neste filme de Jordan Peele. Ela vive Adelaide, uma mãe e esposa que vive uma vida confortável com o marido e os filhos, até que uma temporada na praia a faz reviver traumas da infância que parecia ter superado. Ao viver dois papéis completamente diferentes no mesmo filme, Lupita está magnífica e foi cotada para cravar mais uma indicação ao Oscar. A ganhadora do prêmio de melhor atriz coadjuvante por 12 Anos de Escravidão (2013) só não contava com a imensa resistência da Academia em reconhecer os méritos de uma atuação desse quilate em um filme de terror. A atriz foi indicada ao prêmio do Sindicato dos Atores por sua performance e ficou por isso mesmo. 
 
02 Pearl (2022) A medalha de prata vai para a neta da Maria Gladys! O trabalho de Mia Goth na segunda parte da trilogia de Ti West rendeu inúmeros debates sobre o preconceito da Academia com atuações em filmes de terror. No entanto, muita gente imaginava que com o sucesso do filme e os elogios unânimes da crítica pela enlouquecida personagem (que mora em uma fazenda e sonha em ser uma estrela de cinema) alavancariam as chances de Mia conseguir uma indicação. Embora o trabalho dela seja um dos mais impressionantes daquele ano, o filme foi completamente esquecido pelo Oscar. Mia, que também ajudou no roteiro, teve que se contentar com as indicações ao Independent Spirit e ao Critic's Choice. 
 
01 O Bebê de Rosemary (1968) Após assistir a este clássico de Roman Polanski eu tinha certeza que Mia Farrow foi indicada ao Oscar de melhor atriz. Ela está perfeita como a mulher grávida que suspeita que seu bebê não foi concebido em circunstâncias naturais. O clima de paranoia só cresce e a plateia se pergunta se Rosemary está falando a verdade ou só está delirando por conta de todas as mudanças que estão acontecendo no seu corpo. Clássico absoluto, o filme permanece no imaginário cinéfilo até hoje! Foi indicado ao Oscar de roteiro adaptado e ganhou o de melhor atriz.... coadjuvante para Ruth Gordon no papel da vizinha sinistra. E Mia? Nem foi indicada! A atriz foi lembrada no BAFTA e Globo de Ouro, mas virou consolação para as grandes atuações femininas do terror que foram desprezadas pela Academia.

PL►Y: A Substância

Demi: musa desconstruída em filme controverso.

Diante de toda a controvérsia podemos afirmar que A Substância é (de longe) um dos filmes mais interessantes de 2024. O longa foi exibido como quem não quer nada na última edição do Festival de Cannes e saiu de lá com o prêmio de melhor roteiro e a consagração de ser um dos mais falados do evento. A francesa Coralie Fargeat fez um filme de grande impacto e difícil de rotular (tanto que compreendo os motivos que o colocaram no páreo por uma vaga na categoria de melhor comédia no Globo de Ouro). Apesar dos exageros e dos risos nervosos da plateia, o que se esconde por trás de todo alardeado horror corporal da produção está uma crítica social que apresenta muito mais camadas do que parece. O roteiro de Fargeat é esperto ao ponto de retratar a ascensão da musa Elizabeth Sparkle (uma colossal Demi Moore) apresentando somente sua estrela na calçada na fama. A atriz consagrada que já ganhou até um Oscar (algo que nunca aconteceu com Demi) atravessou décadas à frente de um programa de ginástica na TV, mas agora que completa mais uma aniversário, a direção da emissora (personificado por Denis Quaid) considera que ela está mais do que ultrapassada. Diante dos insultos que escuta acidentalmente, Elizabeth fica transtornada. Sofre um acidente e recebe um convite para ser usuária de um produto revolucionário (e clandestino). A tal substância do título faz com que Elizabeth dê origem à Sue (Margareth Qualley), uma mulher algumas décadas mais jovem e que pretende ocupar a vaga de sua "matriz" na televisão. Acontece que existe uma série de regras para que o procedimento dê certo e, por mais que Elizabeth tenha consciência do que deve ser feito, o complicado é convencer sua versão jovem deslumbrada a fazer a mesma coisa. A relação de Elizabeth e Sue é bastante complexa, principalmente pelas analogias que podem ser feitas em todos os procedimentos que envolvem a substância. A forma como Elizabeth deseja tanto ser jovem novamente, mesmo que seja outra pessoa, ou a maneira como Sue despreza cada vez mais sua matriz podem gerar várias leituras sobre uma sociedade que é mais do que hetarista, mas obcecada pela juventude na mesma medida como despreza o envelhecimento. Em determinadas cenas, o embate entre as duas versões da protagonista passa a ser o conflito entre o velho e o novo, a experiência e a impaciência, entre reconhecer o espaço de quem veio antes e sua importância. Para Sue, não faz sentido ter que se preocupar com Elizabeth, à sua matriz caberia somente aguardar a morte. No entanto, existe certa realização em Elizabeth ao ver as conquistas de Sue, pelo menos até aquele momento em que ela percebe ser tarde demais para voltar atrás. Se parece filosófico demais, Fargeat faz tudo isso embrulhado em uma experiência sensorial hipnotizante, com cores, ruídos, closes absurdos e ângulos estranhos. Sim, existe muito exagero, muito sangue, muito gore, especialmente no desfecho que se rende totalmente ao absurdo de tudo aquilo, ou melhor ao exagero de uma sociedade que canibaliza a beleza e a juventude. Depois de uma ótima repercussão nos cinemas, A Substância está em cartaz na Mubi que, pela primeira vez, está investindo em uma campanha para o Oscar. Ficaria muito feliz de ver  Demi Moore no páreo de melhor atriz. Seu trabalho corajoso nesta produção deixa claro que ela deve ter vivido maus bocados ao longo de sua carreira no cinema. Sempre com a beleza colocada em primeiro plano, poucas vezes ela coletou elogios tão calorosos à sua atuação. Ótima em cena, ela amplia ainda mais a potência do tapa na cara que o filme oferece, resta saber se a Academia irá engolir seus preconceitos e aceitar que filme de horror possuem performances arrebatadoras. Vale destacar que este é o segundo filme de Coralie (o primeiro foi o também controverso Vingança/2017 que está na Netflix), mas que de certa forma revisita algumas questões de um curta feito por ela, o Reality+, feito em 2014 e que está em cartaz na MUBI, mas também pode ser visto no Youtube. A cineasta é um nome que merece toda nossa atenção. 

A Substância (The Substance / EUA - Reino Unido - França) de Coralie Fargeat com Demi Moore, Margareth Qualley, Dennis Quaid, Hugo Diego Garcia e Gore Adams. ☻☻☻☻

terça-feira, 29 de outubro de 2024

4EVER: Teri Garr

11 de dezembro de 194429 de outubro de 2024
 
Nascida na pequena cidade de Lakewood em Ohio, Teri Ann Garr era filha de um ator e uma figurinista. O início da carreira de atriz aconteceu nos filmes musicais estrelados por Elvis Presley nos anos 1960, mas seu primeiro papel com algum destaque veio somente em 1968 em Os Monkees estão de Volta. Após diversos trabalhos na televisão, seu primeiro papel importante no cinema veio no clássico A Conversação (1974) de Francis Ford Coppola, logo depois ela apareceu em O Jovem Frankenstein (1974), Contatos Imediatos de Terceiro Grau (1977) de Steven Spielberg e Depois de Horas (1984) de Scorsese. Apesar dos trabalhos sérios com diretores importantes, Garr ficou conhecida por seus papéis cômicos, entre eles o da atriz em crise de Tootsie (1982), filme que lhe valeu uma indicação ao Oscar de atriz coadjuvante (e perdeu para sua colega de elenco, Jessica Lange). Teri também trabalhou com Robert Altman em Prêt-à-Porter (1994) e com Norah Ephron em Michael (1996). Nos anos 1990 ela interpretou a mãe da personagem Phoebe na série Friends por três episódios. Sem atuar desde 2011, a atriz revelou que sofria de esclerose múltipla e faleceu por complicações da doença.

quarta-feira, 23 de outubro de 2024

4EVER: Antonio Cicero

06 de outubro de 194523 de outubro de 2024
Antonio Cicero Correia Lima nasceu no Rio de Janeiro, filho de um dos fundadores do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB). Quando o pai assumiu um cargo executivo no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) em 1960, a família se mudou para os Estados Unidos, fato que teve grande influência na vida profissional de Antonio e de sua irmã, a futura cantora Marina Lima. Formado em Filosofia e com mestrado em Grego e Latim, Antonio também lecionou Filosofia e Lógica na Universidade Federal Fluminense. Cicero ficou mais conhecido nos anos 1980 por suas composições em parceria com a irmã, entre elas os hits Fullgás, Pra Começar e À Francesa. Cícero escrevia poesias desde adolescente e passou a musica-los junto de Marina. Famoso como escritor, compositor, poeta, crítico literário e filósofo, no ano de 2018 se tornou membro da Academia Brasileira de Letras. Nos últimos anos, ele precisou lidar com os sintomas de Alzheimer e mudou-se para Suíça para realização do procedimento de morte assistida.

segunda-feira, 21 de outubro de 2024

Palpites para o Oscar 2025 - PARTE I

Cá estamos especulando mais uma vez sobre o ápice da temporada de ouro do cinema. Até o momento já tivemos contato com algumas produções que devem tentar alguma indicação. Provavelmente Duna 2 irá aparecer no Oscar novamente, assim como Divertida Mente2 tem lugar garantido entre os favoritos à melhor animação. Existe uma grande torcida para que A Substância quebre preconceitos e seja lembrado pelos votantes do Oscar, a torcida do longa estrelado por Demi Moore se tornou maior que a de Rivais, Guerra Civil e Assassino por Acaso tem sua ala de torcedores. No entanto, os pesos pesados da temporada começam a se revelar somente agora nos Estados Unidos. A seguir os filmes inéditos por aqui que cobiçam votos da Academia: 

 
"O Brutalista" de Brady Corbet

Se a cerimônia do Oscar fosse hoje, provavelmente o ganhador seria este drama com três horas e meia de duração! O filme conta a história de Lászlo Toth (Adrien Brody), um visionário arquiteto que foge da Europa ao lado de sua esposa (Felicity Jones) no pós-guerra de 1947 para os EUA, mas o destino de ambos é mudado por conta de um misterioso cliente. Com a maior cara de cinemão clássico banhado nos fantasmas da Segunda Guerra Mundial, o filme tem tudo para ser o grande filme do próximo Oscar. Com produção impecável o filme de três horas e meia de duração impressiona por ter custado menos de dez milhões de dólares!!! Presença certa na categoria de melhor filme, direção, roteiro, ator, fotografia, figurino e montagem... o filme deve ser aquele que os demais devem temer.

"Anora" de Sam Baker 

Com tantas mudanças entre o corpo votantes da Academia, não seria surpresa se o ganhador da Palma de Ouro do Festival de Cannes chegasse como o favorito para levar a estatueta no dia dois de março do ano que vem. O filme conta a história de uma garota de programa (Mikey Madison) que se casa com um grande herdeiro, mas que a família não recebe bem a notícia e deseja anular o casamento. Feito com atores desconhecidos e com o senso de dramédia habitual de Sam Baker, temos aqui a chance do diretor cair de vez nas graças da Academia (antes ele conseguiu somente aquela indicação de coadjuvante de Willem Dafoe por Projeto Flórida/2017). O longa parece ter lugar garantido nas categorias principais, incluindo filme, direção, roteiro e atriz principal. 

"Conclave" de Edward Berger
 
Se os votos se dividirem entre os concorrentes anteriores, provavelmente este novo filme do diretor alemão do oscarizado Nada de Novo no Front (2022) deve fazer bonito. A produção conta uma conspiração durante a escolha do novo Papa e Ralph Fiennes está perfeito como o cardeal responsável pela eleição (despontando como o grande favorito ao Oscar de melhor ator - e já passou da hora dos votantes reconhecerem o talento deste indicado duas vezes ao prêmio). O longa também deve concorrer em  melhor filme, direção, figurino, direção de arte, roteiro, ator coadjuvante (Stanley Tucci) e atriz coadjuvante (Isabella Rosselini).

"O Quarto ao Lado" de Pedro Almodóvar
 
Premiado com o Leão de Ouro no Festival de Veneza, o novo filme do cineasta espanhol (que finalmente realizou seu primeiro longa-metragem em língua inglesa) chega cobiçando indicações robustas, pelo menos deve aparecer em melhor filme, direção, atriz (para Julianne Moore e Tilda Swinton), fotografia e roteiro. A trama conta a história de duas amigas que se reencontram em tom de despedida diante da doença grave de uma delas. O reencontro coloca a relação entre as duas em perspectiva e insere duas novas personagens femininas para a vasta coleção de musas do cineasta. 
 
 
"Ainda Estou Aqui" de Walter Salles
 
Também premiado no Festival de Veneza (melhor roteiro), o brasileiro que disputará uma vaga no prêmio de Filme Internacional tem grandes chances de quebrar um longo jejum do nosso país no Oscar. Desde "Central do Brasil"/1998, também de Walter Salles, que o Brasil não entra no páreo da categoria. O filme baseado no livro de Marcelo Rubens Paiva, baseado na figura marcante de sua mãe (vivida aqui por Fernanda Torres). O longa conta a história de uma família que busca informações sobre o patriarca (papel de Selton Mello) desaparecido durante o período da ditadura militar. Existem muitas especulações que o filme tenha indicações para melhor atriz, roteiro, direção e até melhor filme, mas será que a Academia lhe renderia tanto espaço assim?

"Emilia Pérez" de Jacques Audiard
 
A grande pedra no caminho do filme brasileiro é este filme escolhido pela França para disputar o prêmio de Filme Internacional. Ambientado no México, o filme conta a história de uma advogada que ajuda um temido chefe de cartel a largar o mundo do crime e desaparecer para sempre na pele da mulher que ele sempre desejou ser. Karla Sofía Gascon, Zoe Saldana, Selena Gomez e Adriana Paz dividiram o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes. Karla tem chances de se tornar a primeira mulher trans a ser indicada ao Oscar de melhor atriz, as demais (especialmente Zoe Saldana e Gomez) devem aparecer como coadjuvantes. A última vez que um filme do diretor disputou o Oscar foi com o espetacular O Profeta (que perdeu para o argentino O Segredo dos Seus Olhos). Só para lembrar: o filme é um musical!

PL►Y: O Menino e a Garça

Mahito e a Garça estranha: morte e legado aos olhos de Myiazaki.

Ganhador do Oscar de melhor animação em 2024, O Menino e a Garça está em cartaz na Netflix (assim como um vasto acervo de obras do Estúdio Ghibli). O filme conta a história de Mahito (voz de Soma Santoki), um menino que depois de perder a mãe durante na guerra, muda-se para o campo junto com o pai e a madrasta, passando a ser cuidado por um grupo de senhoras empregadas de seu pai. O garoto tem tem problemas de relacionamento com outros moradores locais e em meio à exuberante natureza local, o menino percebe que existe uma garça sempre por perto - e o pássaro terá importância fundamental quando a madrasta do menino desaparecer. Este é o primeiro acontecimento de uma série de situações estranhas que irão levar Mahito de encontro com um mundo fantástico, que pode revelar segredos de sua própria história, como o destino de sua mãe e o paradeiro da madrasta desaparecida. Em se tratando do Estúdio Ghibli é redundante falar do capricho visual, das escolhas das cores e o traço inconfundível do mestre Hayao Myiazaki que já anunciou a aposentadoria três vezes e sempre retorna para o delírio dos fãs. Esta produção, embora baseada na obra de Genzaburo Yoshino lançada em 1937, quatro anos antes do nascimento de Hayao, que presenciou desde muito pequeno o Japão destroçado pela Guerra. Este é  é um dos pontos que demonstra que esta é a obra mais pessoal do cineasta. Embora guarde semelhanças com outras obras do mestre (incluindo o meu favorito A Viagem de Chihiro/2001), O Menino e A Garça tem fortes elementos sobre o dilema atual de Hayao sobre sua carreira e legado junto ao estúdio Ghibli. Uma apreciação mais detalhada destes aspectos podem ser vistos no vídeo dedicado ao filme do canal Minutos de Sanidade Sanidade do Youtube, que explora camadas surpreendentes da relação entre o autor e sua obra. Se você tem a sensação de que o filme repete a fórmula de outros filmes do estúdio e apresenta mais do mesmo em sua narrativa, você irá se surpreender. Toda fantasia presente no filme o carrega de analogias sobre a criação e a morte, basta pensar na figura do Tio avô, que construiu um mundo mágico, mas que está preocupado em quem irá herdar tudo o que realizou, da mesma forma existe o luto do menino por sua mãe, que talvez encontre conforto na aceitação de que ela se foi e resta-lhe conviver com quem está presente em sua vida naquele momento. Visto em todas as suas simbologias,  o filme se torna bastante complexo e talvez mereça ser visto outras vezes para que se possa absorver todas as intenções do cineasta. 

O Menino e a Garça (Kimitachi wa dô ikiru ka/ Japão - 2023) de Hayao Myiazaki com vozes de Soma Santoki, Kô Shibasaki, Yoshino Kimura, Aimyon, Masaki Suda e Takuya Kimura. ☻☻☻☻

domingo, 20 de outubro de 2024

NªTV: Slow Horses - 4ª Temporada

Os pangarés: espantando o sossego.

Confesso que enrolo o máximo possível para terminar de ver uma temporada de Slow Horses, afinal, fico com aquela sensação de vazio quando termina uma temporada enquanto crio expectativas para a temporada seguinte (religiosamente anunciada em um trailer após a season finale). O trailer sobre esta quarta temporada deixava no ar a sensação de que um dos agentes desprezados de Lamb (Gary Oldman) iria se despedir do programa e... quem conhece as artimanhas do programa já deve imaginar as surpresas que irão aparecer depois da sensação de luto do primeiro episódio. Como de praxe, a série inspirada nos livros de Mick Herron gosta de surpreender o espectador em desdobramentos capazes de revelar um pouco mais sobre os personagens e prender a atenção dos espectador ao longo de seus oito episódios. Desta vez, os pangarés rejeitados do MI5 precisam lidar com mais problemas, agora em torno da família de River Cartwright (Jack Lowden) - que parece ter uma ligação estranha com um atentado realizado em um shopping nos arredores de Londres. Mais uma vez o trabalho pouco estimulante na Slough House (o escritório de arquivos para qual são destinados os agentes fracassados do serviço secreto inglês) recebe novos personagens que tentam provar seu valor em um universo que os rejeita. Obviamente que também reencontramos personagens que já possuem nosso respeito, como Guy (Rosalind Eleazar) e Catherine (Saskia Reeves), que recebem mais destaque nessa temporada e não podemos esquecer de Diana Taverner (Kristtin Scott Thomas), que precisa lidar novamente com a incompetência de seus superiores na alta cúpula do MI5. Mais uma vez, conforme a temporada avança em sua narrativa, a tensão cresce e a série nos oferece cenas de ação que não fazem feito em comparação a que vimos na excelente terceira temporada, a diferença é que existe aqui um emaranhado emocional ainda maior a ser resolvido, até mesmo entre a dupla Shirley (Aimee-Ffion Edwards) e Marcus (Kadiff Kirwan).  Para manter a tradição, a  quinta temporada recebe um trailer ao final do último episódio e deixa claro que o programa ainda vai manter sua ótima fórmula em desenvolver os laços entre os melhores piores agentes da Inglaterra enquanto todo o marasmo do serviço burocrático é espantado mais uma vez (para alegria deles e nossa também). Ampliando cada vez mais seu leque de personagens interessantes, Slow Horses ocupa cada vez mais o posto de minha série favorita do momento. 

Slow Horses - 4ª Temporada (Reino Unido - EUA / 2024) de Will Smith com Gary Oldman, Jack Lowden, Kristtin Scott Thomas, Saskia Reeves, Rosalind Eleazar, Hugo Weaving, Christopher Chung, jonathan Pryce, Ruth Bradley, Tom Brooke, Naomi Wirthner, Aimee-Ffion Edwards e Kadiff Kirwan. ☻☻☻☻

KLÁSSIQO: Possessão

Sam e Isabelle: a separação como um filme de terror.

Certa vez em uma conversa sobre toda a confusão que foi para Andrzej Zulawski finalizar seu ambicioso O Globo de Prata (1988), um amigo comentou como era ingrato que um diretor de  um filme premiado no Festival de Cannes ter que passar por tudo aquilo. O filme premiado em questão era Possessão, que concedeu à Isabelle Adjani o prêmio de melhor atriz em 1981. Aquela foi a primeira vez que ouvi falar do filme de terror dirigido pelo diretor que recebeu status de cult ao longo do tempo. Recentemente começaram a falar de um remake estrelado por Robert Pattinson e as reclamações de que a nova versão ficaria aquém do original começaram a borbulhar. Obviamente que minha curiosidade em torno do filme se tornou incontrolável nas últimas semanas, mas confesso que foi difícil encontrar o filme para assistir e, após encontrá-lo, foi preciso de um preparo especial para encarar uma produção de intensidade impressionante na abordagem de um casamento em crise. Mark (Sam Neill) volta de viagem e percebe que sua mulher não está mais disposta a manter o casamento. Cansada dos longos períodos em que cuida da casa e do filho pequeno sozinha, ela percebeu que deseja algo mais para sua vida. No entanto,  o esposo não se conforma e tenta discutir a relação com a mulher, que sequer consegue olhar para ele. A presença dele já parece ser um gatilho para Ana, que está à beira de um surto. Só piora quando Mark imagina que ela possui um amante e o ciúme começa a deixa-lo cada vez mais agressivo. As discussões são constantes e se intensificam com gritos, ofensas, violência física e automutilzação. Zulawski constrói uma atmosfera densa, claustrofóbica e sufocante com a interação entre seus dois atores e o horror daquele relacionamento entre pessoas que parecem realmente possuídas, esse drama de emoções descontroladas já daria conta de fazer do filme um clássico do terror, mas existe algo mais. Sempre com uma estranheza no ar e olhares sinistros de Ana, existem pistas de que não se trata apenas de um relacionamento que chegou no limite. Quando um detetive é contratado para seguir Ana, o roteiro entrega que existe algo realmente de outro mundo afetando a trama. A estupenda Isabelle Adjani está assustadora no filme (e após o prêmio em Cannes recebeu o César de Melhor Atriz) com um domínio físico invejável.  A atriz oscila as expressões entre o diabólico e o vulnerável e tem uma das cenas solo mais assustadoras da história do cinema na famosa cena do metrô. Até hoje, sua performance é bastante perturbadora e, se o Oscar não tivesse tanto preconceito com os filmes do gênero, ela teria sido indicada e premiada com sua primeira estatueta. Sam Neill também está ótimo em cena, com pinta de galã com tendência ao surto, ele está bastante convincente como o esposo que tenta entender o que acontece com a esposa enquanto se perde pelo caminho.O filme evita o colocar no papel de marido bonzinho, fazendo com que seus defeitos acentuem ainda mais as causas daquele casamento em frangalhos. Zulawski buscou inspiração nos efeitos de seu próprio divórcio para construir o filme, mas ao invés de lavar a roupa suja, criou uma obra que vai além, abordando a separação em outras esferas. Não por acaso o filme é ambientado na Alemanha ainda separada pelo muro de Berlim e suas neuras, além disso, os próprios personagens aos poucos se separam de si mesmos (ao ponto de gerar enigmáticos "duplos" ao longo da sessão). Com tanta estranheza, o filme não escorrega nem quando apresenta o verdadeiro amante da protagonista, mas erra a mão quando envereda por cenas de ação que não combinam em nada com resto da narrativa.  

Possessão (Possession / França - Alemanha Ocidental) de Andrzej Zulawski com Isabelle Adjani, Sam Neill, Heuinz Bennent, Margit Carstensen, Carl Duering e Johanna Hofer. ☻☻☻☻

sábado, 19 de outubro de 2024

PL►Y: O Mal não Existe

Hitoshi Omika: a natureza é o maior atrativo.

Depois de uma breve passagem pelos cinemas brasileiros, no novo filme do cineasta japonês Ryusuke Hamaguchi chegou na Mubi recentemente. Depois de todo prestígio e prêmios de Drive My Car/2021, quem for assistir sua nova obra esperando algo parecido poderá se frustrar. No recente O Mal Não Existe, a trama gira em torno de uma comunidade que vive na vila de Muzubike, em Tóquio. Todos vivem em harmonia com a natureza por lá, apreciando as árvores, o convívio com os animais, a água potável direto da fonte... mas tudo isso pode estar ameaçado com o projeto de instauração de um glamping por lá. Eis que os idealizadores do projeto são obrigados a fazer uma audiência pública com os moradores para apresentar o projeto e são surpreendidos com muitas críticas e sugestões para que o impacto sobre o meio ambiente da localidade seja amenizado. Os construtores não parecem muito preocupados com o bem estar do local, mas com o tempo que possuem para tirar o projeto do papel e não perder o investimento. Para defender o projeto usam todos aqueles jargões sobre os benefícios para a comunidade, o aumento de lucros locais e novos empregos por ali. Não convencem. Então, eles precisam de uma nova estratégia para conseguir amenizar a insatisfação local. Eu não fazia a mínima ideia sobre o que era glamping, mas descobri que é uma espécie de camping mais glamouroso, com instalações luxuosas e tudo mais, o que não impede que o projeto apresentado tenha seus problemas (especialmente relacionado com a poluição da fonte d'água local). PAra agregar confiança ao projeto, eles tentam convencer um morador local a se envolver com o projeto. Eles escolhem Takumi (Hitoshi Omika), um morador local que ocupa o cargo de "faz tudo" da região. Ele vive sozinho com a filha, Hana (Ryô Nishikawa) e em determinado momento, um acontecimento com a menina conduzirá a trama. Embora o filme comece de forma bastante hipnótica com a câmera em movimento em meio às árvores e a trilha sonora magnífica de Eiko Ishibashi, o que vemos a seguir não consegue sustentar nossa atenção por muito tempo, os momentos em que pretendem demonstrar a sintonia da população local com a natureza é bastante arrastada. Quando se instaura o conflito dos moradores com as mudanças anunciadas, o filme se apoia em um lugar comum dos filmes que abordam o tema do desenvolvimento regional com sustentabilidade, mas depois não sabe muito bem o que fazer. Tive a impressão que diante de toda a complexidade de Drive my Car, Hamaguchi quis fazer um filme de menor escala, mas o roteiro parece ter sido apenas um esboço das intenções do cineasta.  Mais uma vez o diretor investe na poesia das imagens, agora para explorar o lugar do homem na natureza, e, de fato, ela é a personagem principal de toda a narrativa. Embora eu ache a última parte a mais interessante (emulando sutilmente a ideia de que a natureza tem seus meios de reagir e se tornar até ameaçadora), considero pouco para um filme de uma hora e quarenta minutos. O Mal não Existe seria um dos meus curtas favoritos se tivesse uma hora a menos de projeção. Da forma como está, soa como um exercício de paciência disfarçado por toda a beleza natural filmada por Hamaguchi. 

O Mal Não Existe ( Aku wa sonzai shinai/ Japão - 2023) de Hyusuke Hamaguchi com Hitoshi Omika, Ryô Nishikawa, Ayaka Shibutani, Hazuki Kikuchi e Hiroyuki Miura. 

CATÁLOGO: Um Caso de Amor

Russell e Jack: pai e filho em comédia romântica australiana.

De vez em quando eu procuro um filme que ouvi falar tempos atrás e que nunca assisti. Quando é uma raridade, sinto como se eu ganhasse uma estrelinha na vida cinéfila (quando se trata de um clássico... é como se eu recebesse uma medalha). Dia desses eu recebi uma estrelinha por ter encontrado o australiano Um Caso de Amor, filme estrelado por Russell Crowe quando ele tinha 30 anos e nem imaginava que iria fazer carreira nos Estados Unidos. Crowe já tinha chamado atenção em A Prova (1991) e estava em alta por lá com seu trabalho como o skinhead de Romper Stomper (1992) e decidiu fazer um trabalho totalmente diferente. Ele interpreta Jeff,  um bombeiro hidráulico que vive com seu pai, Harry (Jack Thompson), desde o falecimento da matriarca da família. Harry não se importa que o filho seja homossexual, pelo contrário, ele gostaria muito de ser apresentado a algum parceiro do rapaz que é extremamente discreto com sua vida amorosa. Faz um tempo que Jeff pretende ter um relacionamento sério, mas a situação é mais complicada do que ele imagina. Eis que um dia ele conhece Greg (John Polson) e a coisa parece seguir por um caminho diferente, porém, o pretendente enfrenta problemas em se assumir para a família o que o causa um desconforto ainda maior quando é tratado com plena naturalidade por seu futuro sogro. Harry também está procurando uma namorada e o receio da forma como ela lidar com a sexualidade de seu filho pode ser um problema. O filme dirigido por Geoff Burton e Kevin Dowling é bastante leve e espirituoso, apresentando a cumplicidade entre pai e filho sem exageros, assim como envereda pelo território da comédia romântica driblando alguns clichês. O longa ainda ganha um ar moderninho quando os personagens quebram a quarta parede e conversam com o espectador como se fôssemos amigos de longa data - muitas vezes o recurso é utilizado para contar a história da avó materna de Greg, que na terceira idade investiu em um relacionamento com uma mulher. Intercalando a vida amorosa de seus personagens, o filme flui sem problemas até mesmo quando um golpe do destino modifica a dinâmica entre pai e filho - e o que poderia escorregar para o melodrama segue sem maiores tropeços. Russell Crowe e John Polson estão muito convincentes em cena. Quem está acostumado a ver o Gladiador Crowe em papéis mais agressivos, irá se surpreender com a desenvoltura em suas cenas com John Polson (o que deve ter impedido o filme a passar na Sessão da Tarde nos anos 1990). No fim das contas, Um Caso de Amor (o título nacional meio equivocado para o original A Soma de Nós) é um filme sobre a busca pela cara metade como tantos outros que são lançados todos os anos,  porém, ver um filme de 1994 (trinta anos!!!) lidando com tanta naturalidade com a homossexualidade de seu protagonista nos faz repensar onde foi que a coisa desandou para os tempos conservadores em que vivemos. Vale lembrar que este foi o último filme da fase australiana de Crowe, no ano seguinte ele já era contratado pela produtora Sharon Stone para ser um dos pistoleiros de Rápida e Mortal (1995) e o resto da história todo mundo sabe. Curiosidade, o filme tem uma mensagem totalmente oposta de Boy Erased (2018), filme em que Crowe vive um pai que acredita na cura gay de seu filho. 

Um Caso de Amor (The Sum of Us/Austrália - 1994) de Geoff Burton e Kevin Dowling com Russell Crowe, Jack Thompson, John Polson, Deborah Kennedy, Joss Moroney, Mitch Mathews, Des James e Julie Herbert. ☻☻☻

NªTV: Mary e George

Nicholas e Julianne: conspirações em torno do amante do rei.
 
Disponibilizada na Globoplay sem muito alarde, Mary & George é uma minissérie britânica que chamou atenção quando foi lançada no exterior. Só a presença da diva Julianne Moore no alto dos créditos já valeria uma olhada na produção, mas ela tem mais a oferecer, especialmente por se baseada em uma escandalosa história real ambientada na Inglaterra do século XVII. A atriz interpreta Mary Villiers uma mulher que nunca foi bem vista e casou com um homem muito desagradável. Ela teve vários filhos com ele, mas o pai sempre imaginou que nenhum deles seria alguma coisa que prestasse na vida. Eis que por conta de um acidente, o marido de Mary morre e ela descobre que não herdou nada - ele resolveu deixar a casa e todo resto para um parente distante. Diante do infortúnio, não resta à ela outra opção senão casar novamente. No entanto, ela percebe que se não providenciar casamentos rentáveis para seus filhos, possivelmente poderá render novas armadilhas do destino. Como Mary não é bem vista na região, providenciar uma boa união para o primogênito (Tom Vcitor) se torna difícil, mas ela imagina que pode driblar o azar se conseguir tornar seu segundo filho, George (Nicholas Galitzine) em amante do Rei da Inglaterra. Ela ressalta várias vezes a beleza do filho, mas falta ao rapaz, digamos, um certo veneno para que esteja disposto a colaborar com os planos da matriarca, mas nada que uma viagem à libertinagem francesa não resolva). Sendo assim, quando o moço retorna ao seu país, basta fazer com que caia nas graças do Rei Jaime (Tony Curran), que nunca escondeu de ninguém seu interesse por jovens rapazes - nem da rainha, que faz tempo está cansada de toda a influência de Somerset (Laurie Davidson), amante oficial de vossa majestade, no reinado. Obviamente que a ascensão de Mary e George junto à corte não será fácil, mas os dois são espertos o suficiente para driblar os obstáculos que aparecem pelo caminho. Narrado em sete episódios, a minissérie é uma adaptação da obra "The King's Assassin" de Benjamin Wooley e investe no clima de uma conspiração em constante andamento, sendo temperada com muita luxúria e fofocas de alcova, lembrando um pouco a atmosfera de Ligações Perigosas (1988), só que a aqui a busca pelo poder transcende os jogos sexuais e tem como base a busca pelo poder na monarquia. Não bastasse os vários inimigos que mãe e filho encontram pelo caminho, os dois começam a se estranhar conforme George encontra seu lugar na cama do rei. Se a veterana Julianne está perfeita como uma das mães mais ardilosas da História, Nicholas Galitzine está convincente como o rapaz ingênuo que aos poucos se torna um sedutor bastante perspicaz, ao ponto de desafiar a própria mentora em alguns momentos (e acho curioso que embora o jovem ator esteja em várias produções recentes, ele sempre me parece melhor quando está em uma produção queer). Outro que merece destaque na produção é Tony Curran como um rei perdido entre suas obrigações e desejos sexuais (é curioso que um rei de vida sexual tão apimentada seja lembrado historicamente por sua antológica nova tradução da Bíblia para a língua inglesa). Com personagens escorregadios, figurinos elaborados e uma direção de arte cuidadosa para soar tão exuberante quanto decadente, Mary e George se torna uma minissérie pesada e um tanto árdua de se assistir, no entanto, se torna um verdadeiro banquete para quem gosta de histórias sobre os bastidores da nobreza europeia. 
 
Mary e George (Reino Unido - 2024) de D.C. Moore com Julianne Moore, Nicholas Galitzine, Tony Curran, Mark O´Halloran, Edward Cooke, Tom Victor, Trine Dirholm, Laurie Davidson e Jacob McCarthy.  ☻☻☻☻

PL►Y: Não Me Ame

Christos e Eleni: planos quase perfeitos.

Outro diretor grego que se aventurou por Hollywood foi Alexandros Avranas. Depois dos prêmios recebidos pelo (mais que) incômodo Miss Violence (2013), o cineasta se aventurou pela terra do Tio Sam dirigindo um suspense com Jim Carrey (Crimes Obscuros/2016 que pouca gente assistiu). Como o resultado não foi o esperado, ele voltou para seu país e continuou fazendo seus filmes que não pretendem agradar muita gente. Não Me Ame não fez o mesmo sucesso da obra que o revelou para o mundo, mas o dom para incomodar a plateia permanece intacto. O filme conta a história de um casal (Eleni Roussinou e Christos Loulis,) que leva uma vida confortável, mas que lamenta não ter tido filhos. Eles acabam contratando uma jovem (Célestine Aposporis) para ser uma espécie de barriga de aluguel. Espécie porque os dois resolvem a situação por conta própria, levando a moça para morar junto com eles durante a gestação, aplicam injeções nela (que imaginamos ser para fertilidade) e, digamos, a concepção será feita da forma tradicional mesmo. No entanto, a interpretação dos atores segue o estilo do novíssimo cinema daquele país (mais conhecido como "estranha onda do cinema grego"), bastante contidas e deixando muito para a interpretação da plateia. Por conta disso, as expressões de Eleni Roussinou parecem construir uma máscara para a personagem com seus olhos enormes e um sorriso sempre enigmático no rosto, enquanto Christos Loulis  soa sempre alheio ao que acontece. O trabalho do casal deixa a impressão que os dois estão escondendo alguma coisa, que só se revela no segundo ato da história. Particularmente fiquei decepcionado com a guinada que a história cria nesta parte, imaginando que veria mais um filme de golpistas sendo mais espertos que os outros personagens. Avranas conduz a segunda parte da narrativa deixando o espectador pensar que está diante de mais do mesmo, até que o casal recebe a visita de um cão e seu dono. Começamos a imaginar que o casal terá que inventar um novo plano para se livrar dele, mas antes que isso aconteça o filme oferece mais uma virada, esta mais agressiva, violenta e incomoda do jeito que Avranas adora. Porém, ela prende a atenção quando começamos a especular sobre quem seria aquele senhor desconhecido que invade a vida do casal - e que parece conhecê-los tão bem. O terceiro ato é tão difícil de assistir que muita gente acusou o filme de ser misógino, mas há quem também observe um conto moral sobre a forma como as mulheres são usadas nos jogos estabelecidos em uma sociedade patriarcal, são duas leituras antagônicas que podem modificar completamente a leitura do filme. Imagine o que ele possui de simbólico e ele pode ficar até mais interessante. O fato é que Avranas faz mais uma vez um filme capaz de chocar a plateia, especialmente com aquela cena final que dói na alma dependendo da leitura que você faz do que virá a seguir. A minha é a pior possível. 

Não Me Ame (Love Me Not / Grécia - 2017) de Alexandros Avranas com Eleni Roussinou, Christos Loulis, Célestine Aposporis, Maria Skoula, Stefanos Kosmidis e Manos Vakousis. ☻☻

quinta-feira, 17 de outubro de 2024

Pódio: Jesse Plemons

Bronze: o marido encrencado.

3º Fargo - 2ª Temporada (2015) Embora tenha chamado atenção das premiações só recentemente, o texano atua no cinema desde 1998, quando tinha dez anos de idade. Com vários trabalhos no cinema e na TV, ele se tornou um artista marcado pela versatilidade em viver tipos cômicos, dramáticos e assustadores (por vezes, ao mesmo tempo). Na hora de escolher seus três trabalhos favoritos lembrei muito de sua participação em séries como Black Mirror (e 2017) e Breaking Bad (entre 2012 e 2013), mas a medalha de bronze vai para sua antológica participação na segunda temporada de Fargo como Ed Blomqvist, o marido apaixonado e dedicado que se complica em crimes cada vez mais ao lado da esposa (Kirsten Dunst). A química da dupla acabou rendendo um casamento na vida real!

Prata: o filho dedicado
Other People (2016) A primeira vez que percebi Plemons em um filme foi nesta produção independente que lhe rendeu uma indicação ao Independent Spirit Awards de melhor ator. Ele vive David, um escritor de comédia que acaba de terminar com o namorado e que precisa lidar com a volta para casa da mãe (que atualmente enfrenta uma grave doença). Arrisco dizer que é o papel mais explicitamente emocional do ator, aqui ele apresenta cenas de partir o coração como o protagonista perdido em meio aos imprevistos da vida. Eu sei que o ator recebeu recentemente o prêmio de melhor ator em Cannes por Tipos de Gentileza (2024) e já esteve em filmes indicados ao Oscar, mas seu trabalho aqui é ainda mais memorável. 
 
 
Ouro: o vizinho estranho.
1º A Noite do Jogo (2018) Antes do ator ser indicado ao Oscar de coadjuvante por seu trabalho como o irmão bondoso de Ataque dos Cães (2021), muita gente clamava para que o ator fosse lembrado por sua pequena participação (do que especial) nesta comédia em que ele vive o personagem mais engraçado (e com o menor tempo de tela). Jesse vive Gary, o policial que vive sozinho com seu cachorro e espera ansiosamente para ser convidado pelos vizinhos para participar de uma noite de jogos e brincadeiras. O genial do trabalho de Plemons é que ao mesmo tempo que desperta piedade da plateia, ele também provoca arrepios com seu jeito, digamos... peculiar. Tão hilariante quanto assustador!

PL►Y: Tipos de Gentileza

Emma e Jesse: contos entre a comédia e a tragédia.

Depois de A Favorita (2018) li muitos comentários de que o cineasta Yorgos Lanthimos havia se vendido. Com Pobres Criaturas (2023) ganhando o prêmio máximo do Festival de Veneza os comentários só aumentaram.  Juntas, as produções somam cinco estatuetas e impressionantes 21 indicações ao Oscar. Em comum, ambos premiaram suas atrizes principais junto à Academia, possuem um cuidado estético impressionante e voltagem dramática elevada conjugada com o senso de humor peculiar que Lanthimos ostenta desde que caiu no radar da Academia com seu Dente Canino (2009) na concorrência em Filme Estrangeiro em 2011. Yorgos não levou o Oscar para seu país, mas carimbou seu passaporte para Hollywood. Aquele filme se tornou um marco referencial sobre a estranha onda grega, ou o novíssimo cinema grego composto por filmes independentes com roteiro alinhado com a crise social e econômica do país. Com o orçamento miúdo para fazer filmes, os diretores investiram em um estilo econômico tanto na grana quanto nas interpretações minimalistas dos atores (que funcionam em contraste com as tramas que carregam as tintas no absurdo). O resultado colocou o cinema grego novamente no mapa cinéfilo mundial.  Com os orçamentos robustos para brincar na terra do Tio Sam, os fãs mais radicais queriam que Yorgos permanecesse fazendo o mesmo cinema com restrições orçamentárias de antes. Eis que entre as filmagens de Pobres Criaturas, Lanthimos realizou um outro filme em esquema independente, com alguns atores do mesmo elenco e outros convidados, o resultado estreou no Festival de Cannes. O longa dividiu opiniões, mas rendeu o prêmio de atuação masculina para Jesse Plemons no início do ano. A trama é composta por três histórias que lembram muito os tempos de pindaíba do diretor, com histórias bizarras, cheias de metáforas sobre as relações humanas e (assim como o Sacrifício do Cervo Sagrado/2017) traz um toque de tragédia grega. Na primeira história um homem (Plemons) precisa executar uma tarefa para o patrão (Willem Dafoe), mas entra em uma crise de consciência que o faz repensar os limites da relação que existe entre os dois. Na segunda, um policial (Plemons) aguarda o retorno de sua esposa (Emma Stone) que desapareceu em uma expedição. Quando ela é resgatada, ele suspeita que não seja ela, o que gera situações que funcionam como um teste sobre a identidade daquela mulher. No terceiro, uma mulher (Emma Stone) é contratada por um milionário (Dafoe) para procurar uma pessoa capaz de curar doenças e ressuscitar os mortos, tudo por conta do filho do ricaço que está doente (Plemons). Não cabe contar muito para não estragar as surpresas de cada trama, mas existe aqui ecos da excitação mórbida de Kinetta (2009) , o primeiro filme autoral de Yorgos, e um tanto da devoção cega de alguns personagens que lembra o que vimos em  Alpes (2011). Quem conhece a fase grega do diretor vai perceber várias semelhanças no desenho dos personagens, no entanto, o maio problema do filme não é essa repetição, mas a impressão de que é composto por três ideias que poderiam render três longas, mas que não conseguiram ser desenvolvidas para tal. Coladas em quase três horas de sessão, gera um certo cansaço de acompanhar as histórias carregadas do estilo absurdista do diretor em tramas que giram em torno da morte. Minha trama favorita é a primeira, a outras são apenas medianas. A sorte é que no streaming (o filme está no Disney+, pois é... tire as crianças da sala!) as três tramas podem ser vistas separadas e satisfazer os fãs até que o lançamento de Bugonia, o próximo longa do diretor, mais uma vez estrelado por Emma Stone. A relação entre os dois é digna de uma análise mais profunda, já que a atriz mostra-se bastante a vontade com as ideias do diretor, percebendo que a oscilação entre o drama e a comédia cai como uma luva para gerar boas (e complicadas) atuações . Particularmente considero o trabalho dela mais interessante do que o de Jesse Plemons por aqui, vale dizer que Dafoe e Margareth Qualley também estão bem em cena. Seja como for, Tipos de Gentileza é Lanthimos dizendo que debaixo de seus filmes mainstream ainda existe a mesma mente assustadora de antes.

Tipos de Gentileza (Kinds of Kindness/ EUA - 2024) de Yorgos Lanthimos com Emma Stone, Jesse Plemons, Margarteh Qualley, Joe Alwyn e Hunter Schafer.

quinta-feira, 10 de outubro de 2024

PL►Y: Planeta Janet

Julianne e Zoe: um verão de mãe e filha.

Janet (Julianne Nicholson) é uma mãe solo que vive com a filha, Lacy (Zoe Ziegler), de onze anos. Elas vivem na zona rural de Massachussetts, juntas, as duas levam uma rotina bastante comum que é atravessada por algumas pessoas que cruzam a vida de ambas. São as pessoas que surgem no meio da narrativa que dão título às partes que compõem o filme da diretora e roteirista Annie Baker que conseguiu críticas positivas com sua estreia como cineasta. Baker adota um estilo sem firulas, bastante realista e direto, como se sua câmera estivesse espreitando a vida daquelas pessoas como se não estivesse ali. A trama não tem vilões, grandes acontecimentos ou revelações, mas se constrói na relação de proximidade entre mãe e filha de forma bastante sutil e até poética, mas sem afetação. No início Janet tem um namorado que a faz repensar sobre que tipo de relacionamento deseja. Depois ela reencontra uma amiga (Sophie Okonedo) que entre uma conversa aqui e outra ali, aprofunda a reflexão sobre os homens que atravessam o seu caminho, mal sabe ela que está aproximando Janet de outro relacionamento. O filme se concentra no desenho interno da personagem e o faz de forma bastante tranquila se desviando dos clichês do gênero, apresentando Janet como uma mulher comum e ao mesmo tempo interessante. Vale dizer que a protagonista é vivida por uma ótima atriz que ainda não recebeu o devido reconhecimento de merece do público. Juliane Nicholson chegou a roubar a cena de Meryl Streep e Julia Roberts como a irmã mais nova de Álbum de Família (2013), brilhou na pequena participação como a treinadora dedicada de Eu, Tonya (2017)  e recebeu prêmios por seu trabalho memorável em Mare of Easttown (2021) ao lado de Kate Winslet. Em todos os seus papéis, a atriz consegue construir personagens bastante palpáveis e interessantes, de forma que dificilmente a Janet do título nos deixaria instigados se fosse vivida por outra atriz. A pequena Zoe Ziegler que interpreta sua filha consegue compor na exata medida uma menina que cresce ao lado da mãe curiosa sobre o a vida e o mundo (e sobre o que ambos lhe reservam). As duas apresentam diálogos bastante francos que tornam Planeta Janet um filme interessante justamente por ser tão simples. Não é um filme arrebatador, mas uma produção a que se assiste com certa curiosidade e que nos absorve para o cotidiano de personagens que, magicamente, parecem existir de verdade. 

Planeta Janet (Janet Planet / EUA - 2023) de Annie Baker com Julianne Nicholson, Zoe Ziegler, Sophie Okonedo, Elias Koteas, Will Patton e Luke Phillip Bosco. ☻☻☻

KLÁSSIQO: Primavera de Uma Solteirona

Maggie e suas pupilas: a influencer de seu tempo.
 
A notícia de que Dame Maggie Smith havia falecido, entristeceu milhares de fãs de todas as idades. Os mais jovens conheciam a grande atriz por conta de seu trabalho como a professora Minerva dos filmes da série Harry Potter, outros lembram dela como a Lady Violet da cultuada série Downton Abbey. Com uma carreira que acumulou mais de cinquenta prêmios nos palcos e no cinema, Maggie foi indicada seis vezes ao Oscar (a primeira vez em 1966 por Othello e a ultima por Gosford Park/2021) sendo duas vezes premiada, colecionando uma estatueta como coadjuvante por Califórnia Suite (1978) e outra como melhor atriz principal por este clássico Primavera de Uma Solteirona (1979). Maggie já era um rosto conhecido no teatro e no cinema quando foi escalada para viver a protagonista desta adaptação do livro de Muriel Spark.  O título nacional é bastante pejorativo (o livro é chamado A Primavera da Senhorita Jean Brodie) que tem o maior orgulho de ser solteira e investir em suas aventuras amorosas. Jean Brodie (Maggie Smith) considera estar no seu auge enquanto leciona História em uma escola somente para garotas. Ela tem uma forma bastante peculiar de passar seus conhecimentos, muitas vezes expondo seu olhar pessoal sobre os conteúdos de sua disciplina. Entre as alunas de sua classe, Jean escolhe um grupo seleto de meninas para que sejam suas seguidoras. São elas que costumam andar com ela pela cidade, desfrutando de sua companhia e visão peculiar de mundo. Algo que chama bastante atenção das  alunas e a vida amorosa da professora que, até então muito discreta, teve um caso com o professor casado de artes (o charmoso Robert Stephens, então marido de Maggie) e um namorico com o professor de música (Gordon Jackson). O triângulo amoroso desconjuntado oferece ao filme as cores de uma comédia romântica, mas que fica em segundo plano quando os aspectos mais controversos da personagem vem à tona. Jean é declaradamente simpatizante de Mussolini e sua influência entre as alunas oferece uma mistura bastante perigosa, cujas consequências vemos na reta final do filme. Não apenas a simpatia da professora pela extrema direita torna o filme dotado de polêmicas, mas a relação de uma aluna com um professor e uma cena de nudez demonstra que o filme de 1969 estava  disposto a desafiar as convenções da época. No entanto, a direção de Ronald Neame (veterano que iniciou seus trabalhos como diretor de fotografia em 1933) trata tudo com muita leveza, belíssima fotografia e um senso de humor bastante refinado que torna alguns diálogos divertidos até hoje. Maggie Smith está perfeita no papel título, despertando a simpatia da plateia mesmo que algumas de suas posturas sejam bastante condenáveis. Com o charme inteligente que a atriz confere à personagem, nos sentimos na pele de suas seguidoras, ainda que, por vezes, alguns pontos provoquem um choque em nossa relação com a personagem. Maggie já demonstrava aqui um estilo bastante próprio de atuar, com uma maneira pomposa de dizer as coisas mais absurdas que se tornaram a sua marca registrada. Entre cenas cômicas e momentos dramáticos, a personagem é um daqueles presentes que uma atriz sonha interpretar um dia. Embora seja um filme lançado há 65 anos, Primavera de Uma Solteirona tem uma esperteza que o torna especial até hoje - e o fato da personagem ser seduzida pelo discurso da extrema direita, oferece ao filme uma atualidade ainda mais inesperada. 

Primavera de Uma Solteirona (The Prime of Miss Jean Brodie / Reino Unido - 1969) de Ronald Neame com Maggie Smith, Gordon Jackson, Robert Stephens, Pamela Franklin, Celia Johnson, Diane Grayson e Shirley Steedman. ☻☻☻☻ 

quarta-feira, 9 de outubro de 2024

PL►Y: Entrevista com o Demônio

Dastmalchian e seus convidados: tudo pela audiência.
 
Já está disponível na Netflix um dos filmes mais comentados do ano. Entrevista com o Demônio é um terror independente, feito com baixo orçamento (três milhões de dólares), gerou um lucro considerável aos envolvidos (só na segunda semana o filme já havia rendido o dobro) e comprovou que ideias diferentes fazem a diferença. O que pouca gente sabe é que o filme é baseado em uma história real, no caso, o programa especial da BBC chamado Ghostwatch que foi ao ar no Halloween de 1992. O programa apresentado por Michael Parkinson aterrorizou o público ao ser gravado em uma casa mal assombrada repleta de acontecimentos estranhos. No entanto, a BBC esqueceu de  avisar que era uma obra de ficção, o que gerou uma grande polêmica em rede nacional pela guerra da audiência (e que fez o programa ser banido, nunca  havendo uma reprise na emissora). A ideia do filme assinado pela dupla Cameron e Coilen Cairnes segue a mesma base e se beneficia pela forma dinâmica como conta sua história. O filme ambientado nos anos 1970 começa como um pequeno documentário sobre a ascensão do apresentador Jack Delroy (David Dastmalchian) e seu programa televisivo, Corujões. Bastante popular e indicado a prêmios, Delroy sempre se ressentiu de ficar em segundo plano (à sombra do ícone Johnny Carson), ao ponto de até se aproveitar da presença de sua esposa doente para conseguir ficar em primeiro lugar pela audiência. Aos poucos seu programa se tornou cada vez mais apelativo e perdeu espectadores, eis que ele se apropria de um crime que chocou o país para conseguir liderar a audiência na noite de Halloween de 1977. Naquele dia das bruxas ele resolve levar ao ar a única sobrevivente de uma seita, Lilly (Ingrid Torelli) uma adolescente que todos acreditam ser possuída pelo capeta. Ela comparece ao programa acompanhada de uma parapsicóloga, Drª June Ross-Mitchell (Laura Gordon), que se tornou sua tutora e que escreveu um livro baseado na triste história da garota. Entre as atrações daquela noite, está um especialista (Ian Bliss) em desmascarar  pessoas que fingem ter contato com o mundo paranormal, ou seja, a tensão está posta. Os diretores capricham na reconstituição de época com figurinos, penteados, cenário, trilha sonora e cada detalhe feito para deixar o espectador com a sensação de que está realmente diante de um programa de televisão. Este cuidado confere um charme a mais ao filme, que investe num tom cômico que, por contraste, destaca ainda mais quando o filme investe no que pode haver de mais sinistro na proposta do programa. Paira no ar uma ideia de que tudo é uma grande fraude, algo que somado aos tormentos do apresentador confere ao que se vê uma ambiguidade que é bem trabalhada durante a narrativa. Some isso à presença estranha de Lilly (um ótimo trabalho da novata Ingrid Torelli) e alguns detalhes baseados no clássico O Exorcista (1973) e você até deseja que a coisa vá por um caminho ainda mais horripilante (e ele experimente isso no desfecho do programa). Outro trunfo do filme é David Dastmalchian e sua aparência peculiar que cai como uma luva para o renomado apresentador, confesso que torço para que ele receba papeis de maiores destaques no cinema, faz um tempo que o rapaz já demonstrou que pode alçar voos muito interessantes em Hollywood. Criativo em sua estética e formatação, a produção consegue trazer novidade para um tema gasto no terror. No entanto, quem prefere ver mais do mesmo irá se decepcionar com a proposta do longa. 
 
Entrevista com o Demônio (Inteview with the Devil  EUA - 2024) de Cameron e Coilen Cairnes com David Dastmalchian, Laura Gordon, Ian Bliss, Fayssal Bazzi, Ingrid Torelli, Rhys Auteri e Georgina Haig. ☻☻☻